O Povo Cego e as Farsas do Poder 2ed

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O POVO CEGO
E AS FARSAS DO PODER
uma aventura real no país do faz-de-conta

A visão e a história de uma vítima de sucessivas tentativas de homicídio empreendidas pelo serviço secreto brasileiro

Sexo Homofobia Prostituição

Psiquiatria Matemática Conspirações

Política Espionagem Pedofilia

eric campos bastos guedes
Eric Campos Bastos Guedes 1 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Eric Campos Bastos Guedes

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O Povo Cego e as Farsas do Poder

“A culpa é do hipócrita, mentiroso e esperto ao contrário, que atira a pedra e esconde a mão.” Estamira

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O Povo Cego e as Farsas do Poder

PREFÁCIO Este não é um livro de ficção, lamentavelmente. Desde o início de 2007 1 venho sofrendo perseguições de caráter político e diversas ameaças. Tive meu nome difamado, sofri drogadições involuntárias e tentativas de homicídio. Sabemos que tais coisas ocorreram no passado e que talvez ocorram em algumas partes do mundo hoje. Porém sempre pensamos nisto como algo um tanto distante de nossa realidade. Até acontecer conosco. A maioria dos países tem um serviço secreto. Que propósitos tem tal atividade? Eles alegam proteger a soberania nacional e a democracia, entre outras coisas. No entanto é difícil imaginar que um governo tão corrupto esteja, ao mesmo tempo, tão preocupado em manter a democracia. A soberania nacional, por sua vez, continua sendo uma abstração sem base concreta. Basta citar o caso do nióbio – mineral absolutamente necessário para a indústria mundial. Somos o único país do mundo com quantidade significativa de nióbio e estamos vendendo este mineral a preços risíveis. O silêncio a esse respeito é total. A grande mídia distrai a população com questões que nos chocam. Somos submetidos a sucessivos sequestros emocionais e levados, assim, a ignorar os problemas reais – aqueles cujas soluções nos trariam mais qualidade de vida, prosperidade e paz. A mídia atribui a causa de nossos problemas ao chapéu que temos sobre cabeça e não aos pensamentos que nutrimos dentro dela. Então, compramos um chapéu novo e mais caro – e continuamos com nossos problemas. O presente texto convida a uma reflexão sobre a justiça e o poder no Brasil contemporâneo e no mundo. A sucessão dos acontecimentos por vir darão a tônica de nossas conclusões: um sopro de esperança no futuro ou a trágica constatação de uma realidade abjeta e inexorável. Os nomes das pessoas e instituições envolvidas foram trocados para evitar uma eventual proibição do comércio da presente obra, como já aconteceu com outro livro semelhante, a saber, “O Canto dos Malditos” de Austregésilo Carrano Bueno. Eric Campos Bastos Guedes [email protected] / [email protected]

1 Na verdade, pude verificar que um primeiro indício significativo de que estava sendo vítima de algum tipo de conspiração ou complô surgiu em 2006, talvez antes que eu tivesse sido premiado na Olimpíada Iberoamericana de Matemática Universitária. Este indício consiste na alteração do texto de um meu outro livro – Fórmulas para Números Primos – alteração esta feita, presumivelmente, via Internet por algum hacker. Após 10 anos acessando a Internet sem nunca ter tido esse tipo de problema, essa foi a primeira vez em que percebi, de modo relativamente claro, que dados contidos no HD de meu computador foram acessados e alterados. Tal alteração foi bastante sutil para não ser percebida imediatamente, mas nociva o bastante para fazer com que a proposta de publicação de meu livro pela Sociedade Brasileira de Matemática fosse recusada. Sem ter conhecimento da alteração do texto, acabei por publicá-lo eu mesmo em formato digital ao disponibiliza-lo no site www.docstoc.com .

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PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem sido considerado excelente. Às vésperas de uma eleição, Lula está a ponto de conseguir eleger sua candidata, a ex-ministra Dilma Housseff. Perguntando a pessoas do povo, vê-se logo que Lula é muito bem quisto pela população. Não é para menos! Hoje temos mais empregos que na época de Fernando Henrique Cardoso, os salários subiram e o salário mínimo, em particular, subiu bastante. O grande problema é o que tem sido feito por debaixo dos panos, sem alarde, sem divulgação. Venho denunciando o governo Lula por permitir que cidadãos brasileiros sejam mortos pela ABIN – Agência Brasileira de Inteligência. A ABIN é o serviço secreto brasileiro, o equivalente ao Serviço Nacional de Informações (SNI) da época da ditadura militar. Muitas pessoas que trabalharam para o antigo e opressor SNI, trabalham hoje para a ABIN. Inclusive gente envolvida com torturas, homicídios e coisas do gênero. Um grande indício de que o presidente Lula sabe que cidadãos brasileiros estão sendo mortos pela ABIN é o fato de que uma das funções da ABIN é justamente prover o poder executivo de informações. Isto significa que Lula tem todo o direito de saber o que a ABIN está fazendo. E se ele não sabe é porque não quer nem saber, isto é, não está nem aí. Apesar de tudo, tenho que reconhecer que, talvez, Lula seja refém da ABIN. Foi a ABIN a responsável pela criptografia do telefone presidencial. Essa criptografia protegeria, em tese, as ligações de Lula e de seus familiares de coisas como grampos telefônicos. No entanto, é lógico que se alguém faz a segurança das informações de outrem, poderá, se quiser, ter acesso a tais informações. Por exemplo, o sistema criptográfico dos telefones presidenciais pode ter uma falha que só a ABIN conhece, e a ABIN poderia se valer, hipoteticamente, de uma tal falha para ter acesso às ligações do presidente. Não somos governados por quem pensamos que nos governa. Gostaria de acrescentar que essa segunda edição tem várias melhorias em relação à primeira. Foram acrescentadas passagens antes omitidas, detalhes significativos e a perseguição que sofri após a primeira edição. Também corrigi alguns erros que haviam na edição precedente. Entretanto, esse texto ainda não está tão bom como gostaria que estivesse. O motivo é que tive de apressar o trabalho para que fosse publicado antes do segundo turno da eleição presidencial. Penso que a eleição pode mudar dramaticamente a minha sorte – para pior. Talvez meus inimigos se sintam muito mais a vontade para tentar me matar agora, já que Lula vai deixar a presidência da república. E se a denúncia que lanço neste trabalho ficar erroneamente desvinculada da imagem de Dilma Rousseff, candidata de Lula, o povo pode se enganar ao pensar que ela não tem nada a ver com os assassinos de estado pagos a peso de ouro pelo governo federal e que trabalham para a ABIN. Eric Campos Bastos Guedes Escrito em Araruama, em 5 de setembro de 2010. Modificado em Araruama, em 30 de outubro de 2010.

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Parte I
(Introito – Ilustrando o problema com textos relacionados)

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http://www.obm.org.br/univ/oimu.htm

Olimpíada Iberoamericana de Matemática Universitária
O participante não deve possuir título Universitário a nível de graduação ou equivalente e deve estar matriculado em uma Universidade como estudante de graduação.

I X OIM U (20 0 6) Nom e Rafael Daigo Hirama Rafael Marini Silva Thomás Yoiti Sasaki Hoshina Felipe Rodrigues Nogueira de Souza Luty Rodrigues Ribeiro Luiz Felipe Marini Silva Eric Campos Bastos Guedes Rafael Constant da Costa

Prêmio Ouro Prata Bronze Menção Menção Menção Menção Menção

Cidade-Estado S.J. dos Campos – SP S.J. dos Campos – SP Rio de Janeiro – RJ Campinas – SP Fortaleza – CE S.J. dos Campos – SP Rio de Janeiro – RJ Rio de Janeiro – RJ

(1º) (2º) (3º) (4º) (5º) (6º) (7º) (8º)

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Ilustríssimo Dr. Delegado do 77° DP Icaraí

Eric Campos Bastos Guedes, filho de Winter Bastos Guedes (pai) e Vanda Campos Guedes (mãe), portador da CI nºXXXXXXXX-X, CPF nºYYYYYYYYY-YY, domiciliado à Rua Domingues de Sá, n°422 em Icaraí, Niterói, RJ, vem por meio desta requerer registro de ocorrência e apuração pelo seguinte: ameaça de morte, calúnia e difamação (texto abaixo, postado na página de recados da vítima, no Orkut): “Seu arrombado do caralho.... Ao invés de ficar entrando em uma comunidade séria de policiais pra ficar fazendo chacota de nossas caras,porque não vai procurar um trabalho,ou algo do tipo? Filho da puta do caralho,cú de burro desgraçado! Bastardo maldito,no mínimo deve ser algum filho de alguma cadela desgraçada na vida que fica passabdo trotes para as autoridades... E digo mais,se ficar de graça com a gente,é 2 palitos eu falo com uns brothers ae no Rio e consigo seu endereço e passo você pros irmãos ae malucão,nem vem tirar que aqui é policía no baguio,se liga ae comediagem...pra desenrolar este barato é 2 palitos,tá avisado. ”

Nestes termos Pede deferimento

________________________________ Niterói, 7 de novembro de 2008

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O Povo Cego e as Farsas do Poder

Tópico de Discussão na comunidade “Denúncias, Dúvidas, Direito” no Orkut
Infecção Criminosa em Clínica Psiquiátrica Início > Comunidades > Governo e Política > DENÚNCIAS, DÚVIDAS, DIREITO. > Fórum: > Mensagens mostrando 1-2 de 2 2 nov (5 dias atrás) Eric Campos Infecção Criminosa em Clínica Psiquiátrica Fui internado numa clínica psiquiátrica por motivos políticos. Não havia indicação real para uma internação, visto que eu estava calmo, lúcido e produtivo. No final da internação, como eles não tinham como me manter mais tempo preso, deram uma agulhada no meu pé esquerdo. Quando olhei para meu pé havia, no local da agulhada, uma gota de um líquido vermelho escuro. Não acreditei no que eu estava vendo e não reclamei na hora porque eu estava drogado com altas doses de antipsicóticos e tranquilizantes. Passei o dedo por cima do ponto vermelho em meu pé. Era sangue. Desconfio que me infectaram criminosamente (talvez HIV), já que estou sendo perseguido desde 2006 por motivos políticos, principalmente depois que obtive a sétima colocação no Brasil na Olimpíada Iberoamericana de Matemática Universitária (em 2006) sem estudar. Gostaria, em caso de confirmada a infecção, processar o hospital. Não há, no momento, nenhum teste que confirme qualquer infecção, mas preciso postar isto aqui para que fique o crime bem caracterizado. Como devo proceder? [ eric campos bastos guedes ] 2 nov (5 dias atrás) Dra. Nancy Boa Tarde Érico, lamento pelo que voce passou, mas uma coisa é certa, o bem sempre vence o mal! Como não há nenhuma indicação de infeccção ou manifestação criminosa, no meu entender, para deixar registrada tal situação para uma confirmação ou não de um crime, se dirija a um Distrito Policial para lavrar um Boletim de Ocorrência de Preservação de Direitos, também pode se dirigir diretamente ao Ministério Público e deixar sua denúncia lá, espero que não esteja contaminado, é o que te desejo de melhor, mas, se algo surgir após um tempo, voce já deixou registrado em dois órgãos que poderão investigar o ocorrido. Boa sorte!

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Parte II
(Vida Pregressa – Uma Pequena Autobiografia)

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A Matemática como princípio do pensamento lógico-racional Gosto de Matemática desde os 7 ou 8 anos de idade 2. Naquela época abria a Enciclopédia Novo Conhecer, ricamente ilustrada, para me divertir tentando determinar a velocidade de translação da Terra. Não encontrando essa velocidade explicitada na enciclopédia, imaginei que pudesse calculá-la. Primeiro supus que a Terra se movia em uma trajetória circular em torno do Sol, o que não está lá muito distante da realidade. Depois supus, corretamente, que o número pelo qual eu deveria multiplicar a distância da Terra ao Sol para ter o “comprimento da trajetória” da Terra em torno do Sol era o mesmo número pelo qual eu deveria multiplicar o raio de qualquer círculo para obter o comprimento da circunferência. Partindo desses pressupostos, apossei-me de um transferidor de formato circular e medi – com grau suficiente de precisão – o valor de tal número, que estimei como sendo aproximadamente 6. Fiz isso sem saber nada a respeito da célebre constante matemática  (lê-se “pi”), que expressa a razão entre o comprimento da circunferência e seu diâmetro. *** Um pouco sobre minha mãe Eu perguntava pelas coisas que queria conhecer e geralmente elas tinham um caráter numérico. Perguntei certa vez sobre o significado dos números que apareciam numa bússola: “Você vai gastar o fosfato de seu cérebro”, respondeu minha mãe. Interessante notar que ela era professora – e uma ótima professora, conforme sempre tenho ouvido falar dela. Já imaginaram ela numa sala de aula dizendo isso para seus alunos? “Assim vocês vão gastar o fosfato de seus cérebros”. Não é difícil imaginar porque o quociente de inteligência do povo brasileiro – em torno de 89 pontos – está próximo da imbecilidade. A boa professora dá sinais de caridade no trato com seus alunos na escola onde trabalha, mas tolhe a inteligência do próprio filho. É como se ela ensinasse os desfavorecidos para ostentar compaixão e dificultasse a vida dos mais promissores para mostrar que é melhor que eles. Há quem seja acusado por favorecer familiares, mas sabotar a inteligência do próprio filho é obra do diabo. Minha mãe sempre buscou manter uma imagem de santidade e correção perante todos. O objetivo dessa sua busca é o de criar uma fachada moralmente inatacável a fim de encobrir seus atos perversos. Ora, Vanda sabia que seu empenho em ensinar estudantes desfavorecidos seria tido como uma atitude de caridade. Por outro lado, ensinar ao próprio filho poderia ser visto como um tipo perigoso de egoísmo. Por outro lado, por que um mestre se preocuparia em educar alguém inteligente e interessado que pudesse vir a superá-lo? O único motivo que vejo para isso é imaginar o mestre que ele toma parte, de algum modo delirante, no sucesso intelectual de seus alunos. Fora isso, ninguém gosta da ideia de ser intelectualmente inferior a outrem. Se não nos imaginamos tomando parte do sucesso de nosso próximo, não apreciaremos este sucesso. *** Sobre os dois tipos de egoísmo e sobre o perdão
2 Ao examinar criteriosamente minha cronologia, verifiquei que é muito mais provável que meu gosto pela Matemática tenha começado a se estabelecer aos 9 ou 10 anos. Nessa idade tinha muito mais interesse por calculadoras que as demais crianças de minha faixa etária. Eu me interessava por questões como: “Quantos segundos há em um ano?” Então, fazia algumas contas para chegar ao resultado (cerca de trinta e um milhões).

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Todos somos egoístas por natureza – o grande problema não é ser ou não ser, mas sim ser ou não ser patologicamente egoísta. A diferença entre o egoísmo patológico e o sadio é que o patológico quer ter sucesso às custas do fracasso dos demais, enquanto o sadio procura ter sucesso tomando parte no sucesso dos outros. Uma pessoa estará sendo patologicamente egoísta se se incomodar com o êxito de quem ela julga não merecê -lo; estará sendo saudavelmente egoísta se admirar o êxito de outrem, porque se sente engrandecida com o sucesso alheio, por estar tomando parte, emocionalmente, neste sucesso. Ninguém é saudavelmente egoísta o tempo todo, nem patologicamente egoísta por toda a vida. Normalmente nos sentimos bem com o sucesso das pessoas que gostamos, mas nos incomodamos com o de quem detestamos. Quem, por mais delirante que isto possa parecer, julga-se irremediavelmente superior a todos, tem a chance de mostrar sua superioridade ao distribuir seu conhecimento a quem lhe pedir. A sabedoria é uma das coisas que quanto mais distribuímos, mais passamos a ter. Um dos modos de dominar um assunto com excelência é ensinar esse assunto. O ato de expor um tema a outras pessoas é um fator importante para a fixação do conhecimento na mente do professor. Uma pessoa saudavelmente egoísta fica feliz em ensinar, porque isto confirma, emocionalmente, que ela sabe mais; uma pessoa patologicamente egoísta fica desconfortável quando ensina, porque ao repassar o conhecimento que possui, julga que seu aluno está mais próximo de saber tanto quanto o professor. O foco do egoísta patológico está no fracasso dos demais, sua intenção é destruir quem está acima e aumentar a vantagem que tem sobre quem está abaixo; o foco do egoísta saudável está no próprio êxito, sua intenção é ter mais sucesso hoje do que ontem, mais amanhã do que hoje. Para fazer isso sua estratégia consiste em cooperar para o êxito dos demais, partindo do pressuposto que toma ele próprio parte nesse êxito. Nutrir ódio, raiva ou antipatia pelas pessoas favorece o egoísmo patológico; já a ausência de ódio, de raiva e a simpatia pelos demais favorece o egoísmo saudável. Perdoar as pessoas e amá-las em espírito e em verdade é o que temos de fazer para não sermos pegos na armadilha do egoísmo patológico. Uma estratégia para fazer isso consiste em compreender as dificuldades alheias. De fato, se entendemos o porque de termos sido vítimas de maldades, passamos a perdoar nossos agressores. Se não há compreensão, dificilmente haverá perdão. É por isso que a traição de um amigo é muito mais difícil de perdoar que as agressões de um inimigo. A traição é uma surpresa desagradável, inesperada. Se temos um bom amigo a muitos anos, acabamos por justificar internamente nossa amizade. Passamos a responder subconscientemente a perguntas como: “porque somos amigos?”; “porque fulano é meu amigo?”; “porque eu sou amigo de fulano?”. Encontramos intimamente variadas respostas para essas questões, de modo a fortalecer nossa amizade. Quando ocorre uma traição não estamos preparados para ela. Não encontramos boas respostas para a pergunta “porque não somos mais amigos?”; “porque fulano me traiu?”, pois nossa fé na amizade nos levava a acreditar que esse tipo de coisa jamais aconteceria. Então, por não compreendermos a traição de nossos amigos, será muito mais difícil perdoá-los. Quando a agressão vem de um inimigo ela já é esperada e, portanto, muito fácil de a entendermos. Talvez por isso se diga que o ódio e o amor estão muito próximos. Se amamos alguém que nos decepciona, passamos a odiar essa pessoa, pois deixamos de ter prazer na amizade com ela; se perdoamos alguém que odiamos, deixamos de sofrer com o ódio que se foi e o sentimento de alívio pelo fim de um sofrimento nos torna aptos a sentir amor por aquela pessoa. O amor e o ódio são vizinhos muito próximos, mas totalmente antagônicos. O primeiro nos trás a vida e o segundo quer nos impor a morte. Se queremos ter sucesso será muito mais fácil obtê-lo pelo caminho do egoísmo Eric Campos Bastos Guedes 12 O Povo Cego e as Farsas do Poder

saudável do que pelo do egoísmo patológico. E se queremos ser saudavelmente egoístas o primeiro passo é perdoar nossos inimigos. Ora, para perdoarmos quem nos fez sofrer é necessário que compreendamos o porque do outro. Conhecer as motivações e dificuldades de nossos inimigos é um passo importante para conseguirmos perdoá -los. Então, pessoas mais sábias conseguem perdoar mais. Uma pessoa mais inteligente perdoa mais do que a menos inteligente; pessoas que conhecem mais sobre o mundo, sobre como funciona a sociedade realmente e, em particular, pessoas que conhecem mais sobre psicologia são mais eficientes em se tratando de perdoar as outras. Portanto, se queremos perdoar mais, um caminho é nos tornarmos mais sábios, seja pela aquisição de conhecimento, seja pelo aumento de nossa inteligência. O conhecimento precípuo a que devemos buscar para conseguirmos perdoar nossos inimigos é o da psicologia. Se somos bons psicólogos conseguimos entender melhor as dificuldades e motivações das pessoas que nos cercam, e essa compreensão poderá conduzir ao perdão. O segundo tipo de conhecimento que devemos buscar para alcançar o perdão é o que diz respeito à como as pessoas se relacionam entre si de modo organizado, em instituições e empresas. Conhecer a realidade, o mundo como ele é, nos leva a esse conhecimento. O estudo da filosofia pode ser um meio de se chegar a esse conhecimento. Um dos melhores meios de aprender filosofia é a pesquisa na Internet, pois ela é acessível à maioria da população, tem baixo custo e contém uma parcela imensa de todo o conhecimento de nossa civilização. Na Internet os canais que nos levam melhor a aquisição de saberes são a pesquisa de textos prontos no buscador Google e na Wikipédia; a pesquisa de vídeos – principalmente documentários – no YouTube e no Google Vídeo; a pesquisa do que eu chamo de verdade em estado bruto em comunidades do Orkut. A pesquisa no Orkut pode revelar muitas coisas que não estão claras nem nos textos prontos nem nos vídeos 3. É um tipo de pesquisa que tem sido subvalorizado, mas é um meio novo – e ainda muito mal compreendido – de chegarmos a um conhecimento de excelente qualidade com muito pouco esforço, pois acabamos nos divertindo ao adquirirmos e repassarmos informações em comunidades de sites de relacionamento. O que leva a pesquisa em comunidades de sites de relacionamento ser altamente proveitosa é o fato bem conhecido de que falamos muitas coisas nesses sites que não diríamos face a face ou pelo telefone. Acabamos sendo mais sinceros no Orkut do que no trabalho, na igreja ou no seio familiar. O maior problema de aprender pelo Orkut é separar quem está sendo sincero de quem está jogando, ou trabalhando em silêncio para sustentar falsas crenças, mitos que dificultam a vida das pessoas por serem amplamente aceitos, embora falsos. Me parece que muitas pessoas tem criado e sustentado grandes comunidades com a finalidade de fazer esse tipo de jogo, perpetuando, assim, mitos malsãos que sangram a humanidade. Mas mesmo que alcancemos grande sabedoria ela pode, ainda assim, não ser suficiente para conseguirmos perdoar nossos inimigos. O problema é mais ter o saber correto do que ter muito saber. Podemos ser muito inteligentes e termos muito conhecimento. Entretanto, nunca chegaremos a ser oniscientes, sempre nos faltará saber algo. E pode ser que o pequeno detalhe que nos falta saber seja crucial para conseguirmos perdoar um inimigo específico. Talvez por isso Deus seja amor: ele perdoa sempre pois conhecendo tudo, sabe também de nossas motivações e dificuldades.
3 A pesquisa em comunidades do Orkut relacionadas com os temas que queremos conhecer conduz, não raro, à elucidação de questões cujas respostas nos são negadas pelos veículos socialmente autorizados que deveriam responder a contento as mesmas questões – mas não o fazem. E não o fazem porque o papel de muitas instituições bem estabelecidas e bem conceituadas está fortemente ligado à manutenção da ignorância do povo. Isso é muito comum em medicina, por exemplo. O detentor do saber médico – e do diploma – costuma se valer da ignorância do paciente sobre o tema para receitar remédios desnecessários que talvez tornem seu paciente realmente doente. E uma vez estabelecida a patologia, o adoentado deverá retornar muitas outras vezes ao consultório de seu médico.

Eric Campos Bastos Guedes

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Se não obtivermos sucesso em conseguir perdoar um inimigo pela aquisição de conhecimento e aumento da inteligência, há, ainda, um outro bom meio de chegarmos ao perdão: nos sentindo bem. Se estamos nos sentindo bem, acabamos esquecendo a ira e o ódio contra nossos agressores e nos concentramos em continuar a nos sentir bem. O melhor meio que eu conheço para me sentir bem é criar um círculo virtuoso em torno de meu autodesenvolvimento. Se funciona para mim, pode funcionar para outras pessoas também. Criamos um círculo virtuoso quando nos empenhamos com alegria e motivação em alcançar êxitos que valorizamos. No meu caso costumo buscar êxito em atividades como estudar livros de matemática ou física e escrever livros que julgo serem importantes. Jogos também me deixam motivado, particularmente o xadrez. Outra atividade que me deixa animado é participar de uma certa lista de discussão de Matemática de alto nível onde existe o desafio de resolver interessantes problemas de matemática. É claro que essas atividades são coisas que me motivam, que me animam, mas são as minhas atividades motivadoras. Cada pessoa deve ter seu próprio grupo de atividades motivadoras. Elas podem ter cunho intelectual ou físico. Tenho um grande amigo que se tornou um excelente corredor. A corrida passou a ocupar um lugar importante em sua vida. Ele participa de maratonas, meias-maratonas e passa bastante tempo treinando. Sente-se muito bem ao constatar seus próprios progressos. A corrida o tornou alguém mais feliz, mais realizado. A prática do esporte costuma nos tornar pessoas melhores. O que quero frisar é que você deve procurar ter suas próprias atividades motivadoras. O que me faz sentir bem pode fazer você se sentir muito mal e vice-versa. Suas atividades motivadoras devem lhe dar prazer, ainda que esse prazer seja precedido por um esforço persistente em sentir-se motivado por elas. Uma regra geral é que a atividade motivadora deve ser lícita, honesta e estar dentro da lei, pois caso contrário levará o praticante à ruína decorrente da punição imposta pela sociedade. Outra regra é ter uma atividade por vez – de fato, fazer várias coisas ao mesmo tempo ou ter muitos objetivos diferentes e simultâneos é garantia de fracasso na tentativa de estabelecer ou manter atividades motivadoras. Se quiser fazer de sua atividade motivadora um hábito salutar, procure introduzi-lo aos poucos e jamais tente implementar muitos hábitos de uma só vez – é muito mais fácil (mas ainda assim difícil) criar um hábito por vez do que criar muitos hábitos de repente. Na verdade, julgo ser praticamente impossível para a maioria das pessoas criar dois ou três hábitos de uma só vez. Uma quarta regra útil para que você se sinta bem com uma atividade motivadora é procurar enxergar seus próprios progressos, valorizando cada pequena vitória. Já os insucessos devem ser psicologicamente minimizados: se você não alcançar a marca que deseja hoje, poderá se sentir melhor dizendo a si mesmo que alcançar a tal marca amanhã será uma vitória ainda maior, pois o esforço tempera o banquete dos vencedores. Procure enaltecer para si mesmo cada pequeno progresso que você fizer 4; analogamente, procure minimizar toda queda ou fracasso que lhe ocorrer. Você pode fazer isso procurando enxergar o que ganhou de bom com aquela queda ou fracasso. Por exemplo, um sofrimento pode nos tornar pessoas mais experientes, mais vividas e mais fortes. Diante de uma traição, podemos dizer a nós mesmos que o erro quem cometeu foi o
4 Cada pequeno sucesso deve ser fator interno de motivação e conforto. Falar à outros sobre seu progresso o levará, muito provavelmente, à decepção de não ser devidamente reconhecido. Você não deve depender da boa vontade de outras pessoas em motivá-lo. É possível, inclusive, que todas as pessoas que você conhece intencionem desestimula-lo, declaradamente ou não. Quando você fala sobre um seu objetivo ou sobre um seu sucesso para alguém, poderá receber palavras de incentivo que não corresponderão à uma intenção verdadeira em motivá-lo, mas devem-se tão somente essas palavras à educação. A motivação emocional e psicológica não deve vir de palavras ou atitudes de pessoas próximas. Você mesmo deve se motivar.

Eric Campos Bastos Guedes

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traidor, logo, quem deveria estar preocupado é quem errou, não nós. E se quem errou não se preocupa, podemos dizer a nós mesmos que pessoas assim costumam fazer muitos inimigos e isso pode ser, literalmente, fatal. A quinta regra para estabelecer uma atividade motivadora é que você não deve falar de seu objetivo com outras pessoas. Por exemplo, se meu objetivo é me tornar um excelente corredor, eu não devo falar isso a ninguém, mas somente para mim mesmo. Quando falamos de nossos objetivos para outras pessoas perdemos o sentido do desafio e a motivação esfria. É muito mais valioso o trabalho silente em nossos próprios objetivos que a exibição ruidosa de um esforço que pode vir a dar em nada. Se falamos de uma de nossas metas para outrem, podemos deixar de buscá-la por nós mesmos, isto é, por amor, e passarmos a nos ver obrigados a trabalhar na meta para mostrar que não estávamos mentindo, que levamos realmente a sério nosso objetivo e coisas assim. Nosso objetivo deixa de ser nosso e passa a focar o outro; deixa de ser algo de nosso íntimo e se torna algo para ser visto pelo outro. E como é chato buscar um objetivo que não é nosso! *** Meu primeiro computador e a aprendizagem do xadrez Ganhei meu primeiro computador aos 9 ou 10 anos de idade. Era um TK82C, da Microdigital. Com ele aprendi os rudimentos de programação de computadores na linguagem Basic, muito popular na época. Tornei-me um programador de computadores competente para minha pouca idade. Estava sempre criando e executando programas que me permitissem investigar o mundo dos números. Também costumava jogar xadrez contra o computador – eu era péssimo, nunca venci uma só partida de meu modesto TK82C. Apesar de ser um mal jogador, gostava de jogar e ensinar xadrez a quem quer que fosse. O prazer de ensinar e aprender sempre me acompanhou. No início, ensinei xadrez a mim mesmo. Eu devia ter entre 9 e 10 anos quando aprendi a jogar. Mas ninguém me ensinou, eu aprendi pelas regras que estavam no Supermanual do Escoteiro Mirim, uma publicação que se valia dos personagens da Disney para passar conhecimentos úteis. Mas acabei cometendo um erro ao interpretar mal as regras do Supermanual: no início eu achava que as peças do xadrez tinham que passar por cima das do oponente para capturá-las, como no jogo de damas. Esse equívoco durou uns três anos. Ensinei errado para um amigo, mas alguém que sabia mais nos alertou de que estávamos jogando errado, então nós dois passamos a jogar da maneira correta. Isso ocorreu no Colégio Salesiano Santa Rosa, quando eu cursava a quinta série do antigo primeiro grau – o equivalente ao hoje chamado Ensino Fundamental. *** Sobre a inteligência e a importância de sua busca O interesse pelo xadrez partiu de mim mesmo, ninguém em minha família jogava. Buscar atividades inteligentes é atitude que favorece o aumento da inteligência e essa busca está muito mais relacionada com uma pré-disposição da personalidade e do caráter do que com uma uma arquitetura cerebral diferenciada. A inteligência está mais relacionada com nossos anseios e motivações do que com uma genética privilegiada. Esse tipo de ideia nos liberta da noção de que nosso quociente de inteligência – o popular QI – não depende Eric Campos Bastos Guedes 15 O Povo Cego e as Farsas do Poder

do que fazemos. Se acreditamos que não podemos fazer nada para aumentar nossa inteligência, nada faremos com este objetivo – e essa atitude acaba por nos tolher a própria inteligência. Se, por outro lado, acreditamos que podemos aumentar nosso QI, passamos a buscar atividades que nos levem a ter esse aumento. E nosso QI acaba subindo mesmo. Esse raciocínio vai ao encontro de uma máxima devida a Henry Ford que diz o seguinte: “Se você acredita que pode ou acredita que não pode, de qualquer forma você está certo”. Nossas crenças nos dizem o que somos ou não capazes de fazer. Se acreditamos que podemos resolver um problema difícil, nós nos debruçamos sobre ele até o resolver ou até fazer progressos importantes na busca da solução do tal problema. Mesmo que não tenhamos pleno êxito, nossa dedicação é premiada com um incremento de nosso saber técnico e com um aumento de nossa capacidade de resolver problemas. Claramente, a inteligência está intimamente relacionada com a capacidade de resolver problemas. Então, uma crença útil é a de que podemos, com esforço e tempo suficientes, resolver qualquer problema que queiramos. A grande questão é saber quanto tempo e esforço estamos dispostos a empregar na solução de cada problema ou na conquista de cada objetivo. Há uma sábia máxima que aconselha: “Saiba escolher suas batalhas”. Entre todos as metas que queremos atingir, quais nos darão mais felicidade? Quais serão mais rapidamente alcançadas? Em quais delas acreditamos mais? Que metas nos tornarão pessoas mais realizadas após serem cumpridas? Devido à nossa limitação referente à prazos, é fundamental saber escolher bem à que metas vamos nos dedicar de cada vez. *** A morte de meu avô Antônio Pereira Campos Segundo o que minha mãe me dissera, meu avô passaria por uma intervenção cirúrgica muito delicada e da qual pouquíssimas pessoas sobreviviam. Eu fiquei chateado com a notícia e esperava por sua morte. Quando ele voltou para casa fiquei impressionado. Estava aparentemente bem. Tão bem como sempre esteve. Acabei por atribuir a sobrevivência de meu avô Antônio a uma genética privilegiada. E fiquei satisfeito por ser seu neto. As coisas não estavam tão bem, entretanto. Antônio – ou seu caxeta para os antigos conhecidos – estava tomando uns remédios. Me disseram que ele estava sofrendo de depressão ou se tratando de uma aterosclerose. Talvez os remédios que ele tomava fossem antidepressivos, mas isso eu estou conjecturando. Naquela semana ele fizera para mim um alteres com um cabo de vassoura e dois pesos de chumbo que ele mesmo fabricou derretendo uns canos velhos do mesmo material. Parece que ele queria que eu praticasse musculação em casa com aquele halter, mas não me interessei muito por isso não. E num dia de sol, pela manhã, meu avô pegou uma escada, uma corda e se enforcou. Estávamos somente eu e ele em casa. Antes de sair para o colégio fui me despedir dele e o encontrei deitado no chão de seu quarto. Supus – erroneamente – que estivesse dormindo. Tentei acordá-lo de todos os modos, sem sucesso. Fiquei intrigado: como ele poderia ter um sono tão profundo? Achei que ele estava fingindo que não acordava. Então peguei meu material e fui para o colégio. Naquela época, eu e meu irmão Winter Bastos Guedes Júnior estudávamos no Curso São Francisco de Assis, uma escola tradicional de Icaraí que tinha o melhor ensino fundamental de Niterói. Só ia até a quarta série primária, entretanto. Depois disso éramos encaminhados para outras escolas. Naquele tempo eu fazia a quarta série e meu irmão devia estar na primeira ou segunda série do primário. Nós estudávamos à tarde. Naquele Eric Campos Bastos Guedes 16 O Povo Cego e as Farsas do Poder

dia, ao terminar a aula, pediram-nos que não voltássemos direto para casa, mas que esperássemos um pouco até sermos liberados. Ao retornar do colégio vi minha avó chorando – coisa que nunca havia presenciado antes. Me disseram que meu avô Antônio Caxeta havia morrido. Mas não me disseram que ele tinha se matado, nem que ele já estava morto quando saí de casa. Simplesmente não liguei os fatos. Disseram-me que ele falecera vítima de um aneurisma ou de uma trombose. Em se tratando de crianças, é natural esconder tal fato. Acho, porém, que foi um desrespeito à minha dignidade de neto não me revelarem a verdade depois de eu adulto. Esse é um hábito que minha mãe, tia e irmão cultivaram por toda a vida: ocultar a verdade como forma de agredir emocionalmente o familiar “eleito” para ser o saco de pancadas emocional da família. Nesse caso, ao descobrimos a verdade por nós mesmos nos sentimos traídos e desprestigiados por nossos familiares. Aí vem aquela conversa fiada de “não contei para você para que você não ficasse nervoso”; “não contei para te poupar da dor” e coisas deste gênero. E eles se fazem parecer bons praticando o que é mal. *** A morte de meu pai Winter Bastos Guedes Meu pai morreu de modo intrigante. Muito mais intrigante do que eu poderia supor em minha ingênua infância. Certo dia, quando cursava a 5ª série do ensino fundamental no Colégio Salesiano Santa Rosa, cheguei em casa após uma surra que levei de uns valentões da escola. Eles me surraram por eu ter feito chacota do cara que eles bateram primeiro. Eu não sabia que seria o segundo da lista. Não vou dizer que foi uma surra merecida, mas ao menos aprendi a não zombar de quem apanha. Eram cerca de cinco e meia da tarde quando cheguei em casa. Lembro que ainda não havia escurecido e que os valentões pisaram no livro de matemática adotado pela escola. Eu estava bastante chateado com o que ocorrera. Bati na porta da sala, como fazia todos os dias para entrar. Nada. Bati novamente. Silêncio. De repente a porta é aberta num rompante e meu pai passa carregado numa maca, aparentemente desacordado, sendo levado por dois enfermeiros. Ao entrar em casa sou informado de que ele sofrera um mal estar. Tudo bem. Ele não parecia estar tão mal na maca. Não deveria ser nada grave, ele seria medicado e voltaria logo para a casa. Ao ver a grande quantidade de sangue sendo lavada a baldes d’água mudei de opinião. Fiquei apavorado. Minha mãe disse que fôssemos rezar para que ele ficasse bom e não morresse. Foi a primeira coisa realmente importante que pedi a Deus e sem dúvida a oração mais fervorosa que já fiz. Uma semana depois recebo a notícia de que ele havia morrido no hospital. Minha mãe me disse que ele havia tido uma tontura quando estava no alto de uma escada. Caiu e bateu com a cabeça num murinho, sofrendo traumatismo craniano. A tontura teria sido causada por um infarto repentino. Provavelmente uma farsa, como descobri mais tarde, já adulto. De fato, num primeiro momento, ao ver meu pai passando por mim numa maca, não me alarmei: ele estava bem, não havia sangue na roupa dele. O absurdo era evidente: não havia sangue na roupa de meu pai, mas a escada que dava acesso ao segundo andar da casa era um rio vermelho. Ao comentar isso com minha mãe, anos mais tarde, ela disse: “Eles trocaram a camisa dele antes de levá-lo, para não assustar seu irmão Winter”. Com essa emenda a fraude tornou-se patente. E segue o demônio aplaudindo as mentiras de minha família. Cheguei à conclusão – verdadeira ou falsa, ela é mais plausível do que a que me Eric Campos Bastos Guedes 17 O Povo Cego e as Farsas do Poder

contaram – de que meu pai havia sido morto pela ditadura. O ano era 1983 e vivíamos ainda sob o jugo explícito da tirania militar que, embora mais branda do que nas duas décadas anteriores, ainda podia fazer o que bem entendesse com a população. A farsa toda seria para encobrir um crime horrendo, que de outro modo teria se tornado um escândalo, visto ser meu pai um ex-militar honesto ao extremo, pessoa instruída e culta ocupando posição de destaque no Ministério da Fazenda (ele trabalhava lá como farmacêutico-bioquímico). Minha mãe deveria saber de tudo, claro. Mas teria mantido o silêncio, mesmo após o fim da ditadura militar. Tudo isso faz sentido, mas ainda assim são conjecturas que não pude comprovar. Um ano após a morte de meu pai, minha mãe estava com outro companheiro. Um chupim bebum, ignorante e boa vida. Apesar de sentir grande antipatia por ele naquela época, hoje eu o aceito plenamente. Depois de uns 10 ou 12 anos, passei a enxergar meu padrasto como alguém humano e amigável. Ele não tinha obrigação ou culpa nenhuma por não atender aos requisitos que eu imaginava serem necessários a qualquer candidato a marido de minha mãe. Morto o chefe, a família desintegrava-se rapidamente. Minha mãe não me dava mais atenção – eu tinha 13 anos – deixando minha criação a cargo de minha avó Dermontina da Silva Campos e de minha tia Vera Lúcia de Campos. Vanda simplesmente foi morar em outro lugar com Lourenço – este é o nome de meu padrasto – e com meu irmão Winter. Não era um lugar distante, mas eu me sentia negligenciado, posto de lado como um objeto que perdera a serventia. Naquele momento de minha vida, eu passava pelas transformações próprias da puberdade que se iniciava. Apesar disso, não havia sequer tido a primeira ejaculação e sabia muito pouco sobre sexo. Só descobriria a masturbação no ano seguinte, em 1985. Uns poucos anos antes, eu pensava que os bebês nasciam após a grande emoção da esposa com seu casamento. Só entendi de onde vinham os bebês após assistir uma reportagem sobre isso no Fantástico – o show da vida, programa domingueiro tradicional da Rede Globo já naquela época. *** Beijar uma garota Eu queria beijar uma garota. O nome dela era Gisele. Uma menina branca e loura, filha de uma amiga matemática de minha mãe que morava nas proximidades. Não tinha a menor ideia de como beijá-la e não fui feliz na execução de um plano que sequer existia. Foi meu primeiro “fora”. Refugiei-me nos livros, onde encontrei bom material para aprender sobre coisas que julgava importantes. Na sexta série já havia aprendido a resolver equações do segundo grau – que eram estudadas na oitava série – e um pouco de álgebra no livro “Álgebra I” de Augusto César Morgado e Eduardo Wagner. Nessa época frequentei um psicólogo chamado Eduardo Nicolau que mais tarde viria a me ajudar muito, me indicando um excelente curso de matemática: o método Kumon. Os livros não me impediram de me sentir em desvantagem perante meus colegas, que já conheciam as meninas na intimidade. Eu, por outro lado, sequer sabia como era o corpo nu de uma mulher. Até então, nunca havia visto uma mulher nua, nem ao vivo nem em fotos 5. Por estranho que
5 Naquele tempo as revistas eróticas vinham embaladas num plastico preto que tapava os corpos nus das modelos, deixando à mostra somente os títulos das revistas. Também não existiam nos jornais as figuras picantes de mulheres seminuas, como há hoje em dia. A exibição de filmes ou programas com mulheres nuas ou em poses e trajes provocantes era muito mais rara que nos tempos atuais. A exibição das mulheres mais sensuais e menos vestidas ocorria em programas como O Cassino do Chacrinha e O Clube do Bolinha, mas nada comparado ao que há hoje.

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possa parecer, isso fez de mim um péssimo aluno e estudante, apesar de estudar mais que os outros e ter uma inteligência um pouco maior (tenho um QI de 121). Já na quinta série, pouco depois da morte de meu pai, comecei a faltar às aulas. Perdi provas, inclusive de matemática. Fui fazer a 2ª chamada temendo uma possível reprovação, pois havia estudado muito pouco a matéria. Ao fazer a prova, entretanto, achei tudo muito fácil. Foi uma surpresa agradável. A prova era sobre dízimas periódicas e constatei que com um mínimo de conhecimento e o uso do mero bom senso, eu podia resolvê-la toda. Passei de ano. Naquela época eu nutria uma paixão por Quênia Balbi, uma estudante de minha classe cuja beleza me fascinava. A professora pedia às vezes para que eu fosse pegar as carteirinhas dos estudantes no final da aula para devolvê-las com o carimbo de presença. Quando estava a sós com a carteirinha de estudante de Quênia eu a beijava loucamente – a carteirinha. Queria tocá-la. Imaginava que ela torceria o pé na saída do colégio e, então, eu a levaria nos braços até minha casa para ser tratada. Minha imaginação ia muito mais longe: via as paredes do Colégio Salesiano Santa Rosa cobertas por bumbuns femininos separados dos corpos. Eu imaginava tocá-los e acariciá-los. Não me julgando capaz de realizar meu intento com meninas de verdade, quis tocar estátuas, dessas que costumamos ver nos museus, despidas com as nádegas a mostra. Cheguei a fazer isso quando visitei um museu na cidade do Rio de Janeiro. Eu estava obcecado. O que quero dizer com tudo isso é que meninos de onze anos já se preocupam muito com garotas. E se eles não tiverem quem os oriente no sentido de uma vida sexual e afetiva salutar, terão muitos problemas que, aparentemente, não estariam relacionados à sexo ou vida afetiva: queda brusca do rendimento escolar, faltas, fuga da realidade e coisas assim. Só fui beijar uma “garota” aos dezoito anos e depois disso meu aproveitamento escolar e meu rendimento intelectual sofreram um boom. Para deslanchar completamente ficou faltando me livrar das drogas psiquiátricas, o que só começou a acontecer em 2006, quando eu tinha 35 anos. *** Problemas na quinta e na sexta série Na 6ª série saí do Curso Salesiano Santa Rosa, onde haviam me matriculado. Eu faltava quase todos os dias e cobrava de mim mesmo um desempenho acadêmico superior, como o que eu sempre havia tido até a quarta série, antes da morte de meu pai. As faltas não se deviam a “vagabundagem” ou coisas assim, pois eu não saía para vadiar, namorar, caminhar ou me divertir de algum modo. Eu só queria evitar a dor moral. Simplesmente passei a sofrer muito na escola. Era um suplício assistir as aulas, eu não conseguia prestar atenção ao que os professores diziam, ainda que me esforçasse para isto, e minhas notas medíocres me faziam sentir mal. Se pelo menos eu fosse namorador, poderia curtir mais a escola, ela teria alguma graça no recreio, pelo menos. Mas eu era virgem e não tinha nenhum contato íntimo com garotas. Achava que a matéria havia ficado muito mais complicada e muito maior e que por isso já não bastava simplesmente prestar atenção às aulas para aprender as disciplinas. Até certo ponto isso até ocorria, e eu tentei passar a estudar mais em casa para voltar a ter boas notas e me sentir melhor por isso. Mas a verdade é que eu estava sendo insidiosamente envenenado por drogas de uso psiquiátrico – e elas diminuem o rendimento escolar, como bem se sabe. Minha mãe e eu não sabíamos como lidar com a situação. Eu ainda tinha a desculpa de ser uma criança, mas o que dizer de minha mãe? As vezes penso que ela Eric Campos Bastos Guedes 19 O Povo Cego e as Farsas do Poder

sabia, sim, como resolver a maior parte de meus problemas, mas preferiu me abrir a porta larga do caminho largo que leva ao inferno. Era muito mais fácil para ela me por em clínicas, psicólogos e psiquiatras do que reconhecer que as “medicações” estavam destruindo minha vida e que o que eu precisava de verdade era de uma “boa massagem”, como diria dezesseis anos depois uma garota de programa chamada Sílvia. Essa atitude conservadora e socialmente irrepreensível de minha mãe não permitiu a ela ajudar o filho que de doze anos que se encontrava em dificuldades. Vanda passou a me levar numa clínica que se propunha a trabalhar com “radiestesia” ou algo do tipo. Era a clínica de um tal de frei Albino Ariesi. Situava -se na cidade do Rio de Janeiro e eu passei a frequentar uma psicóloga lá chamada Drª Petrônia. Ela só sabia me responsabilizar por tudo de ruim que acontecia comigo. Essa psicóloga dizia em tom acusatório “Isto é Fuga!” e “Você se condicionou a isto”. Era péssimo. Além de não resolver os problemas, eu saía de lá com o ego destroçado. Eu queria ser como Einstein e Petrônia sabia disto; entretanto eu mesmo não o sabia plenamente. Ela tentou me dissuadir de ideias dessa natureza dizendo que o trabalho de Einstein tinha centenas de páginas e era coisa muito difícil. Talvez ela quisesse me fazer concluir que a matemática e a ciência eram coisas tão difíceis que seria melhor nem pensar nisso. Graças a Deus aquele demônio de saias estava errado. Inclusive, talvez por ela ter reprovado de modo tão veemente meu desejo de ser um novo Einstein, essa a ideia tenha ganhado força em meus pensamentos. Ora, por ela reprovar tanto meu desejo de me tornar um cientista, entendi que Petrônia achava esse meu desejo perfeitamente realizável. Entendi também que a possibilidade de realização de tal desejo enfurecia o demônio de sais. Só pra contrariar, considerei muito boa a ideia de vir a ser um cientista. Consegui terminar minha quinta série no Colégio Salesiano Santa Rosa com dificuldades. O fracasso de meu tratamento com Drª Petrônia fez com que minha mãe procurasse outro profissional. Acabei chegando ao consultório do psicólogo Eduardo Nicolau. Ele trabalhava com uma psiquiatra que receitava remédios para ele. Naquele período, pelo que me lembro, eu estava tomando um antidepressivo chamado Tofranil e, talvez, um outro remédio de que não me lembro. Tomei meus “remédios” durante mais de vinte anos, sempre seguindo a prescrição médica com rigor. Até descobrir a farsa da psiquiatria, utilizada para anular indivíduos considerados uma “ameaça” aos planos da cúpula de poder que domina o mundo. Na sexta série iniciei no Salesiano meus estudos. Só que não consegui cursar. Pedimos transferência para uma outra escola: o Centro Educacional de Niterói – o popular “Centrinho”. Lá, por algum motivo, tudo ficou muito melhor. Lembro que foi lá que retomei meu interesse pela Matemática ao ter tirado uma ótima nota na prova. Eu apreciava o professor dessa matéria e ele também gostava de mim. Iniciei estudos por minha própria conta. Eles se baseavam muito mais em imaginação do que em matéria propriamente. Eu tive muitas ideias que gostava de desenvolver. Foi também nesse tempo que comecei a escrever meus primeiros poemas. Eu tinha uns treze anos quando escrevi meu primeiro poema. Não era um bom poema, mas eu gostava dele. Apareceram outros que também não eram bons, mas eu também gostava deles. Fui insistindo e não me abati com as críticas negativas que recebia uma hora ou outra. Hoje, graças a Deus, consigo escrever poemas de boa e de ótima qualidade. A persistência favorece o sucesso. Antes de terminar o ano letivo, entrei em pânico. A exposição de trabalhos de alunos – uma espécie de feira de ciências – estava se aproximando e eu não consegui me convencer de que meu trabalho era bom o suficiente para eles. Meu trabalho era bom para mim mesmo, mas eu achava que ele não seria apreciado nem pelos meus amigos, nem pelo professor de matemática. Parei de ir às aulas e faltei quase o bimestre final Eric Campos Bastos Guedes 20 O Povo Cego e as Farsas do Poder

todo. Mesmo sem ter feito as provas finais os professores do Centrinho acharam por bem me passar de ano devido ao meu ótimo desempenho nos outros bimestres. Essa atitude dos professores do Centrinho salvou minha alma. Fui para a sétima série. *** A descoberta da masturbação O psicólogo Eduardo Nicolau me ensinara, através de desenhos, o que era a masturbação na teoria. Achei aquilo muito esquisito e totalmente sem propósito. Afinal, que benefício poderia haver em tal conduta? Eu não fazia ideia. Por vontade própria decidira que teria meu primeiro gozo com minha esposa, depois que casasse. Eu queria casar virgem. Descobri em 1985, nos meus 13 ou 14 anos, o que era a masturbação na prática. Naquele período eu não estava frequentando a escola e minha mãe já havia se amigado com meu padrasto Alcemir Lourenço de Souza. Numa noite eu estava deitado sozinho em meu quarto com o membro ereto, tentando dormir. Queria que meu membro ficasse “normal”, pois me sentia um pouco desconfortável com ele duro naquela posição. Como ele insistia em permanecer rijo, tentei colocá-lo na posição que considerava mais normal. Então, tentando por meu pênis numa posição que julgava mais adequada, gozei – não tinha essa intenção, entretanto. Foi algo absolutamente natural. Nunca havia sentido aquilo antes, foi ótimo. No início achava que o esperma saía da barriga, pois ela ficava sempre molhada. Não queria saber o que estava acontecendo, ou como acontecia, só sabia que me sentia muito bem com aquilo. Após alguns meses resolvi comprar revistas eróticas. Passei a ver como as pessoas faziam sexo. Eu também queria fazer, mas não conseguia me relacionar sexualmente com ninguém. Neste aspecto fiz a mim próprio. Ninguém me ajudou. Minha primeira revista erótica tinha pornografia pesada, era uma antiga Sex Appeal em preto e branco. Tinha fotos de mulheres com homens, de homens com homens e de mulheres com mulheres, mas eu me concentrei somente nas fotos heterossexuais, que eram as primeiras. O resto eu nem olhava. O “cinco contra um” foi uma grande descoberta para mim, mas eu ainda queria muito me relacionar com garotas. Isso só foi acontecer em 1989, quando eu fiz 18 anos e meu então psiquiatra, Eugênio Lamy Filho, entendeu que com a maioridade não havia nenhum risco para ele se me orientasse a buscar os serviços de uma prostituta. Mas vamos deixar este assunto para depois. *** Sétima série no Colégio Figueiredo Costa Depois de ser aprovado na sexta série no Centrinho, tentei fazer lá mesmo minha sétima série. Mas foi estranho. Meus antigos amigos do ano passado estavam mudados. Quietos, calados e um tanto reservados demais. Eu não me sentia mais bem lá. Decidi mudar de colégio. Foi quando surgiu a chance de estudar com meu melhor amigo no Colégio Figueiredo Costa, então um dos grandes colégios tradicionais de Niterói. O nome desse meu melhor amigo é Raphael Oliveira de Rezende – o corredor que mencionei antes – e somos amigos até hoje por conta dos grandes perigos que nos irmanaram em nossas aventuras. Mas falemos disso mais adiante. Eric Campos Bastos Guedes 21 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Eu e Rapha não ficamos na mesma classe. Fiquei na classe dos que sabiam menos e Rapha estava na classe dos que sabiam mais. Foi bom que fosse assim, pois me destaquei sobremaneira junto aos que estudavam menos. E foi isso que me motivou a estudar bastante e tentar conseguir só notas finais 10 nas disciplinas de matemática e geometria. O Colégio Figueiredo Costa foi ótimo para mim por esse lado. Mas eu estava ficando mais velho e ainda não havia me relacionado com garotas. Esse problema era muito pior do que parecia, pois, no final do ano comecei a me tornar um estudante agressivo com os demais. De compasso em punho, ameacei um folgado que zombara de mim e, graças a Deus ficou nisso. Noutra ocasião um sujeito que fazia o segundo grau lá implicou comigo e eu me vinguei na hora: tinha uma trave grande, de metal, usada na quadra próxima ao pé do implicante e eu levantei essa trave um pouco e a soltei em cima do pé dele. Ele ficou pulando num pé só e olhando assustado para mim. Eu mesmo me assustei com o que havia acabado de fazer, e pedi desculpas imediatamente, de modo ruidoso e suplicante, denotando algum desespero. Ninguém conversou comigo para explicar que o que eu passei a fazer estava errado e passei a adotar, ocasionalmente, uma conduta violenta. Isto quase destruiu minha vida. Acredito que se estivesse me relacionando com meninas, dificilmente teria recorrido a esse tipo de comportamento para me fazer respeitar. Apesar de ainda não ter me relacionado sexualmente com ninguém, tinha uma menina de quem eu gostava. Eu cheguei para ela e falei o que aconteceu: disse que havia sonhado com ela e ela me disse que eu estava mentindo, que aquilo não tinha acontecido. Eu tinha sonhado com ela realmente. Estávamos nus numa cama e nos batíamos com travesseiros de penas que esvoaçavam pelo ar. Acho que quem viu esta cena num anúncio televisivo da época talvez se lembre. Era assim mesmo, que nem o anúncio. No meu sonho eu e ela éramos os amantes que apareciam no comercial. O nome da garota era Andréa e o ano era 1986. Andréa era filha de um professor de matemática e fazia a sexta série no Figueiredo Costa. Ela tinha umas amigas gozadoras, de pele escura. Eu ajudei Andréa e suas amigas a apresentarem um trabalho na feira de ciências. Foi uma época muito boa, tirando a parte da violência. Raphael deixou um pouco de lado a amizade que tinha comigo e passou a preferir a companhia de um aluno chamado Erick Varjão, que estudava na classe dele. Varjão sabia se defender na base da conversa, sem violência. Sabia se fazer respeitar pela palavra e não pela força bruta. Se eu soubesse fazer isso naquela época, não teria feito tanta bobagem na vida. Acho que deveriam haver aulas nas escolas ensinando aos alunos como agir em certas situações, e sobre como não agir. Enquanto a educação escolar de crianças é obrigatória, não há nada que obrigue os pais a instruírem seus filhos sobre questões relativas à violência e à vida afetiva e sexual. *** Férias da sétima para a oitava série Foi nessa época que decidi entrar de cara na Matemática. Criei uma técnica diferente para obter números primos que dois ou três anos depois viria a ser publicada na Revista do Professor de Matemática (RPM) sob o título Uma Construção de primos, no número 15 dessa revista. Quem me ajudou muito foi a professora Renate Watanabe. Foi ela que encaminhou esse meu primeiro trabalho para apreciação do comitê editorial da RPM. Seu apoio e suas orientações, que recebi por carta, me foram muito valiosas. Naquele período de férias de fim de ano pedi a minha mãe para contratar um certo professor particular de Eric Campos Bastos Guedes 22 O Povo Cego e as Farsas do Poder

matemática para mim. Esse professor eu conhecera no próprio Figueiredo Costa. Ele lecionou geometria lá, substituindo o professor Odilon. Foi com Odilon que tomei conhecimento de demonstrações de teoremas em matemática. As duas primeiras demonstrações que conheci foram a da irracionalidade de  2 e a da soma dos ângulos internos do triângulo ser sempre 180°. Aproveitei as férias para aprender trigonometria, geometria e álgebra. Coisas que deveriam ser estudadas nos anos seguintes. Na verdade, naquelas férias eu passei a ter um domínio de toda a matemática da oitava série e a entender muitas coisas do ensino médio, então chamado de segundo grau. *** Sobre as aventuras: o barco Aventurar-se é correr riscos na descoberta de novas fronteiras. Algumas das aventuras de que participei com meus amigos foram inesquecíveis. Teve uma vez que eu, Rapha e meu irmão Winter Bastos construímos um barco com madeira coletada na rua, câmaras de ar e pranchas de isopor. Pusemos o barco na praia de São Francisco, tivemos que carregá-lo nós mesmos, a pé, até São Francisco. Foi bastante cansativo, mas tivemos sucesso. Nosso barco flutuou no mar e fomos remando até um lugar onde havia vários barquinhos ancorados. Subimos num deles e não tinha ninguém por perto para nos impedir. Mas não conseguimos entrar na cabine do barquinho, pois ela estava trancada. Entrou água no pacote de biscoitos que levamos para fazer um lanche e perdemos um martelo que levamos para repregar o barco caso ele ameaçasse se desmanchar, indo uma parte para cada lado. Winter acabou tendo uma insolação por pegar muito sol na moleira. Essa aventura foi no início de 1987, nas minhas férias da sétima para a oitava série do antigo primeiro grau. Uns meses depois fui morar em Araruama com minha mãe, meu irmão Winter, o enteado de minha mãe, chamado Alexssandro ou Sandro e meu padrasto Lourenço que naquela época chamávamos de Blau. *** Outra aventura: a grande cruz ao longe Numa tarde, eu, Sandro e Winter vimos uma espécie de cruz ao longe e resolvemos ir até aquela cruz para resolver o enigma e saber qual o significado dela. Mas era muito mais longe do que podíamos ir naquela tarde. Então resolvemos ir no dia seguinte, pela manhã. Não contamos nada para Blau nem para Vanda, pois eles iam “melar” nossos planos. No dia seguinte iniciamos uma jornada até a misteriosa cruz. Teve uma hora que tivemos que passar em frente a uma casinha que tinha um cão mal humorado tomando conta. Resolvemos que um cachorro, mesmo grande e oferecendo risco, não iria impedir nossa jornada. Então decidimos passar caminhando em frente à casinha, sem correr e nem olhar em direção ao cão. Ele rosnou ameaçadoramente, mas ficou nisso e nós conseguimos passar. Ao chegar na cruz misteriosa sondamos o lugar. Uma cruz grande sobre um canteiro circular, com círculos concêntricos que se sobrepunham, os menores sobre os maiores. Levantamos a hipótese daquele ser o túmulo de um cavalo muito bem quisto por seu proprietário que, após a morte do animal teria resolvido e homenageá-lo com a imensa cruz sobre o local de seu sepultamento. Voltamos para casa por outro caminho e descobrimos que a tal cruz era o que as pessoas chamam de cruzeiro, que é uma cruz numa parte visível da cidade que a consagra a Cristo. O cruzeiro mais famoso do mundo é o Cristo Redentor, localizado na cidade do Rio de Janeiro. Uma estátua com Eric Campos Bastos Guedes 23 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Jesus de braços abertos acaba tendo a forma de uma cruz mesmo. *** Mais uma aventura: o morro misterioso Nossa primeira aventura foi subir um morro em Niterói que tinha uma misteriosa construção no topo. Naquela época minha mãe, meu padrasto, meu irmão e Sandro moravam num apartamentozinho no oitavo andar de um prédio situado na rua Noronha Torrezão, bairro de Santa Rosa, Niterói. Eu, Winter e Rapha resolvemos ir até o topo do morro para saber do que se tratava aquela construção. Minha mãe, alarmada, fez uma funesta previsão: “vocês vão morrer!”, mas nos deixou partir. A empregada fizera alguns sanduíches com ovos para que levássemos em nossa pequena excursão sem guia. Acho que chamamos Sandro para ir conosco, mas parece que ele não quis ir. Iniciamos nossa aventura subindo uma ruazinha de um morro próximo, passamos na casa da madrinha de Winter, que se chamava Rosa. Ela era meio enricada e morava numa casa grande perto do morro. Nos avistou vindo ao longe e, não nos reconhecendo devido à distância, mandou que os cães nos atacassem. Ficamos paradinhos e eles ameaçavam nos morder, latindo ferozmente a uma pequena distância. Mas quando Rosa nos reconheceu, ordenou que os cães retornassem. Fizemos um lanche na casa da madrinha Rosa e prosseguimos a jornada. Teve uma ruazinha que subimos e na última casa precisávamos pedir passagem para prosseguir. Pedimos água ali e o dono da casa nos orientou: “não vão por tal caminho, porque tem uns marginais por lá. Sigam por este outro caminho”. Então prosseguimos. Tivemos que jogar os sanduíches fora, pois entrou terra na sacola em que os carregávamos. Após atravessar uma matagal queimado, chegamos até a construção. Ela parecia abandonada, mas ao examinar melhor, avistei um sujeito sem camisa e com uma arma de fogo num cinturão. Nos afastamos um pouco do sujeito e tentamos decidir o que faríamos. Fiquei com medo dele nos matar. Não era bem medo o que eu sentia, mas um receio que misturava prudência e animação. Ele podia ser um bandido ou algo assim. Era uma situação difícil. Enquanto conversávamos o sujeito nos achou. Ele era da polícia e nos disse que aquele era o posto de telecomunicações da polícia. Lavamos nossas mãos com um sabão de coco metido num prego. O policial perguntou se estávamos lá para pegar alguma pipa e dissemos que não. A vista era reveladora. De um lado estava São Francisco e um outro morro com uma outra construção. Do outro lado víamos o centro de Niterói, a ponte Rio-Niterói, e boa parte da Bahia de Guanabara. Era incrível. Voltamos por outro caminho e eu escorreguei e rasguei minha calça de moletom. Acabamos chegando no bairro de Fátima, próximo de Santa Rosa e voltamos a pé para casa. Essas aventuras marcaram muito minha infância e início de adolescência. *** A descoberta do Método Kumon Em 1983 havia iniciado um tratamento com o psicólogo Eduardo Nicolau. Ele soube de meu grande interesse por Matemática, mas na época em que me tratava achou que esse interesse me absorvia tanto que estava a dificultar meu amadurecimento e ingresso no mundo adulto e real. Era como se a energia e interesse que eu investia na Matemática me mantivessem longe de resolver questões mais mundanas, tais como arranjar uma namorada, me relacionar afetivamente, aprender sobre a vida etc. Eric Campos Bastos Guedes 24 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Em 1985 eu deixei de ser paciente de Eduardo Nicolau e passei a me tratar com Drº Eugênio Lamy desde 23 de agosto daquele ano. Entretanto, Eduardo Nicolau foi um psicólogo tão bom para mim que, mesmo eu não sendo mais seu paciente, me deu uma dica de ouro para dominar a matemática. No final de 1986 ou início de 1987, ele me chamou em seu consultório e me instruiu a procurar um amigo seu, chamado Faraday Smith Correa dos Reis. O professor Faraday estava a ministrar um curso chamado Método Kumon, que se propunha a fazer o estudante gostar de matemática através do alcance da excelência nessa disciplina pela realização de elevado número de exercícios de crescente complexidade. Gostei muito da ideia e procurei por Faraday para iniciar o curso. Foi ótimo tê-lo conhecido, pois era grande apreciador e conhecedor da Matemática, pessoa inteligente que buscava ajudar, pela via da instrução, quem mostrasse interesse e/ou talento pela Matemática. Foi particularmente importante ter conhecido professor Faraday naquela época, pois, num período crítico de minha vida, ele manifestou interesse e admiração verdadeira por meu talento criador em Matemática e isso me motivou bastante à prosseguir com o desenvolvimento de minhas ideias nessa área. Infelizmente, de início, minha frustração afetivo-sexual dificultou muito minha adesão de corpo e alma ao Método Kumon. Era difícil estudar matemática com tanto empenho pensando na loura da escola6. *** Oitava série no Colégio Itapuca Em 1987 eu cursava a 8ª série do ensino fundamental no colégio Itapuca, situado na rua Noronha Torrezão. Entretanto, já sabia mais matemática do que os estudantes do ensino médio. Não tendo interesse nas demais matérias e não vendo mais nenhuma graça nas aulas de matemática de minha classe, expliquei isso ao diretor Tomás e pedi permissão a ele para assistir também as aulas de matemática das classes do ensino médio. Tomás disse que eu poderia assistir as aulas do ensino médio depois que eu conseguisse a nota máxima em todas as matérias de minha própria classe. Descartei a ideia, pois não me interessava por outras disciplinas, somente por matemática e geometria. Ora, é fato bem conhecido o de que a inteligência é seletiva. Portanto, é muito natural que cada pessoa manifeste graus diferentes de interesse por assuntos diversos. Meu pedido de assistir as aulas de matemática das classes mais adiantadas fazia todo sentido, portanto. A conclusão que tiro é que a escola não se interessa pelo desenvolvimento pessoal, intelectual e social de seus alunos, mas sim pelo cumprimento de metas burocráticas. Tendo sido impedido de estudar o que queria, passei a me interessar por outras coisas. Eu queria muito ficar com uma menina chamada Marcela, uma loira descolada de cabelos curtos e corpo atraente. Na verdade eu queria levá-la para meu apartamento na Rua Comendador Queiroz, em Icaraí, onde morávamos eu, minha tia Vera Lúcia de Campos e minha avó Dermontina da Silva Campos. Queria fazer com ela tudo que vi os homens fazendo com as mulheres em minhas revistas de sexo explícito. Não tinha artifício para isso, entretanto. Se naquela época eu tivesse a cabeça que tenho hoje, poderia ter tido muitas namoradas e ficantes. Naquela época falava-se muito mais em namoro do que em ficar. O verbo “ficar” não era usado com o significado que tem hoje, de ficar beijando, acariciando e excitando descompromissadamente um parceiro ou parceira eventual. Eu propus a Marcela que ela fosse comigo para minha casa para nos relacionarmos sexualmente, mas ela não quis. Marcela se aproveitou da situação e
6 Nessa época eu cursava a oitava série do primeiro grau no Colégio Itapuca, em Santa Rosa. A loura referida no texto chamava-se Marcela e eu havia lhe proposto que fôssemos para meu apartamento fazer sexo.

Eric Campos Bastos Guedes

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passou a caçoar de mim, achando graça de minha proposta. Sua atitude autorizou os demais alunos a caçoarem de mim também, porque perceberam minha fraqueza. Passei a ser alvo de zombaria no Itapuca e isso me deixava p. da vida. A escola ficou insuportável e acabei reagindo a uma dessas provocações dando um murro na cara de um aluno. Ele, que antes era meu amigo, passou a me ignorar e quando o procurei ele disse que chamaria o irmão mais velho que era militar para me dar uma surra. Minha vida escolar ia de mal a pior, embora minhas notas estivessem acima da média. *** Três pontos a ponderar Quero destacar três coisas: primeiro, o mito de que o agressor quer ser agressor; segundo, o silêncio sobre os malefícios do atraso da iniciação sexual dos adolescentes; terceiro, o fato pouco estudado de que drogas psiquiátricas são legalizadas, porém ainda são drogas. Sobre o agressor querer ser agressor quero dizer que isso não corresponde sempre a verdade. Cada caso é um caso. Um verdadeiro agressor quer ser agressor e pode ser. Se uma agressão ocorre, uma das perguntas que se deve procurar responder é: “o agressor queria cometer a agressão ou ele perdeu o controle?”. Se o agressor perdeu o controle ele precisa de ajuda, mas se ele fez o que fez por um exercício do livre arbítrio, deverá ser punido. Responder a pergunta proposta nos orienta sobre como resolver o problema e evitar que futuras agressões ocorram. Se queremos resolver um problema, temos que entender o problema primeiro. O que tenho observado é a mídia eleger os vilões do momento, cada um deles teve a sua época: Josef Fritzl, como pedófilo, raptor e estuprador da própria filha; o casal Nardoni, pela morte de Isabela Nardoni; Suzane Von Richtofen pelo assassinato de seus pais; o maníaco do parque, pelo estupro e morte de muitas mulheres; Febrônio Índio do Brasil, pela morte e estupro de crianças. Examinando esses casos, podemos nos perguntar: “o que foi feito para evitar novas tragédias como essas?”. Não vale responder dizendo que houve um aumento da pena, por exemplo. Aumentar a pena para um crime fará o juiz relutar um pouco mais em condenar alguém por aquele crime. Na prática, talvez menos pessoas sejam condenadas. Além disso, se o mero aumento da pena resolvesse o problema ia ser muito fácil acabar com a criminalidade: bastaria punir todos os criminosos com pena máxima, digamos, uns 40 (quarenta) de reclusão. Será que o mundo passaria a ser um paraíso ou um inferno? Acho que viveríamos num inferno. Um indício forte que aponta nessa direção é o fato de as prisões da Islândia serem como hotéis de quatro estrelas: lá o condenado tem direito a duas horas por dia de Internet! Se uma punição branda favorecesse o crime, a Islândia seria um país com alto índice de criminalidade, o que não ocorre. Por outro lado, se uma punição mais severa fosse capaz de refrear o crime, o índice de criminalidade no Brasil deveria ser muito mais baixo que o da Islândia, o que também não acontece. Estamos olhando na direção errada se nos propusermos a combater o crime com o aumento das penas. Mas qual a solução para isso? Uma pista nos é dada se lembrarmos um pensamento devido a Pitágoras: “devemos educar as crianças para não ter que punir os homens”. Quero acrescentar que não é uma punição mais ou menos severa que irá resolver o problema da criminalidade. Para coibir o crime, as punições devem ser adequadas, mas não necessariamente severas. Para ilustrar o que digo lembro-me do caso do primo de um antigo amigo de meu irmão. O amigo atendia pela alcunha de Bob Cuspe. Ele nos contou que um primo seu – ou algum outro parente, não tenho certeza qual – fora preso por ter cometido um pequeno roubo ou algum delito de menor importância. Devido às ameaças, agressões e traumas que teve na prisão, saiu de lá tão Eric Campos Bastos Guedes 26 O Povo Cego e as Farsas do Poder

revoltado que pensava em fazer coisas muito piores. O que tenho observado é que a punição excessiva conduz a revolta do punido e à prática de crimes muito mais terríveis que os iniciais. A prisão de uma pessoa acaba sendo uma bola de neve em que cada vez que o preso é liberado por já ter cumprido a pena, ou por ter tido algum benefício, passa ele a cometer crimes muito piores. Algo análogo posso afirmar sobre internações em clínicas psiquiátricas. Em todos os casos que citei, de Fritzl, Nardoni etc, os agressores, provavelmente, queriam cometer os crimes. Não fizeram o que fizeram por terem, de algum modo, perdido o controle. O meu caso é diferente. Eu iniciei uma série de atos violentos por estar sob forte tensão e sem uma válvula de escape eficaz. Isso nos leva ao segundo tema que quero destacar: o atraso da iniciação sexual dos adolescentes. É esse atraso, muitas vezes, o responsável pelo comportamento violento de crianças e adolescentes intelectualmente promissores. É esse atraso que frustra o empenho de bons estudantes ao se sentirem na obrigação de tirar notas altas devido ao sentimento de inferioridade que tem em relação aos seus amigos e amigas que já se relacionam sexualmente. É como se notas excelentes compensassem um deficit na área afetivo-sexual. Em cada ambiente procuramos o respeito dos demais – principalmente os talentos mais promissores buscam esse respeito. A ironia é que os mais talentosos acabam negligenciando amiúde o sexo e o afeto por terem eles uma fonte muito mais interessante de prazer: sua inteligência e motivação. Porém, se essas crianças e adolescentes perdem o interesse em atividades intelectuais e se não conseguem ingressar a contento no mundo do sexo e do afeto, passam elas a correrem um risco muito grande cometerem suicídio, assassinatos, estupros, agressões violentas e coisas do gênero. O respeito que buscam pode não lhes ser dado, ainda que o mereçam. Isso deve acontecer bastante na transição da infância para a adolescência e na da adolescência para a vida adulta. Não por acaso é justamente nessas fases da vida que costumam surgir a maioria dos casos de esquizofrenia. Pode ser que essa esquizofrenia decorra da interrupção do prazer de ser inteligente e simultânea dificuldade em ingressar no mundo do sexo. A grande solução não está em pílulas, comprimidos, haloperidol ou carbamazepina, mas simplesmente numa orientação correta e bem intencionada da criança ou adolescente para fazê-los ingressar a contento no sexo! A solução pode ser simplesmente essa! E o porque de essa solução não estar sendo implementada é bem fácil de entender. O pai e, principalmente a mãe, não estão a vontade com a ideia do “bebezinho” deles ter uma vida sexualmente normal, sadia e ativa. O problema estaria muito mais na família do que na criança ou adolescente considerado problemático. A tal da criança-problema talvez seja apenas uma criança que precisa urgente de “uma boa massagem” – no segundo sentido da palavra, por favor! Sobre isso quero dizer que uma pu*a na cama é muito melhor que uma dama na sociedade. O terceiro tema está relacionado aos dois anteriores. A maioria das pessoas pensa que tranquilizantes realmente tornam as pessoas mais calmas. Extrapolando essa ideia, acham que muitas pessoas que são mentalmente enfermas precisam dos tranquilizantes para viverem em sociedade, caso contrário se tornariam agressivas e violentas. Nada disso é verdade. Se repararmos bem, as pessoas que tomam tranquilizantes – diazepam, haloperidol, carbamazepina, clonazepam, clozapina etc – tem mais propensão a serem justamente as desajustadas, as frustradas, as estranhas e as que ficam de fora dos círculos de amizade. Poder-se-ia argumentar que esse desajuste se deve à doença dessas pessoas e que o tranquilizante estaria tratando o desajuste. Esse argumento é uma distorção da verdade. O que vejo são pessoas adoecendo pelo uso de tranquilizantes. Tranquilizantes estes que, ao embotar a motivação do usuário e reduzir sua memória, atenção e capacidade de aprendizagem, sabotam o intelecto do “doente”, Eric Campos Bastos Guedes 27 O Povo Cego e as Farsas do Poder

privando-o do que, talvez, possa ser uma de suas maiores alegrias: o sucesso escolar e intelectual. Mais: ao reduzir a dose desses tranquilizantes ou suprimi-los, passamos por uma síndrome de abstinência. Esta última expressão costuma ser muito mais utilizada quando nos referimos a drogas ilegais e/ou ilícitas. Mas o fato de termos adquirido drogas numa farmácia, com receita médica e agindo dentro da lei não transforma essas drogas em algo diferente do que são: drogas! Nosso corpo não está nem aí para a legalidade das drogas que utilizamos: o dano cerebral ocorrerá com drogas legais ou ilegais, em menor ou maior grau. A redução ou supressão do uso de tranquilizantes costuma levar, como eu estava dizendo, a uma síndrome de abstinência. Quando ela ocorre, se não estivermos preparados, entraremos em crise e ao sairmos da crise pelo retorno ao uso das drogas dizemos a nós mesmos: “é... eu acho que preciso realmente tomar meus remédios”. Isso é tão errado como tratar o vício em crack ou cocaína com mais crack e mais cocaína. Simplesmente é o modo errado de enfrentar o problema. A relação do terceiro tema com os dois primeiros é que o uso de drogas, legais ou não, ao frustrar a criança ou adolescente pela redução de sua capacidade de aprendizagem, memória e atenção, favorece a agressão. Afinal, pessoas frustradas estão muito mais propensas a cometerem agressões do que as bem relacionadas. Além disso, a utilização de medicações psiquiátricas como o haloperidol e a clozapina tornam as pessoas muito mais envergonhadas e medrosas, o que pode ser fatal se o usuário ainda não iniciou sua vida sexual. De fato, o haloperidol, a clozapina e a risperidona são drogas tranquilizantes que nos tornam pessoas afetivamente menos interessantes e sexualmente deficitárias. Ora, levando o usuário uma vida de sucessivas frustrações de caráter afetivo, sexual e intelectual, as drogas psiquiátricas produzem uma legião de agressores, suicidas e incapazes. Não quero com isso justificar as graves agressões que cometi – falarei delas ainda mais – mas quero pelo menos explicá-las. Tentar justificar o mal é impossível, pois o mal não é justo; o que devemos, sim é entender o mal, exatamente para nos defendermos dele. Sun-Tzu nos diz em seu livro “A arte da guerra” que conhecer o inimigo nos garante metade da vitória sobre ele. E se estamos em guerra contra o mal, temos que saber de onde ele vem e como ele age. *** O porteiro gay do Colégio Itapuca Em 1987 um homossexual de nome Geraldo – funcionário do colégio Itapuca – se aproximou de mim. Ele me disse os maiores disparates. Disse que os tempos hoje são outros, mais liberais e que se eu decidisse sair na rua com o pinto duro para fora das calças, o melhor que ele poderia fazer seria ficar na minha frente para esconder meu órgão. Aquela conversa dele era um espetáculo grotesco que assisti estupefato, mas devido à novidade escutei o que ele dizia por algumas horas – veja bem: horas. Ele estava tão a fim de ficar comigo que me ofereceu o gabarito dos testes do colégio Itapuca. Recusei a ideia de cara. No fim, quando eu já estava para ir embora, me chamou para ir para sua casa transarmos. Eu não quis. Ele era um velho asqueroso e degenerado que só poderia dar tesão nem num Jegue tarado. Foi constrangedor, mas pelo menos aprendi um pouco sobre como são as pessoas. Naquela noite, em casa, fiquei profundamente angustiado. Enquanto Marcela – a loura descolada do Itapuca – me esnobava e dava bola para outros caras, eu era assediado por um gay. Abandonei o colégio Itapuca. *** Eric Campos Bastos Guedes 28 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Hábitos sexuais reprováveis No primeiro semestre de 1987 ocorreu um pequeno incidente que mudou a história de minha vida e isto quase me destruiu. Academicamente, perdi uns 15 anos de estudo na UFF. Nesse tempo eu poderia ter concluído a graduação, feito o mestrado e também o doutorado. Estava indo ao apartamento onde Raphael morava com sua mãe Márcia e sua irmã Raquel quando avistei, na mesma calçada, vindo em minha direção, uma menina-mulher que devia ter mais ou menos a minha idade mesmo. Foi perto do Colégio Salesiano Santa Rosa, ou na Rua Mário Viana, ou na Rua Santa Rosa, acho. Naquela época eu ainda não havia me relacionado sexualmente e estava cheio dos hormônios próprios da adolescência. Quando via uma mulher – ou mesmo quando não via – acabava a desejando muito, mas não tinha nenhum artifício para conseguir que mulher nenhuma transasse comigo. Na verdade, cada negativa que eu recebia ao propor sexo com mulheres me desgastava muito, razão pela qual eu fiz poucas propostas de sexo às pessoas. Quando aquela menina-mulher de shorts passou ao meu lado, minha mão escorregou furtivamente até suas nádegas e ela disse: “IIIIIIhhh, garoto!”. Meu ato não foi intencional – um lapso momentâneo em que fui guiado pela minha libido. Continuei meu caminho e percebi que ficara naquilo: não houve nenhum tipo de repreensão mais eficaz além do “IIIIIIhhh, garoto!”. Imaturo e cheio de “T”, passei a fazer tal coisa de modo rotineiro. Eu sabia que era perigoso e queria parar, mas se tornou um vício. Eu realmente tentei parar algumas vezes, mas sem êxito. Quando avistava um menina bonita a mostrar o contorno da bunda em shortinhos ou calças jeans apertadas, logo me lembrava desse mal hábito e ficava tentado à sair pela rua para tocar alguma mulher. Sei que para a maioria das pessoas é difícil entender que isso era um vício: mal hábito que temos e que é difícil pararmos por nós mesmos. O que quero dizer é que é muito mais fácil aconselhar alguém a deixar um vício do que nós mesmos deixarmos os nossos. O alcoolismo, o cigarro e os tóxicos são vícios que só quem os tem saberá realmente o quanto é difícil parar. Mais que isso: certas pessoas são muito mais propensas a desenvolver vícios que outras. É muito fácil dizermos a um alcoólatra para parar de beber porque não estamos no corpo dele para saber o peso e a força de seu vício. Em se tratando de hábitos sexuais, também se pode desenvolver vícios e foi isso que aconteceu comigo. *** Mais agressões e a Marcela do Gay-Lussac Fui estudar no Colégio Gay-Lussac, no centro de Niterói. Lá conheci outra garota que, como a anterior, chamava-se Marcela. Mas era uma Marcela muito diferente. Branca, cabelos curtos e negros, inteligente, estudiosa. Ela me encantava com o que dizia e com o interesse que manifestava por ideias, conceitos e teorias. Eu gostava muito dela e Marcela estava sempre conversando comigo sobre os livros que lia e coisas assim. Era muito bom vê-la falar com tanto interesse e admiração dos livros que costumava ler. Mas eu me sentia frustrado por não acreditar ser capaz de estabelecer uma relação mais próxima com ela, tipo um namoro. Olhando em retrospecto, percebo que era isso que nós queríamos. Ou, mesmo que não quiséssemos isto, era exatamente isto que nos faria felizes. Minha grande dificuldade em me relacionar a contento com o sexo oposto foi, sem dúvida, uma barreira que demorei muito para superar e que me causava grandes e Eric Campos Bastos Guedes 29 O Povo Cego e as Farsas do Poder

contínuas frustrações. Se eu me considerasse um estudante excelente – não bom ou ótimo, mas excelente – as frustrações se dissipavam fácil, fácil. Na verdade eu buscava uma excelência em relação aos outros estudantes de minha classe – isso implicava em ser o melhor ou estar entre os melhores estudantes da sala. Nem sempre eu conseguia isto, entretanto. Frustrado, acabei bancando o imbecil. Fustigado por um outro aluno que bagunçava uma aula de geometria, tirando toda a graça dela, meti a ponta de um compasso na barriga dele. O caso foi parar na diretoria, que foi complacente comigo. Talvez a complacência do diretor se devesse ao fato de eu ser considerado um aluno muito bom que teve um mal momento diante de outro aluno que já era considerado problemático. Por sorte não foi feita queixa na polícia. Após a agressão, passei a ser considerado o malfeitor de minha classe. E se não me falha a memória, minha vítima se tornou, momentaneamente, um herói. Ele foi, após a agressão sofrida, aclamado pela classe e carregado nos braços sob aplausos e gritos de “viva!”7. Apesar de eu ter sido o agressor e ele a vítima, julgo ter tido muito mais prejuízos que ele pela minha atitude irrefletida. Marcela nunca mais falou comigo e as últimas palavras que dirigiu a mim foram: “Cala a boca!” Teve uma aula de história em que fomos para a sala de audio-visual assistir um documentário a respeito do comunismo. Um outro estudante, que estava sentado atrás de mim, me cuspiu. Reclamei com o professor, que solenemente me ignorou. Pronto. Eu estava visado como o grande vilão de minha classe não tinha nada que eu pudesse fazer para reverter a situação. Era difícil prestar atenção às aulas pois passaram a jogar bolas de papel em mim, razão pela qual passei a me sentar na última fileira de carteiras da classe, lá no fundão. Também passei a ser vítima de comentários maldosos dirigidos a mim. Eu não podia me concentrar mais nas aulas, pois chegou a meu conhecimento que um grupo de alunos planejava me surrar quando estivesse só. Eu também sabia que nada do que fizesse reverteria a situação. Apesar de tudo, nada impediu que eu tirasse a maior nota da classe na prova de matemática. A nota 10. Meu professor comemorou isto, escrevendo vários recados motivadores na prova, tipo “Parabéns!”, “A melhor nota!” e coisas assim. Marcela deve ter tirado a segunda maior nota, mas cometeu pelo menos um erro, pelo que sei que sua nota não foi o 10. Aquelas palavras me motivaram a continuar a estudar. *** Zoofilia O ambiente escolar no colégio Gay-Lussac havia se tornado insuportável. Minha mãe decidiu que eu poderia ir morar com ela e o resto da família. Ela, meu irmão, meu padrasto e seu filho Sandro já moravam em Araruama há cerca de três anos. Quando eles
7 Esse episódio ilustra bem a motivação do portador da Síndrome de Münchhausen (F68.1), também conhecida como Síndrome do doente poli-hospitalizado. Apesar de nenhum dos personagens do episódio supra-relatado sofrer dessa síndrome, o incidente mostra, claramente, que alguém que venha a sofrer uma agressão considerada indevida por seu entorno social receberá carinho, aplauso e manifestação de apoio desse mesmo entorno. O portador da Síndrome de Münchhausen busca dissimuladamente e com empenho receber essa mesma manifestação de apoio e esse mesmo carinho de seus amigos e conhecidos. Para isso, procura, sempre que possível, passar a ideia de que foi uma vítima inocente de reveses e infortúnios absolutamente imerecidos. Com a finalidade de desempenhar um papel de vítima, o portador dessa patologia costuma simular doenças em si mesmo ou em familiares muito próximos (que tecnicamente são chamados de substitutos). A fim de desempenhar o papel de vítima inocente, não hexita o portador dessa síndrome em por sua própria integridade física em risco ou causar graves danos a familiares próximos, podendo mesmo chegar a cometer o assassinato de familiares, desde que estejam convictos de que seu crime não será descoberto jamais (é imprescindível que sejam sempre considerados inocentes, caso contrário deixam de receber o carinho destinado às vítimas e passam a ser alvo da recriminação destinada aos agressores).

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se mudaram para lá, em 1984, fui deixado para trás, embora quisesse ter ido com eles. Sofri horrores com a malícia dissimulada de minha tia Vera Lúcia de Campos. Antes que se possa levantar qualquer defesa a minha tia, quero dizer que foi ela a arquiteta da morte de sua própria mãe, minha avó Dermontina da Silva Campos. Explicarei isso detalhadamente mais adiante. Ao mudar para Araruama passei a frequentar o colégio homônimo, mas tive que deixar o curso Kumon de matemática, pois naquela época (1987) não havia uma filial do Kumon em Araruama (hoje há). Tinha já 16 anos completos, mas ainda era virgem. Não queria continuar a sê-lo, entretanto. Mesmo tendo os hormônios a flor da pele, não era capaz de cativar uma garota a ponto de tê-la como namorada ou ficante – fazer sexo com as garotas de minha classe era um sonho impossível para mim. Naquela época talvez eu concebesse a ideia de manter relações sexuais com prostitutas, mas até então não tinha conhecimento de onde funcionasse um bordel e também não conhecia ninguém que pudesse me instruir a esse respeito. Minha mãe nunca falara sobre isso comigo e eu não tinha intimidade com meu padrasto Lourenço para lhe perguntar sobre coisas que eu julgava tão íntimas. Também, não me lembro de meu irmão Winter, ou meu agora amigo Sandro (filho de meu padrasto Lourenço), haverem comentado sobre onde se pudesse ter sexo com meretrizes. Concluí que eles não sabiam onde eu poderia encontrar garotas de programa. Eu estava num mato sem cachorro. Então, decidi fazer amizade com alguém mais simples e que encarasse o sexo com mais naturalidade do que as garotas que eu conhecia. Quis ter intimidades com a cadela Laika, da raça fila brasileiro, que tínhamos em casa. Numa noite chamei Laika para o quartinho onde eu dormia. Tirei a roupa e tive uma ereção. Laika deu uma lambida no meu membro, mas não foi além disso. Quando tentei penetrá-la, ela rosnou. Fiquei com medo dela me atacar e desisti da ideia de penetrá-la. Depois, tive medo de contrair alguma doença por ter me encostado nela e quis urgentemente tomar um banho. Não posso dizer que foi uma relação. No máximo, foi uma tentativa. *** OMERJ – Olimpíada de Matemática do Estado do Rio de Janeiro Durante o recreio, decidi abandonar o colégio Araruama. Simplesmente pulei o muro do pátio e fui para casa8. Tendo deixado de me preocupar com a escola, passava, agora, bastante tempo lendo livros de matemática e desenvolvendo ideias nessa área. Nesse ínterim a professora Renate Watanabe – uma grande incentivadora de meus estudos – me sugeriu que participasse da OMERJ, Olimpíada de Matemática do Estado do Rio de Janeiro. Fiquei bastante animado com a ideia. Naquele tempo eu venerava os nomes dos monstros sagrados da Matemática olímpica brasileira. Considerava grandes heróis os dois únicos estudantes brasileiros que, naquela época, haviam obtido a medalha de ouro nas Olimpíadas Internacionais de Matemática: Ralph Costa Teixeira e Nicolau Corção Saldanha. Nunca os havia conhecido pessoalmente, mas tomei conhecimento da existência deles através do professor Faraday. Também soube dos feitos espetaculares desses dois grandes matemáticos pela Revista do Professor de Matemática (RPM) 9. A OMERJ tinha duas fases. A primeira delas consistia numa prova objetiva
8 Naquele tempo (1987) era muito fácil fazer isso, pois o muro era suficientemente baixo. Depois puseram um muro bem mais alto. 9 A Revista do Professor de Matemática (RPM) é uma publicação periódica da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) destinada à professores e estudantes dessa disciplina. A professora Renate Watanabe providenciou que eu recebesse os números da RPM regularmente, na qualidade de assinante.

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(assinalar com o tal do “X” a opção correta entre as 5 oferecidas) com 20 questões de dificuldade média. Passei nessa fase com certa facilidade. Nas 20 questões da prova, cometi um único erro. Fiquei bastante animado com isso e fiz muitas expectativas. Vislumbrava uma premiação após a segunda fase. Entretanto, para minha grande decepção, tive um resultado muito ruim na prova final, que tinha menos de 8 questões, mas eram muito mais difíceis que as da primeira fase. Fiz 4 pontos em 60 e devo ter ficado em penúltimo ou antepenúltimo lugar entre os 20 finalistas na minha categoria (prova para o 1º ano do segundo grau)10. Voltei desolado para Araruama. *** Testosterona Cabe fazer alguns comentários muito pertinentes antes de continuar. Em primeiro lugar, é fato bem conhecido haver muito mais líderes do sexo masculino do que do sexo feminino. Se nos perguntarmos sobre o motivo para isso, uma das resposta possíveis será o hormônio chamado testosterona. Este hormônio é um dos grandes responsáveis pela qualidade de liderança. Quem tem mais testosterona terá, do ponto de vista endócrino, mais talento para liderar do que quem tem menos. E por esse hormônio ser muito mais atuante nos homens, isso explica porque é mais comum haver mais líderes homens do que do sexo oposto. Uma das principais características dos líderes talvez seja agressividade. A agressividade pode significar coisas ruins, como hostilidade, destrutividade ou violência física, mas nem sempre isso ocorre. Agressividade também pode significar coragem e ousadia. Pode-se encarar a agressividade como a qualidade de ser agressivo. Nesse caso, ser agressivo pode ser interpretado como ser empreendedor ou audacioso, como na expressão “vendedor agressivo”. Do mesmo modo, ser agressivo também pode significar ser arrojado e corajoso, como na expressão “campanha publicitária agressiva”. Vimos, pois, que agressividade pode nos remeter a qualidades típicas da liderança, a saber: coragem, ousadia e empreendedorismo. O principal hormônio regulador da agressividade no ser humano é a testosterona. Isso nos faz entender o maior número de líderes do sexo masculino do que do feminino. Também explica porque os homens costumam recorrer mais à violência física que as mulheres: eles tem muito mais testosterona. O fato notável é que impulsos sexuais e agressividade estão fortemente relacionados. A propensão ao sexo e à agressividade parecem brotar da mesma fonte. De fato, citando Steve Biddulph em seu livro “Criando Meninos”: “Sexo e agressividade estão ligados de algum modo – controlados pelos mesmos centros no cérebro e pelo mesmo grupo de hormônios.” Uma pesquisa reveladora mostrou, em 1980, uma forte conexão entre impulsos sexuais e delinquência juvenil. Citando a mesma fonte: “os meninos são muito mais propensos a problemas com a polícia seis meses antes de
10 Naquela ocasião, Ralph Costa Teixeira também participou dessa mesma competição. Entretanto ele fez a prova referente ao 3º ano do segundo grau. O professor responsável – um matemático de origem portuguesa – anunciou, enlevado, que Ralph obtivera a medalha de ouro em sua categoria ao ser o único a resolver todas as questões da prova com absoluta correção. O mesmo professor, que antes da realização da prova soubera de meu grande interesse por Matemática, fez, em seu discurso de divulgação dos resultados, menção a uma certa “decepção”, sem explicar, entretanto, exatamente a que se referia. A carapuça acabou servindo.

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sua primeira experiência sexual. Em outras palavras, eles se acalmam um pouco quando começam a fazer sexo.” O meu palpite é que da mesma fonte que brota a violência física, mina também a energia psicossexual. A agressividade pode se transformar tanto em violência física quanto em força sexual, bem como em intensa produção intelectual, tenha ela caráter artístico, filosófico ou científico. Se a agressividade não for adequadamente canalizada, ela pode estourar como violência (auto)destrutiva e descontrolada. Se nos conscientizarmos que o atraso da iniciação sexual dos meninos pode torna-los vítimas de chacotas, comentários maldosos e insinuações que põem em dúvida sua masculinidade, estaremos aptos a concluir que um garoto com dificuldades em se relacionar com meninas terá sucessivas frustrações afetivo-sexuais ao mesmo tempo em que armazena grande agressividade. O resultado disso costuma ser trágico. Pode resultar em crimes aparentemente inexplicáveis, como os casos em que o filho mata os pais, tios ou os avós. Adolescentes considerados inteligentes e estudiosos, me parece, estão mais propensos a explodir sua agressividade como violência descontrolada contra sua família. Seriam considerados inteligentes por estarem canalizando sua energia para ciência e demais estudos, numa tentativa de manter aberta essa válvula de escape e, assim, reduzir suas frustrações afetivo-sexuais. Neste caso, quanto mais incentivo e facilidade encontrarem para estudar e aprender, quanto mais recompensas justas por seus esforços eles tiverem, mais longe irão. O caso emblemático foi o de Isaac Newton, físico e matemático inglês do século XVII que pode muito bem ser considerado o maior cientista de todos os tempos. Newton se absteve de relações sexuais durante toda sua longa vida e sua produção intelectual foi algo sem precedentes. Alguns chegaram a achar que ele não era humano. Sobre Newton, afirmou-se: “mais perto dos Deuses nenhum mortal pode chegar”. O caso de Newton foi o de ter tido ele êxito em canalizar quase toda sua agressividade para seus estudos, pesquisas e teorias. *** Facada no padrasto Após o fracasso da participação na OMERJ, retornei a Araruama. Já havia saído da escola, desmoralizado, por não ter sido capaz de manter relações sexuais com garotas lá. Isso não teria sido problema se eu não as desejasse. Meu desejo por garotas foi aumentado muitas vezes após ter estabelecido o hábito de me masturbar e também aumentou muito após a aquisição de material pornográfico. No entanto, eu permanecia virgem. O episódio com a cadela Laika já demonstrara minha ânsia e era o tipo de coisa da qual eu não podia fugir. Em qualquer lugar que fosse, haveria pessoas. Os homens zombariam de mim – de um modo ou de outro – ao perceberem o quanto eu era incapaz de ter relações com garotas. As meninas, por sua vez, continuariam a me desprezar como amante, por culpa de minha própria imperícia. Somando minha ânsia por sexo à persistente incapacidade de me relacionar sexualmente e à inevitável frustração disso resultante, havia aí uma bomba relógio que esperava o momento de explodir. Já há algumas semanas minha convivência com meu padrasto Alcemir Lourenço de Souza estava insuportável. Lourenço tinha um palavreado grotesco e ofensivo que dirigia especialmente a mim. Certa vez eu havia dito “Hoje vou fazer uma coisa que não faço há muito tempo” e ele respondera de pronto “Vai dar três cagadas sem tirar o cu do vaso”. Apesar de meu comentário ser desnecessário e pretensioso, isso não era motivo para ter tido aquela resposta. Eric Campos Bastos Guedes 33 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Certa noite, em agosto de 1987, acho, Lourenço chegara bêbado em casa. Achacou verbalmente minha mãe na cozinha e a fez chorar 11. Se eu conhecesse realmente minha mãe, como hoje bem a conheço, isso teria tido muito pouca importância. Mas naquele tempo eu a venerava. E como se já não bastasse Lourenço ter levado minha mãe para longe de mim e me privado por anos da companhia dela e de meu irmão, agora ele descontava nela suas frustrações. Ora, foi para isso que ele se tornara marido de Vanda? Para fazê-la chorar? Porque deveria haver motivos muito bons para os dois ficarem juntos, já que, caso não tivessem notado, eu sofrera deveras com a ausência de minha mãe. Naquela noite eu perdi a cabeça. Eu o enfrentei e guardei uma faca sob a roupa. Era uma faca grande, uma corte laser, com o ponto vermelho característico no cabo. Essa faca havia sido anunciada na TV e meu padrasto e minha mãe a compraram. Minha mãe viu que eu tinha uma faca escondida e quando Lourenço se afastou ela disse para que eu a guardasse. Eu respondi que no dia seguinte ele se lembraria de tudo – e presumi que minha situação ficaria ainda muito pior. Então fui atrás de Lourenço quando ele se encaminhava para seu quarto. Num corredorzinho pequeno que dava no quarto de casal deles eu o alcancei; ele se virou rápido e e tentou se defender me dando um chute, mas seu golpe não me atingiu e eu avancei lhe dando uma facada no abdome. Com essa única facada a lâmina da corte laser se quebrou na barriga dele e eu corri desesperado para o quintal, onde peguei uma enxada e a ergui em posição de defesa, esperando o contra-ataque de Lourenço. Eu imaginava que ele viria com tudo para cima de mim, pois não estava morto. Ninguém apareceu. Ouvi Sandro a chorar desesperado e Lourenço dizendo: “que merda, heim!”. Saíram todos de casa, pelo que me pareceu. Levaram Lourenço para ser operado às pressas. Foi aí que comecei a me arrepender do que havia feito. Pensava comigo mesmo que, se eu pudesse, desfaria a agressão. Entretanto, como ouvi certa vez, “viver é desenhar sem borracha”; também, no jogo de xadrez a vera, não se pode desfazer um movimento. No xadrez temos que pensar muito antes de mexer uma peça, pois um movimento errado pode nos levar a derrota. Isso nos obriga a pensar nas consequências de nossos lances, assim como deveríamos pensar muito nas consequências de nossas atitudes na vida quotidiana. Peguei minha coleção da RPM (Revista do Professor de Matemática), meus cadernos diários, pus numa mochila e saí de casa. Na saída minha mãe passou por mim de carro e me chamou desesperada, mas eu continuei meu caminho. Fui até a estrada que saía de Araruama e iniciei minha caminhada. Pensei comigo mesmo que iria para Niterói e tentaria trabalhar em algum lugar para ter um meio de sustento. Então, passaria 20 anos sem me aproximar de minha família ou de conhecidos para que a polícia não me capturasse. Eu não sabia se Lourenço havia sobrevivido ou não, mas isso não dependia mais de mim. Torcia para que ele sobrevivesse, pois isso tornaria o crime menos grave e eu não queria realmente ser um assassino. Meu desespero ia se acentuando. A ideia de ter sido eu mesmo o culpado por minha desgraça me angustiava cada vez mais. Embora me preocupasse, não queria saber se Lourenço estava vivo ou não. Se ele não estivesse, isso faria de mim um assassino e alguém a quem a polícia deveria caçar impiedosamente. Nesse caso, eu também seria deixado de lado por minha família e por todos os amigos e amigas de meus parentes. Seria eu uma terrível decepção para todos. Por outro lado, mesmo se Lourenço estivesse vivo, eu continuaria enrascado. Estava verdadeiramente arrependido do que fizera e isso ficaria bem claro depois, com a mudança de meu comportamento diante de situações similares.
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Alguns quilômetros depois cheguei a uma cidadezinha chamada Bacaxá. Parei no banco de uma pracinha e me deitei, tentando dormir. Não conseguindo, entrei na cidade a procura de um lugar mais confortável. Quando dei por mim estava próximo de um posto policial, achei melhor não dar meia volta retornando, para não levantar suspeitas. Passei em frente, mas um policial me chamou com voz de ordem. Pensei em fugir, mas sabia que não conseguiria. Além do mais, se tentasse, ele poderia ter um bom argumento para atirar em mim. Decidi me entregar. Eu esperava o pior deles. Que me batessem, que me torturassem, me achincalhassem, que me pusessem atrás das grades com outros criminosos etc. Para meu alívio, fui bem tratado. Fizeram algumas perguntas e foram simpáticos. Depois me levaram a um lugar onde, presumo, eu deveria ficar preso – talvez fosse algo como a FEBEM. Já clareara o dia e pude ver, num carro próximo, minha mãe conversando demoradamente com alguém que tinha poder para decidir se eu ficaria detido ou em liberdade. Eu fiquei em liberdade. Fiquei sabendo que, graças a Deus, Lourenço havia sobrevivido. Eu e minha mãe passamos em casa. Laika latia para mim, com raiva. Até ela sabia que o que eu tinha feito era muito ruim. Não gostei de vê-la me detestando. Minha mãe me levou para a rodoviária, eu teria que voltar para Niterói. Disse a ela que Lourenço devia estar com muita raiva de mim, mas Vanda disse que ele estava rezando por mim. Em Niterói fui ficar no apartamento em que moravam minha avó e minha tia Vera. Minha tia perguntou porque eu tinha retornado e eu não disse que havia esfaqueado Lourenço. Ela me disse que já sabia o que acontecera, segundo ela, da boca da ex-mulher de Lourenço. Imaginei que logo todos saberiam de meu crime e eu seria hostilizado, mas isso não aconteceu naquela época. Minha mãe disse para mim que contasse a Drº Lamy, meu psiquiatra, o que eu tinha feito e que pedisse a ele que me internasse. Fiz como ela disse, mas Lamy decidiu que eu não precisava de internação. Lembro que ri nervosamente naquela ocasião. Não era momento para rir e não me senti confortável fazendo isso. Eu sabia que meu ato era absolutamente condenável. Ainda assim, era como se eu tivesse me vingado da mesma civilização que julgara ter me infligido – e que ainda estaria a infligir – tanta humilhação e dor. Hoje percebo que se eu tivesse iniciado minha vida sexual antes, jamais teria feito o que fiz. Anos mais tarde, ao comentar o episódio com Vanda, ela negara que Lourenço a tivesse feito chorar naquela noite. Negou também que tivesse brigado com Lourenço na ocasião. Hoje, no meu entender, Vanda busca, com tal negativa, tirar de si e de Lourenço qualquer indício, por menor que seja, de que o casal pudesse ser minimamente responsabilizado pelo ocorrido. Entretanto, muito dificilmente ela poderá negar que, na noite fatídica, Lourenço chegara bêbado em casa. Inclusive, meu padrasto chegava embriagado em casa quase todas as noites e fez isso durante os vinte e dois anos seguintes, até que teve de amputar a perna, passando a ter uma vida muito mais caseira e menos dada a bares. Só não sei até quando a falta da perna o afastará dos bares e do álcool. *** Atirando em todas as direções Depois que voltei a Niterói, passei vários meses (até o início de 1990, acho) tentando ter uma vida longe da escola regular. Acreditava que se estivesse em ambientes frequentados por pessoas mais velhas e mais sérias, elas não seriam tão cruéis comigo e Eric Campos Bastos Guedes 35 O Povo Cego e as Farsas do Poder

com minha imperícia sexual. Tentei fazer alguns cursos que me interessavam. Frequentei o Curso Electra, no Rio de Janeiro, que se propunha a formar técnicos em manutenção de rádio e TV12; cursei durante uns poucos meses a Severus Artes Galeria, um atelier onde pretendi aprender a desenhar e pintar 13; voltei a fazer o Curso Kumon de matemática com o professor Faraday Smith Correa dos Reis 14; compareci durante algum tempo ao curso de álgebra, ministrado por Arnaldo Garcia, no IMPA 15. *** Oitava série no CES – Cento de Ensino Supletivo Em 1989 quis concluir o então chamado primeiro grau. Para isso, bastaria terminar a oitava série. Não quis estudar em colégios onde se exigisse assistir aulas, pois todo o inferno de minha frustração em não conseguir os carinhos de alguma menina desabaria novamente sobre mim. Optei por terminar a oitava série num curso supletivo, onde se pedia que estudássemos a matéria em módulos – pequenas apostilas com os tópicos que cairiam na prova. Embora os módulos fossem, em geral, pequenos e fáceis de entender, para ser aprovado num módulo era necessário tirar, pelo menos, a nota 8,0, isto é, ter um aproveitamento de 80%. *** Iniciação sexual etc Quando completei 18 anos de idade, ainda virgem, meu psiquiatra, Drº Eugênio Lamy, insistiu para que eu procurasse uma sauna, lugar onde poderia trocar meu apoucado dinheiro pelos favores sexuais de uma prostituta. Eu não queria transar com nenhuma puta, pois tinha medo de tudo que a TV, os padres, e as piadinhas entre amigos diziam sobre elas. Naquela época interrompi temporariamente as drogas tranquilizantes que o próprio Lamy me receitara – haloperidol, carbamazepina e prometazina – e passei a ter uma coragem que eu mesmo desconhecia. Eu fazia a oitava série no CES e ter deixado de tomar meus “remédios” fez aflorar em mim uma sexualidade tão intensa que não se deixava domar facilmente. Não estava plenamente preparado para controlar aquilo, ainda. Essa energia intensa não se canalizava para o sexo de modo direto, porque eu ainda era virgem e desprovido de recursos para estabelecer relacionamento sexual que considerasse satisfatório. Mesmo sem falar em sexo ou buscá-lo de algum modo, a intensa vitalidade sexual acabou sendo percebida no CES e, não tendo eu firmado relações com mulheres na época, meu comportamento acabou sendo confundido como o de um gay. Pelo menos foi isso que pensei na época. Hoje minha opinião é bem diversa: sem que eu ficasse sabendo, minha tia Vera Lúcia de Campos ou minha mãe Vanda
12 Foi um fracasso e ainda saí de lá injuriado por um velho que sugeriu que eu fosse gay – o infeliz me envergonhou diante de toda a turma e tive tanta raiva dele que quis trucidá-lo, mas lembrei do aperto que passei no episódio com meu padrasto e preferi não fazer nada. 13 Outro fracasso, assim como no caso do curso de eletrotécnica, pois não fui capaz de me interessar verdadeiramente por desenho e pintura – também fiquei com raiva do dono do curso e quis trucidá-lo, mas, novamente, me lembrei do desespero pelo qual passei ao esfaquear meu padrasto e não fiz nada. 14 Tive um sucesso relativo em meu retorno ao Kumon, tendo feito cerca de 1200 folhas de exercícios de matemática. Acabei cometendo o erro de dizer ao professor Faraday que eu havia metido uma faca em Lourenço. O tratamento que passei a receber de Faraday mudou muito pouco, mas percebi que ele não me recebia mais em sua residência. Foi bom ter cometido esse erro para que percebesse que não deveria mais comentar isso com ninguém. 15 Para alguém que não havia concluído sequer o primeiro grau, o curso de verão no IMPA foi um sucesso relativo, já que tive 65% de aproveitamento na primeira prova dele, que se dirigia principalmente a estudantes da graduação.

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Campos Guedes devem ter plantado a notícia de que eu esfaqueara Lourenço de modo que tal notícia chegasse ao conhecimento de algumas pessoas no CES; do mesmo modo também devem ter posto minha sexualidade em dúvida. Muito excitado e sem aceitar o papel que queriam me impor, acordei certo dia decidido a ter relações com alguma meretriz. Fui ao local onde, segundo Lamy, havia um prostíbulo. Mas estava fechado, talvez já há muitos anos. Fui até um ponto de táxis, no centro de Niterói, pois na certa algum taxista saberia dizer onde havia uma sauna. Dito e feito. Fui instruído a pegar o ônibus Nº30, descer no ponto final e me informar no hospital da polícia militar sobre o lugar que chamavam “Floresta”. Assim fiz. Lá chegando vi uma mulher em trajes de banho e me dirigi à recepção. Uma das garotas, muito solícita, me mostrou todo o bordel. Ao terminar disse que eu poderia escolher a menina que quisesse e convidá-la para ir para o quarto. Havia uma jovem bonita que sorria para mim, oferecendo-se. Mas tive medo dela, talvez por ela ter tomado a iniciativa. Eu queria o privilégio da escolha. Chamei outra menina, de pele branca, cabelos curtos e negros e meio gordinha, que estava deitada, repousando de olhos fechados, e não havia mostrado nenhum interesse por mim. Acho que ela disse chamar-se Márcia – coincidentemente o mesmo nome de minha esposa hoje. Paguei o preço estipulado ao gerente do bordel que, no ato, se importou o suficiente comigo para me dar uma camisinha de brinde. Eu e Márcia fomos para o quarto – uma suíte. Meu membro nunca havia ficado tão duro. Antes de consumarmos a relação carnal, tomamos um banho e disse à mulher que aquela seria a primeira relação sexual de minha vida. Márcia não demonstrou se importar com esse meu comentário, mas acredito que ela se lembre dele. Depois do banho fomos para cama. A mulher pôs o preservativo em mim e eu a penetrei. Ficamos juntos durante o tempo combinado, porém não consegui gozar. Apesar da ereção bastante satisfatória, não houve ejaculação. Atribuo isto à ausência das drogas psiquiátricas – talvez meu corpo tivesse que passar algumas semanas sem medicamentos psiquiátricos para se adaptar. Um tempo depois de voltar para meu apartamento, percebi que meu pênis tinha uma grande mancha roxa. Relatei isso a Lamy e ele disse que deveria ser alguma doença venérea perfeitamente tratável. Não era nada disso, entretanto. É que Márcia tratou meu “dildo” com alguma brutalidade e ele não estava acostumado a isso. *** Vexame no Hotel Raposo Ter ficado sem drogas psiquiátricas naquela época afetou negativamente meu psiquismo, ao contrário do que ocorre hoje em dia. Ao mesmo tempo em que parei de tomar remédios, adotei durante dez dias um hábito de sono muito diferente do usual: eu dormia noite sim, noite não. Quando ia para cama, acabava dormindo entre dez e dezesseis horas seguidas para compensar a ausência de sono na noite anterior. Naquela época, atribuí a meu psiquismo diverso a má interpretação de meu comportamento e a decorrente crença, por pessoas do CES, de que eu fosse gay 16. Isso me revoltou, afinal, eu já havia comido uma garota – uma garota de programa, e também nunca havia tido relações com homens. Eu não sabia porque as pessoas estavam tendo uma ideia errada de minha sexualidade. A questão é que ter me relacionado sexualmente com uma prostituta não melhorou tanto minha capacidade de convencer outras mulheres a se relacionarem comigo. Na verdade, minha dificuldade em iniciar um relacionamento íntimo com mulheres não
16 Como já disse, talvez seja mais provável que essa crença tenha se estabelecido a partir de boatos espalhados por minha mãe Vanda ou minha tia Vera.

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prostitutas foi pouco alterado. Em casa minha situação também não era boa – na época morava no térreo de um prediozinho antigo na rua Comendador Queiroz, em Icaraí, Niterói com minha avó e tia maternas. Então decidi passar um tempo fora, numa cidade chamada Raposo, num hotel homônimo. Pus algumas roupas em malas e também uma enciclopédia inteira, pois minha energia extra me fizera passar a ser mais amigo de livros. Parti para Raposo. Durante a viagem fiquei conversando com um menino que sentava-se no banco ao lado. Ele tinha um irmão menor que estava sentado com a mãe na poltrona em frente. Foi muito bom conversar com ele. Num dado momento sua mãe passou a apreciar nossa amizade e puxou conversa comigo. No fim de minha viagem, quando estava saindo do ônibus, ouvi o menino dizer para a mãe: “mãe, quero ver o meu pai”. Os pais do menino deviam ter se separado e a conversa comigo talvez tenha feito ele ter saudades de seu pai. Minha estadia em Raposo foi um fiasco. Assim que cheguei um garçom me disse: “tem uma pessoa querendo te chupar”. Tive medo que fosse algum pervertido como Geraldo – o porteiro gay do colégio Itapuca – ou uma mulher velha e horrivelmente feia. Era melhor nem saber quem queria me chupar. Além do mais, preferia eu mesmo escolher com quem iria me relacionar, e não o contrário. Meu comportamento estava muito estranho e decidi voltar a dormir todas as noites e a tomar meus remédios. Mesmo assim, acabei sendo considerado homossexual – ou coisa pior – pelos hóspedes e funcionários do Hotel Raposo. Não sei se isso aconteceu devido a estranheza de meus atos ou a boatos espalhados por meus familiares intrometidos. Talvez todos – todos – meus problemas tivessem uma origem até então insuspeita: a perversidade dissimulada de minha mãe e de minha tia. Na verdade, se minha mãe não tivesse permitido, eu não teria sido vítima de minha tia Vera Lúcia – também minha avó Dermontina seria, anos mais tarde, vítima de sua própria filha Vera, com a permissão de minha mãe Vanda. As irmãs eram comparsas em golpes nefastos e inconfessáveis. Não comi ninguém em Raposo, embora tenha convidado uma garota, que também era hóspede, a ir a meu quarto para transarmos. Não me lembro o nome dela, mas nós costumávamos conversar e era difícil eu conhecer alguém que tivesse afinidade comigo. Quando ela foi embora o hotel tornou-se insuportável. Então desabei num choro silencioso diante de uma funcionária do hotel que teve misericórdia de mim e me ajudou a voltar para casa. *** Ideias de homossexualidade e como lidei com elas De volta a Niterói, passei a ser acometido de pensamentos de caráter homossexual. Eu batia os olhos num homem na rua e ria, achando absurdos meus próprios pensamentos. Não tinha desejo de me relacionar com homens, entretanto. O que estava acontecendo comigo talvez tenha arruinado a vida de muitas pessoas. Eu não queria isso para mim, mas não conseguia conter o riso ao ver homens na rua. Compreendia que ninguém poderia me ajudar, não havia meio de alguém entrar em minha mente e arrumar a bagunça que estavam meus pensamentos. Ademais, não confiava em ninguém o suficiente para dizer o que estava acontecendo. Foi uma decisão acertada não falar a ninguém o que ocorria. Decidi que eu mesmo deveria por fim àquela tortura. Então, toda vez que eu me pegava rindo com ideias de caráter homossexual, dava-me tapas no rosto com força suficiente para que eles me fossem desagradáveis. Não era tão importante que os tapas fossem fortes, mas sim que todo e qualquer pensamento de caráter Eric Campos Bastos Guedes 38 O Povo Cego e as Farsas do Poder

homossexual fosse seguido imediatamente por um tapa desses. Ao me verem na rua dando tapas em mim mesmo, talvez não houvesse ninguém que não me achasse um doido completo, mas minha persistência foi premiada: os tais pensamentos cessaram. E cessaram rapidamente, ao cabo de, no máximo, uns 15 dias. Não se pode dizer que não havia o dedo de minha tia nesse verdadeiro vírus de pensamento do qual fui vítima. Para ilustrar, lembro que certa vez ela me contou uma piada de profundo mal gosto como se fosse engraçada. A piada era dizer que um sujeito foi se confessar ao padre e dizia: “padre, eu comunguei”, e o padre dizia: “sim, meu filho, eu sei que você comungou, mas qual é seu pecado?”, e o outro respondia: “eu comunguei, padre!”, e o padre “mas comungar não é pecado, meu filho” e o outro: “meu pecado foi esse: eu comiunguei!”. Ao ouvir tal indecência, fiz uma cara de reprovação. Com uma família dessas, não me espanta ter um avô suicida e duas tias-avós idem. *** De volta à Floresta Sexo com putas era algo que eu me permitia fazer. Depois que voltei do Hotel Raposo retornei ao prostíbulo conhecido como Floresta. Eu retornara ao uso de drogas psiquiátricas e chamei Márcia – a mesma mulher com quem tive minha primeira relação sexual – para ficarmos juntos novamente. Parece que ela não quis muito ficar comigo não. Ela se negou a ficar comigo de um modo tão sutil e carinhoso que não me abalei. Talvez tenha feito isso por eu não ter gozado com ela da primeira vez. Então escolhi outra menina, que dizia chamar-se Amanda. No quarto, nu e duro, perguntei a Amanda: “Você beija?”. Ela respondeu: “Claro que beijo” e tomando meu vigor nas mãos iniciou uma sessão de sexo oral. Quando perguntei se ela beijava não estava pedindo isso. O que queria era beijo na boca. No início essa era minha queixa principal. Elas, via de regra, evitam o beijo na boca. Amanda ficou de quatro e tendo eu a penetrado ela foi a primeira pessoa com quem gozei. Mas a achei muito larga, parecia faltar pressão. Retornei a “Floresta” na outra semana. Não vi nem Amanda nem Márcia e então fiquei com uma garota chamada Mirtes, de pele branca, cabelos negros e compridos de cerca de trinta e poucos anos e cujo apelido era “indiazinha”. Esse único contato com Mirtes foi o suficiente para que ela não me esquecesse mais. Após um ou dois anos sem nos vermos, ela ainda se lembrava de mim. Mistérios do amor. Na quarta vez em que retornei a “Floresta”, uma negra gostosa de nome Zuleica me perguntou decidida e natural: “Vamos trepar?” Fomos. Disse a ela que queria penetrá-la analmente. Ela me prometeu que faria isso da próxima vez que estivéssemos juntos. Depois de alguns dias, retornei à “Floresta”. Entretanto, a casa estava em obras e naquele dia ninguém seria atendido. Soube mais tarde que havia fechado as portas – o motivo umas pessoas disseram que foi por um cliente ter matado uma prostituta lá, por ele ter se apaixonado por ela; outros disseram que o problema fora o uso de tóxicos ilícitos naquele bordel. *** Outro bordel: Alameda São Boaventura, 250 Rodei a cidade perguntando a um e a outro onde havia uma sauna com meninas. Tomando as tais drogas psiquiátricas eu não conseguia mais resolver esse problema extremamente simples: bastava perguntar a algum taxista, como eu tinha feito antes. Eric Campos Bastos Guedes 39 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Entretanto, me sentia incapaz de fazer isso, com uma espécie de vergonha nociva que não tinha quando sem drogas psiquiátricas. Por fim, num bar de esquina, próximo de minha casa uns camaradas me deram a dica: pegar o ônibus Nº49 e ir até a Alameda São Boaventura, no número 250, onde havia um bordel. Foi o que fiz. Lá reencontrei Márcia que me quis para ela de qualquer jeito. Mas eu queria outra menina. Entretanto, ela insistiu e eu cedi. Paguei o valor e subimos para o quarto para transamos. Gozei normalmente e foi bom. No final da transa, Márcia sugeriu que se ficássemos uma segunda vez. Ela disse só me custaria a metade do valor. Na hora não entendi bem o porquê, mas depois concluí que ela queria tanto transar comigo que deixaria de receber a parte que lhe cabia, só para me ter na cama de novo. Umas semanas depois retornei a 250 e Márcia não estava mais lá. Fiquei com uma mulher chamada Neide. Loira, baixinha, coxas grossas e cara de safada. Ela foi boa para mim. Deu-me alguns conselhos, como só casar depois dos trinta anos e coisas assim. Ficava sempre com Neide, fui monogâmico por escolha. Um dia, porém, Neide foi embora. Segundo amigas ela abrira seu próprio negócio. Um bar, acho. Procurei outra garota e encontrei Fátima, uma mulher esguia, branca e de cabelos curtos e negros. Passei a ficar sempre com ela, e depois de pegar algum carinho, até fiz um poema em sua homenagem. Um dia Fátima foi embora. Amigas disseram que ela foi para outro estado, na região norte ou nordeste. Novamente só, procurei outra garota que eu gostasse. Fiquei com algumas de que não gostei. Havia as que não faziam o que era obrigatório na época: o popular boquete; havia as sacanas que depois de furunfar te chamavam de viado; havia as de localização aleatória que vinham e sumiam sem que pudéssemos ter um relacionamento de fato. Decidi procurar outra sauna. *** O puteiro da Rua Marechal Deodoro, n.160 Por informações que tive com os próprios frequentadores da Alameda 250, cheguei a outro lugar, na Rua Marechal Deodoro n.160, no centro de Niterói. Fui até lá e reencontrei Mirtes. Passei por ela e reconhecendo-a tentei lembrar de seu nome, o que não consegui. Mas, atento, ouvi alguém mencionar seu nome, presumivelmente se dirigindo a ela, o que me fez recordar definitivamente. Fui procurar alguma garota de quem eu gostasse e acabei dizendo um “oi” para Mirtes que testou minha memória dizendo-me algo como: “Meu nome é Diomara” e eu respondi: “Não, seu nome é Mirtes”. Ela se derreteu toda. Transamos. Eu pedi para penetrá-la analmente, mas ela se recusou. Desculpou-se e justificou a negativa dizendo que tinha um problema nos rins. Não a peguei mais desde então. Márcia, que me tirou a virgindade, também estava lá. Fez de tudo para ficarmos juntos. Tentei escolher outra menina, mas elas, percebendo o interesse da companheira, se recusaram a ficar comigo. Como eu resistia a ficar com ela, Márcia me disse que faria sexo anal. Foi a primeira bunda que comi. No entanto, por pouco não brochei, pois me senti pressionado, além de estar tomando várias substâncias psicotrópicas receitadas por meu psiquiatra, Eugênio Lamy. Esses remédios acabavam comigo, mas na época eu não sabia como seria a vida sem eles, além do que, devido minha juventude e grande saúde física, podia ter uma vida próxima do normal mesmo os utilizando. *** Hilda Shanna, minha melhor amante

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Márcia tinha uma amiga conhecida com Shanna. Uma negra muito gostosa e sexy, que tinha um sorriso fácil e bonito além de beijar na boca e fazer muito bem o trivial obrigatório – isto é, o boquete. Quando retornei à Marechal Deodoro 160, Márcia já não estava mais lá. Aproveitei para ficar com Shanna. Foi bom. Depois disso, sempre que voltava na 160 ficava com ela. Tinha por norma esperar meia hora por Shanna caso não a encontrasse logo ao chegar. Foram seis anos ótimos, acho que de 1990 até 1996. Neste período fiquei com poucas garotas, só me interessava realmente por Shanna. Ela me disse que seu nome verdadeiro era Hilda. Nas várias dezenas de vezes que transamos nunca brochei. Ao contrário, ardia de desejo por ela. Estimo que devemos ter transado umas 120 vezes nesses cinco anos. É muito pouco, se considerarmos que o brasileiro médio faz sexo cerca de 500 vezes no mesmo período. A falta de dinheiro foi um grande obstáculo para uma vida sexualmente mais ativa, mas isso pode ter evitado que eu contraísse doenças venéreas. Um ponto de suma importância foi o grande aumento de meu rendimento intelectual após o início de minha vida sexual em 1989. Já em 1990 obtive o terceiro prêmio na Olimpíada Brasileira de Matemática, colocação esta que antes julgava impossível obter. *** Como conheci minha esposa Márcia Regina Em 1989 fomos fazer uma visita a meu tio Napoleão, minha tia Isabel – que chamávamos tia Belita – e meus primos Fabrício Campos e Isabela. Eles moravam em Muqui, uma cidadezinha do estado do Espírito Santo. Lá, meu irmão Winter e eu decidimos sair uma noite para passear. Não encontramos nenhum barzinho ou qualquer coisa do tipo, então ficamos andando sem rumo na noite silente de Muqui. Num dado instante, percebi algumas pessoas no alto de uma pequena construção – uma casa de dois andares ou pequeno prédio. Eram umas meninas que jogavam umas pedrinhas na gente. Nos aproximamos e eu as chamei para descerem e conversarem conosco. Para despertar o interesse das meninas eu disse que havia ganho um prêmio numa loteria, mas nem eu nem elas levaram minha afirmação a sério. Desceram duas ou três meninas. Uma delas era Márcia Regina, que viria a ser minha esposa doze anos mais tarde. Ficamos conversando durante algum tempo e me despedi de Márcia me inclinando e lhe dando respeitosamente um beijo na mão, como imaginava que os cavalheiros faziam – era assim que eu tinha visto nos filmes! No dia seguinte, pela manhã, ficamos esperando o ônibus que nos levaria de volta a Niterói. Mas uma das meninas que conhecêramos na véspera foi até lá e me pediu meu endereço, que eu dei solícito. Alguns meses depois, em minha casa em Niterói, já havia esquecido o episódio com as meninas. Foi aí que recebi uma carta de Márcia com letras bem grandes dizendo: “Mande notícias”. Começamos a nos corresponder e depois de meses decidimos nos encontrar novamente. Após uns meses me correspondendo com Márcia, voltei a Muqui para vê-la e nós ficamos juntos – nos beijamos muito, mas não houve sexo, nem oral nem com penetração. Havia pedido uns conselhos a meu então psiquiatra Dr. Eugênio Lamy, que acabaram se mostrando bastante úteis para conquistar Márcia. Finalmente eu conseguira uma namorada, coisa inédita para mim, embora já tivesse tido relações com prostitutas. Na volta para casa, eu me sentia o homem mais feliz do mundo. Se eu morresse na viagem de volta, teria morrido feliz. Nem mesmo a proximidade da morte poderia ter Eric Campos Bastos Guedes 41 O Povo Cego e as Farsas do Poder

me aborrecido naquele tempo, creio eu. Combinamos para eu retornar a Muqui em agosto de 1990, acho, mas o padrasto de Márcia acabou morrendo um mês antes disso e ela pediu para que eu fosse vê-la naquele mesmo mês. Imaturo, não compreendi a gravidade da situação e argumentei que iria só no mês seguinte, pois este fora o combinado. Quando retornei a Muqui no mês de agosto, Márcia me deu o fora por eu não tê-la amparado emocionalmente após a morte do padrasto. Fiquei muito chateado e meu retorno a Niterói foi muito diferente do anterior. Mas depois de alguns meses, acabei superando a situação. *** Proposta indecorosa versus identidade sexual Naquela época conheci um sujeito chamado Fernando. Ele era jovem, alto e forte. Eramos da mesma turma do CIN – Centro de Informática de Niterói – um curso de informática. Um dia ele me chamou para sair, iríamos ao Plaza Shopping a noite. Ele acabou me contando que era bissexual e que queria ter relações comigo. Perguntou se eu era virgem. Eu disse que não, que me relacionava frequentemente com prostitutas e que era esse meu modo de encarar o sexo. Ele me contou a vida dele toda então. Que tinha tido um menino menor de idade por amante; que havia frequentado bacanais gays, mas que não fazia mais isso; que nestes bacanais ele era ativo, mas que uma vez, diante da insistência de outro frequentador, havia sido o passivo; que tinha ascendência portuguesa; que sua mãe lhe criou com muito carinho; que tinha uma garota do CIN lhe dando bola (por sinal uma que eu queria); que tinha uma rixa com um irmão etc etc etc. Após uma longa conversa, já de madrugada, ele me levou ao ponto de ônibus insistindo para que eu tivesse um comportamento homossexual, o que não aconteceu. Então peguei o ônibus e nos despedimos. Não fiquei angustiado como da vez que em Geraldo me cantou, no Itapuca. Dessa vez não fiquei em dúvidas quanto a minha sexualidade. Já tinha uma identidade sexual estabelecida. Eu era putanheiro. Ter uma identidade sexual é o mesmo que estar satisfeito com a vida sexual que se tem, qualquer que seja ela. Naquele momento da minha vida ser putanheiro era satisfatório para mim – ou quase. Na verdade eu ainda queria me relacionar com mulheres não-prostitutas, mas nesse particular tive somente um êxito em toda minha vida que é minha esposa hoje. *** De taradinho a taradão Na década de 90 do século XX eu já havia atingido a maioridade. Se antes eu era “de menor” e tinha a vantagem de não ir para a cadeia com gente adulta, agora já não poderia contar mais com isso. A preocupação com meu vício de mão-boba passou a ser bem maior. Mesmo querendo, não conseguia parar. Eu tentava e, por alguns meses, conseguia evitar o vício. Entretanto as tentações eram contínuas. Sempre que avistava na rua uma mulher sensual de shortinho ou com jeans apertados, a lembrança do vício me atacava. Chegava a pensar que se todas elas se vestissem como nos países muçulmanos, de burca, véu e saiote, eu não teria esse tipo de tentação. Talvez por isso elas se vistam assim lá. O pecado se corta na fonte. Uma vez passei a mão numa mulher dentro do Plaza Shopping e ela se queixou ao segurança. Ele me conduziu à um dos chefes da segurança do Plaza que pediu a seus Eric Campos Bastos Guedes 42 O Povo Cego e as Farsas do Poder

subordinados para que localizassem a vítima a fim de que ela formalizasse uma queixa contra mim. Depois disso eu seria conduzido à polícia. Foram momentos de terror, mas não encontraram a mulher mais e a queixa não foi formalizada, razão pela qual não fui parar na cadeia. Eles tiveram que me liberar e fiquei aliviado. Assim que ganhei a rua, fui até a entrada do Valonguinho – perto do Plaza – onde está um campus da UFF, olhei para o prédio da faculdade de Matemática, ergui a mão direita e prometi que não voltaria mais a apalpar mulheres desconhecidas na rua ou em qualquer outro lugar. Após isso, tentei realmente honrar essa promessa, mas acabei retornando ao vício uns poucos meses depois. Estou falando sobre isso para que fique claro que se as mulheres que eu tocava eram vítimas de meu vício, então eu era ainda muito mais vítima desse mesmo vício. Se fosse fácil parar, eu teria parado pois entendia o risco que estava correndo. Realmente eu não queria fazer aquilo. Às vezes eu pensava que alguma mulher poderia desenvolver uma neurose grave depois de eu tê-la tocado e isso me preocupava um pouco, mas diante do vício inexorável, logo tirava esse pensamento da cabeça. Cheguei uma vez a chamar vários conhecidos para entrarem para a OMB – Organizações Mão Boba, como apelidamos nossa associação. Fizemos uma única reunião onde expus uma lista com uma série de normas que deveríamos seguir para não sermos pegos. Depois saímos todos, em bando, atrás de mulheres na rua, inclusive meu irmão Winter. Contudo, naquele dia, ninguém do grupo cometeu o delito, exceto, possivelmente, eu mesmo. *** Pedofilia Em 1992 já havíamos voltado a morar na minha casinha da rua Domingues n.422. Eu e meu irmão Winter devíamos ter 21 e 18 anos, respectivamente. Fazíamos o segundo grau juntos, ou no Colégio Virgínia Patrick, ou no CECAP (curso supletivo do Centro Educacional de Niterói). Estávamos a caminhar pelas ruas alegremente ensolaradas do bairro de Icaraí quando uma garota de cerca de 13 ou 14 anos passou perto de nós e nos dirigiu uma única palavra: “tesão!”. Ela soube ser convincente, pondo a entonação em consonância com a palavra. Estava acompanhada de outra garota, um pouquinho mais nova. Ambas tinham a pele escura e a mais velha vestia um shortinho provocante, que se notava estar um tanto úmido nas reentrâncias. Presumivelmente, estavam voltando da praia pois me pareceu que a mais velha estava com um biquíni por debaixo do short. Naquele tempo não havia no Brasil a “caça às bruxas” típica do início do século XXI nesse país. A mídia ainda não promovia a pedofilia como a grande vilã de nossa civilização. Quando avistei aquelas meninas não vi ali o perigo da transgressão jurídica, mas sim a oportunidade biológica de ter prazer com o que eram elas de fato: dois belos exemplares de fêmeas férteis. Convenci meu irmão a irmos no encalço delas, como dois bons caçadores de mulheres. Ele me disse que sim, desde que ele ficasse com a maiorzinha. Convencemos elas a irem conosco para nossa casa. Lá chegando, fomos para meu quarto. Winter deitou-se com a maiorzinha e estava a beijar seus peitos. Ela gemia, e eu fiquei bastante excitado com a cena. A menorzinha não esboçava desejo, mas eu não podia ficar parado. Pus o frangão para fora das calças, já duro, e olhei para a menorzinha que estava sentada em minha cama. Mas ela fez uma cara de quem não gostou e um sinal feio de “dedo” para mim. Então, virou-se para a outra garota que estava com Winter e disse “vamos embora?” Eu perguntei surpreso: “mas já?” Nossa brincadeira terminou antes de começar. Levamos elas para a cozinha e lhes demos uns pãezinhos de queijo que, por Eric Campos Bastos Guedes 43 O Povo Cego e as Farsas do Poder

sinal, estavam um tanto passados, parecendo feitos uma borracha. Elas se foram em seguida e não voltaram mais. Fiquei chateado com o ocorrido e disse isso a meu irmão. Ele respondeu: “Foi melhor assim. De repente elas estavam até doentes.” Acabei concordando e me senti menos frustrado. Quero deixar claro que eu não toquei sexualmente na menorzinha. Não acariciei suas partes íntimas e muito menos ela as minhas; não nos beijamos nem houve nada entre nós que se pudesse chamar de sexo – nenhum tipo de penetração, nem sexo oral, tampouco masturbação. Não que eu não quisesse ter tido intimidade com ela, mas diante de sua negativa, não houve nada. Isso foi o mais perto que cheguei da pedofilia. *** Nalini, a mulher de meu irmão Em 1993 Winter conheceu Nalini, uma garota que viria se tornar sua mulher. Eu fiquei animado, já que meu irmão, adepto da doutrina anarquista, havia mostrado simpatia por um episódio particular ocorrido numa comunidade anarquista: dois homens dividindo a mesma mulher como se eles estivessem, ambos, casados com ela. Algo análogo ao que acontece em certos países árabes e em alguns lugares da África, onde um mesmo homem pode ter mais de uma esposa; a diferença é que, naquele caso, uma mulher tinha mais de um marido. Expressei essa minha ideia a Winter que foi taxativo ao dizer que ele queria Nalini só para ele. Eu achei que sua decisão contrariava seu ideal anarquista. Ademais, me pareceu injusto da parte dele se opor a meu relacionamento com Nalini, já que eu o havia iniciado no excitante mundo dos bordéis e lhe ofereci a melhor mulher do bordel da rua Marechal Deodoro 160 – a minha muito querida Hilda Shanna. Winter e Shanna transaram com meu consentimento e incentivo. Na época eu me preocupei com a sexualidade de Winter. Pensava que se ele viesse a enfrentar problemas como os que eu enfrentei, poderia meu irmão não superar como eu superei. Por isso achei por bem incentiva-lo a manter relações sexuais com Hilda Shanna. Foi um ato de amor por meu irmão. Se eu não me importasse com ele, jamais o teria incentivado a ir num bordel (que eu saiba, ele só foi uma vez lá). Diante da negativa de meu irmão, decidi não procurar ter relações com Nalini. Acabei fazendo amizade com ela. Apreciei sobremodo a amizade não-sensual com Nalini. Era sentia como se ela fosse minha irmã e fiz até um poema para ela. Mas não divulguei a poesia para ninguém. De repente e sem aviso, Nalini começou a me evitar e ser irônica comigo. Perguntei a Winter porque ela estava fazendo isso e se ele havia dito a ela que eu esfaqueara Lourenço. Winter negou ter dito qualquer coisa desse tipo para Nalini, mas na certa outra pessoa deve ter falado alguma coisa. E minha amizade com Nalini morreu vítima da maledicência. *** Minha entrada na faculdade Bem no início de 1994 concluí o ensino médio no CES e entrei no curso pré-vestibular Impacto. Nessa época meu psiquiatra era o Drº Eugênio Lamy. Sob sua orientação eu estava tentando substituir o uso do haloperidol pelo da risperidona, que me deixava muito mais motivado. Infelizmente, havia um efeito adverso tão bizarro quanto imprevisto: alteração na sexualidade. Animado, passei a praticar corrida pela manhã e me Eric Campos Bastos Guedes 44 O Povo Cego e as Farsas do Poder

empenhava em estudar as matérias do pré-vestibular. Mas eu estava animado demais e fazia observações nas aulas de física, matemática e geometria. Por eu não estar envolvido sexualmente com nenhuma garota de lá do curso, acabaram achando que eu fosse gay e os comentários acabaram me fazendo abandonar o pré-vestibular. Eu parei de tomar a risperidona e voltei com o haloperidol, mas era tarde demais para fazer parar os cochichos. Não desisti, entretanto. Mudei de pré-vestibular indo cursar o Sala 2. Foi ótimo. Com o haloperidol não havia mais pessoas pondo minha sexualidade em dúvida. Meu rendimento lá foi muito bom. Passei para a Universidade Federal Fluminense (UFF) vindo a cursar matemática lá. Em todo o ano de 1995 e também no primeiro semestre de 1996 meu rendimento acadêmico foi excelente. Eu tinha o maior coeficiente de rendimento (CR) de toda a faculdade de matemática, além de ter conseguido um cargo de monitor da disciplina de álgebra e posteriormente uma bolsa de iniciação científica. Eu estava prosperando. *** Estudo & vida sexual Devido a ter tido algum sucesso no estabelecimento de minha identidade sexual, passei a ser um excelente estudante. Não me via mais como um perdedor incapaz de transar mulheres. Em 1996 eu estava no auge de minha vida acadêmica. Estudava muito e tinha as maiores notas de toda a faculdade. Meu coeficiente de rendimento, média ponderada de minhas notas na faculdade, chegou a ser de 9,72 – é crível que um tal valor tenha sido superado por menos de 10 estudantes em toda a história do instituto de Matemática da UFF. Nessa época Hilda Shanna me disse que iria se casar. O cara era um sortudo. Anos antes eu havia perguntado à Hilda: “O que você diria se eu te pedisse em casamento?” Ela disse que não poderia viver com alguém que ganhava somente R$95 por mês. Este era meu ganho mensal na época, o de um monitor da disciplina de Álgebra I na Universidade Federal Fluminense. *** O traseiro da perdição Em julho de 1996 ocorreu o inevitável – mexi com a mulher errada. Estava a voltar da UFF à pé para minha casa quando avistei uma mulher de shortinho jeans, cabelos curtos e loiros se bem me lembro. Eu quis tocá-la. Então passei a segui-la com este intuito. Na Rua Gavião Peixoto, próximo a um ponto de táxis, tive minha grande chance. Ela parou próxima ao meio fio e, a fim de atravessar a rua, esperava os carros passarem. Eu me ajoelhei atrás dela e vi, extasiado, as saliências do traseiro que me levaria a ruína. Era o traseiro da perdição. Botei o linguão para fora e dei uma gostosa lambida na popa da loirinha. Ela olhou para trás, surpresa. Eu me pus de pé diante dela e disse com um sorriso: “As pessoas devem fazer amor livremente!”. Então prossegui meu caminho de volta para a casa. Mas uns 100 metros depois, no calçadão do Campo de São Bento (o mais conhecido parque arborizado de Niterói) recebi um empurrão por trás. Olhei e vi a mulher muito zangada a se afastar e a dizer “E fazer violência também!”. Continuei meu caminho e logo recebi outro empurrão. Era ela de novo e agora exigia que eu entregasse minha carteira de identidade, caso contrario ela ameaçava dizer ao marido o que ocorrera. Eu disse que não tinha feito nada de mal com ela e por isso não merecia Eric Campos Bastos Guedes 45 O Povo Cego e as Farsas do Poder

castigo; ela disse que eu dera uma mordida em sua perna e por isso deveria ser punido; eu disse que não havia mordido a perna dela, mas não disse que havia lambido bunda dela, embora, tecnicamente fora isso que eu fizera. Eu disse ainda que eu era um estudante muito bom para ir parar na cadeia e ela disse que também era universitária, cursando direito na UFRJ. Então disse que ela não precisava se preocupar, pois ninguém havia visto o que acontecera; mas ela retrucou que seus amigos taxistas tinham visto a cena. Ela disse também que seu marido iria me matar se ficasse sabendo, mas que se eu entregasse minha carteira de identidade ela não diria nada a ele. Tive medo. Eu não estava com minha carteira de identidade original, então lhe dei uma cópia xerox plastificada. A moça exigiu a carteira original, mas viu que eu não estava com ela. Enquanto ela falava, percebi que usava um aparelho nos dentes que chamaria a atenção de qualquer um que a visse de boca aberta. Então, pareceu ficar satisfeita num dado momento e se afastou com um sorriso enigmático. Uns doze anos depois o fato de ela usar aparelho fora importante num episódio rápido, porém muito revelador. *** Incesto Fiquei realmente preocupado com o que ocorrera. Sabia que o mundo seria um lugar muito mais perigoso para mim daquele dia em diante. Ao mesmo tempo, não entendia porque aquilo havia acontecido comigo. O que eu sabia é que se tivesse uma namorada, não precisaria tocar mulheres na rua e me arriscar tanto. O problema é que, tirando Márcia Regina – mulher que considerava problemática demais para mim – jamais havia tido outra namorada na vida. Eu acreditava ser incapaz de cativar uma não-prostituta a ponto de convencê-la a fazer sexo comigo. Eu não sabia bem o motivo na época, era como se eu não fosse deste mundo. Na minha cabeça eu só poderia ter os carinhos de alguma mulher não-prostituta se eu fosse muito íntimo dela desde o início. Já havia pedido para fazer sexo com minha mãe (em 1985, no prédio da Noronha Torrezão), mas ela se negara a isto, dizendo “Assim você me ofende”; também havia feito algumas insinuações desse tipo para minha tia Vera Lúcia de Campos, que fingiu não estar entendendo. Pensei comigo mesmo que deveria fazer sexo com uma filha minha e ter filhos com ela, depois que ela atingisse a maioridade. Não seria impossível ter uma filha sem precisar me casar, pensava eu. Bastaria pagar uma mulher para gerar uma filha minha. Então seríamos amantes e teríamos mais filhos e filhas. Minha crença na impossibilidade de ter o amor sensual de uma mulher não-prostituta, excetuando mulheres da família, me levara ao abismo delirante do incesto planejado. Naquela noite gravei uma fita cassete relatando minhas intenções pouco católicas de desposar uma filha gerada por minha sanha. A gravação se perdeu, mas acredito que talvez minha tia Vera Lúcia de Campos a tenha furtado de mim. Não ficaria surpreso se essa gravação aparecesse de repente e fosse divulgada. *** A volta de Márcia Em agosto de 1996 recebi o telefonema de Márcia Regina Ribeiro, minha primeira e única namorada. Eu a chamei para vir passar um tempo comigo. Foi uma relação intensa e rápida, além de muito conturbada e problemática. Márcia queria toda a atenção para ela e Eric Campos Bastos Guedes 46 O Povo Cego e as Farsas do Poder

seus acessos já estavam me dando nos nervos. Ficava pensando nos ataques de Márcia durante as provas da faculdade. Eu me esforcei muito, mas foi impossível conciliar minha ambição acadêmica com as exigências descabidas daquela mulher. Em dezembro de 1996 nos separamos, cancelando nosso casamento. O fato notável é que durante os quatro meses em que eu e Márcia estivemos juntos, eu não tocara em nenhuma mulher na rua e nem pensara em fazer isto – eu não precisava mais. Queria ser fiel a Márcia e não provocar sua ira nem magoá-la. Também não sentia mais nenhuma necessidade de fazer isso. Essa foi a confirmação de que o compromisso com uma mulher me livrava do vício infame. O sexo com meretrizes, por si só, não era capaz de fazer isso. Talvez o compromisso do namoro me tornasse um homem realizado ao me fazer sentir ser realmente um membro sadio da raça humana. *** Ameaça de morte e saída da faculdade Poucos dias após minha separação de Márcia, o marido de minha última vítima me encontrou. Ele era tenente da polícia militar, acho. Foi assim: eu estava a caminhar pela Rua da praia de Icaraí, em Niterói, do lado oposto ao calçadão. Ele passou de moto com sua mulher na garupa bem do meu lado e, parando logo em frente, desceu e perguntou: “você se lembra dessa aqui?”. Eu estava perplexo, isso nunca acontecera comigo antes. Ele mostrou que estava realmente zangado e disse em alto e bom som “Eu pensei em arrancar seus olhos” e também “Eu sei que você mora na rua Domingues de Sá 422”, então eu pedi desculpas e sugeri que resolvêssemos aquela situação de algum modo civilizado. Ele respondeu que eu não tinha que pedir desculpas a ele, mas sim a mulher dele. E completou mandando que eu me ajoelhasse e pedisse desculpas à sua esposa e me pareceu que, se ela me desculpasse, ele também o faria. Então me senti momentaneamente aliviado, pois até aquele momento estava a pensar que eu seria morto ou apanharia muito. Fiz o que o tenente me disse. Me ajoelhei e pedi desculpas. Lembro bem de uma frase que usei, eu disse: “Eu mudei”. Então a mulher sorriu satisfeita e foram os dois embora. Mas antes de irem o tenente disse: “Agora desaparece!”. Ao contrário de sua mulher, ele não parecia nada, nada satisfeito com sua vingança. No caminho de volta para casa eu pensei como tinha sorte por ter escapado da ira do tal marido. Pensei que poderia ter sido morto ou ter apanhado muito. Meu primeiro sentimento foi o de alívio. Mas ainda bem antes de chegar em casa, passei a ter muito medo. Afinal, nada poderia garantir minha segurança se o tenente quisesse ir ainda mais longe. Ele sabia meu endereço e era um tenente da polícia militar. Se me matasse ou mandasse alguém me matar, jamais seria preso por isso. Seu crime estaria plenamente justificado diante dos outros policiais, militares ou civis. A polícia civil dificilmente apuraria a contento um crime cometido por um tenente da polícia militar em tais circunstâncias. Eles, quase todos casados, pensariam “no lugar do tenente eu faria até pior”; na verdade, eu me coloquei no lugar dele e disse a mim mesmo que faria ainda muito pior. Mesmo se a polícia civil apurasse o crime, o juiz não o condenaria, haja visto o grande número de crimes terrivelmente escandalosos em que os policiais que os cometeram jamais vão para a cadeia. Esses raciocínios me terrificaram por muitos meses. A faculdade deixou de ter tanta importância para mim – afinal, eu poderia ser morto no dia seguinte. Pelo mesmo mau raciocínio, deixei de cuidar tão bem de meus dentes como fizera durante tantos anos ao sempre escová-los antes de dormir, por mais cansado que estivesse. Não tinha sentido cuidar dos meus dentes sabendo que poderia ser morto em poucas semanas. Por conta disso desenvolvi um mau hálito difícil de tratar. Não me sentia mais em segurança nas Eric Campos Bastos Guedes 47 O Povo Cego e as Farsas do Poder

ruas. Uma ou duas vezes acordei sobressaltado no meio da noite, com pesadelos. Esse inferno perdurou por cerca de seis meses. Tinha constantemente a sensação de que poderia ser morto a qualquer instante, inclusive dentro de minha casa. Havia também a dificuldade em sair da cama pela manhã, o que era uma tentativa de fuga dos problemas que criei para mim mesmo. Me atrasava para as aulas e para as reuniões da bolsa de iniciação tecnológico-industrial, passei a negligenciar meus estudos. Acabei perdendo duas bolsas de estudo do CNPq/FAPERJ, a matrícula na faculdade e nunca mais fui o mesmo. Eu me retraí completamente. Shanna havia deixado o trabalho no bordel para se casar com outro cara e eu perdera o contato com ela. Também não tinha mais Márcia Regina para conversar e me dar apoio. Passei o natal e o ano novo só e profundamente angustiado. Chorei no réveillon, no momento em que a TV mostrava o estouro dos fogos saudando o novo ano que se iniciava. De janeiro de 1997 até meados de 1999, fiquei cerca de 30 meses sem manter relações sexuais e parei definitivamente de tocar as mulheres na rua. Pelo menos estava curado de meu vício. Lembrava do conselho que Hilda Shanna havia me dado alguns meses antes de ter tido problemas com o tenente: “Eric, tem muita gente má neste mundo!” - disse ela para mim, tomada de surpresa e preocupação sincera ao saber de meus hábitos sexuais reprováveis. Seu rosto era de temor ao saber que eu me engraçava com mulheres que não conhecia. Jamais alguém manifestara uma tal preocupação sincera assim comigo. Hilda Shanna não era uma mulher comum. Era especial. A ameaça que sofri do tal tenente me ensinou uma coisa. Nem toda vagabunda é honesta, algumas são mulheres de militares. *** 1998: tentando retornar à UFF Tentei voltar a UFF em 1998, sem sucesso. Naquela época começara um tratamento com um novo remédio: a risperidona, um antipsicótico que passei a tomar no lugar do haloperidol. Eu já havia feito isso em 1994, na época em que fazia o pré-vestibular no Impacto e fora um desastre, mas achei que dessa vez seria diferente. A substituição do haloperidol pela risperidona me deixou cheio de energia e motivação. Passei a estudar muito mais e percebi que estava um pouco mais inteligente, entendendo mais e mais rapidamente a explanação dos professores. Era como se tudo a minha volta ganhasse um verniz de novidade e interesse maior. Meu retorno foi frustrado por um problema para o qual não estava preparado na época: o bulling universitário. O que ocorreu, me parece, foi um efeito adverso da risperidona que, como quase todos os usuários dela sabem, produz variadas alterações a nível de sexualidade. São três os efeitos colaterais mais comuns sobre a sexualidade que a risperidona pode produzir, conforme constatei numa pequena pesquisa no Orkut, pelo exame dos depoimentos dos usuários dela. O primeiro efeito é o mais comum dos três: a redução drástica dos impulsos sexuais e da vontade de fazer sexo – talvez isso seja observado na maioria dos usuários de risperidona; outro efeito, possível, mas muito menos comum é um grande aumento de prazer no ato sexual – só me lembro de um depoimento em que tal efeito fora mencionado; um terceiro efeito, também raro, observei por duas vezes: em mim mesmo e no depoimento de outro homem: a propensão à homofobia enquanto medo patológico de ser considerado homossexual ou bissexual por pessoas próximas. O medo de ser gay, para ser curto e grosso. Eu não tive nenhum desejo de me relacionar sexualmente com outros homens, Eric Campos Bastos Guedes 48 O Povo Cego e as Farsas do Poder

mas várias pessoas a minha volta passaram a sugerir de modo bastante claro que eu devia ser gay. A frequência desses comentários acabou me abalando bastante, pois naquela época eu não sabia como me proteger disso. Voltei a tomar o haloperidol e parei com a risperidona, mas os comentários continuaram devido ao boato já ter se estabelecido. Acabei saindo novamente da UFF. *** A garota de programa Sílvia, a mulher abacaxi e um adendo necessário Antes dos falsos boatos sobre minha sexualidade na UFF, eu não pretendia voltar a me relacionar com prostitutas. Preferia pensar que abster-me de sexo e, em particular, de minha atividade como putanheiro, me livraria da AIDS e de todas as outras doenças venéreas que se podia ter. Em certa medida, adotei a filosofia neurótica de que quem fazia sexo acabaria, em algum momento, contraindo AIDS. Passei a ver prostitutas e sexo casual como fontes inexoráveis de doenças venéreas. Eu não me relacionava mais com prostitutas naquela época e quem era descolado e tinha facilidade para ganhar as mulheres no papo, “deve acabar se infectando com HIV em algum momento da vida”, raciocinava eu. Enxergando nos outros a desvantagem de se fazer sexo, passei a ver como uma vantagem o fato neurótico de eu não ficar mais com ninguém. Isso mudou quando puseram minha identidade sexual em dúvida. Eu me senti carente dos carinhos de mulheres. Minha intenção era fazer parar as insinuações perversas que punham minha sexualidade em xeque. Deixar a UFF não foi o suficiente, pois os boatos se espalharam tanto que chegaram aos meus vizinhos, inclusive à alunos meus que eu tinha em alta conta (eu trabalhava com professor particular). Querer voltar a manter relações era, naquele momento, mais uma necessidade emocional do que propriamente sexual. Então, em 1999, voltei a me relacionar sexualmente. Encontrei nos classificados do jornal O Fluminense uma garota de programa chamada Sílvia, mas que atendia com o nome de Priscila. Ela não beijava na boca, mas fazia sexo anal. Tinha um jeito sapeca que eu apreciava muito e fazia o estilo ninfeta. Ela era uma daquelas garotas que eu sempre desejei ter na cama, nem que fosse só em sonho. Era descolada, independente, liberal e tinha um bom papo. Foi bom. Fiz um poema para ela, que transcrevo abaixo: Será loucura ou pecado À meia-noite ligar-te Pra gente fazer uma arte Pra ter você do meu lado? Espero ansioso na sala, Vigiando cada carro que passa, E chega brilhando, cheia de graça, A mulher que meus sonhos embala. Quando Priscila vem me visitar, À trabalho, certo, não esqueço disto, Pego a melhor roupa que tenho e visto, Pra logo depois ter que tirar. Priscila, Priscila, tu és uma rosa num jardim, Eric Campos Bastos Guedes 49 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Teus cabelos são como pétalas douradas E tua pele tem o aroma de frutas delicadas Priscila, Priscila, nunca diga adeus para mim. Ela só disse que seu nome era Sílvia depois que lhe mostrei o poema. Ficamos juntos muitas vezes e era sempre bom. Até que eu e minha primeira namorada, Márcia Regina – a mulher abacaxi – voltamos a nos relacionar. Nos casamos em julho de 2000 após ameaças, agressões e intimidações que visavam o estabelecimento de uma relação honesta e amorosa da qual apenas um de nós sairia vivo para contar a história. Demorei para entender muitas coisas. Creio que hoje tenho uma ideia mais concreta do que realmente seja um casamento. Faço aqui um necessário adendo: a expressão “mulher abacaxi” foi usada na mídia pouco depois de eu ter colocado a primeira edição dessa obra on line, em 10 de maio de 2009 no site www.docstoc.com. Naquela primeira edição o parágrafo precedente estava quase idêntico ao que você, leitor, viu agora a pouco. A grande sacada é que, enquanto eu utilizei a expressão “mulher abacaxi” para me referir a minha esposa problemática, a mídia utilizou, pouco depois de mim, a mesma expressão para se referir um certo travesti. Os grandes poderosos estão realmente preocupados comigo. Isso mostra que ainda ofereço perigo para eles. Se não fossem culpados, não se importariam comigo – quase toda a mídia de massa no Brasil toma parte nesse imenso e pouco entendido conluio para esconder a verdade e impedir que os verdadeiros culpados sejam punidos. *** Sobre a fidelidade conjugal A mídia zomba terrivelmente de maridos traídos, quase sempre dando uma forte conotação de ridículo ao fato. Os homens que se julgam bem casados com mulheres fieis devem entender que a eventual descoberta de uma traição da esposa é responsabilidade dela, e não de quem sofreu a traição. Se eu cometo um erro, a responsabilidade é minha, de mais ninguém. A vítima de uma traição jamais deveria se sentir tão mal, pois não foi dela que partiu o ato insidioso. Está claro para mim, hoje, que a fidelidade é importante, embora eu tenha passado um período pensando o oposto. O que está ocorrendo é que em vez da mídia valorizar a fidelidade, ela ridiculariza o marido traído ao chamá-lo de nomes feios como corno. Transforma, assim, uma vítima legítima num palhaço risível. Um grande problema foi criado midiaticamente: o conceito de corno – isto é, do ridículo marido traído. O paradigma que a mídia tenta impor é que o culpado pela traição é a própria vítima dela. Dizem, por exemplo, que “mulher não trai, mulher se vinga”. Querem dizer com isso que todo marido traído foi, ele mesmo, o artífice do erro da esposa e de sua própria infelicidade. Quantas pessoas morrem vítimas desse conceito? Quando um marido mata sua esposa ao encontrá-la com outro homem, não foi ele quem puxou o gatilho, nem foi sua mão que desferiu os golpes. Foi o conceito de corno pregado pela mídia que o fez. Foi a ridicularização midiática e equivocada do marido traído que desferiu os golpes e puxou o gatilho. Foram as ridículas piadas sobre cornos que mataram aquela mulher. O incrível é que as pessoas simplesmente não se dão conta disso. Tal coisa é obvia para mim. Afinal, ninguém quer ser corno, ninguém admite ser ridicularizado num assunto sacralizado como o amor e o casamento. Fiquei sabendo por conhecidos que meu próprio irmão teria ameaçado se jogar da janela do apartamento em que morava por ter ele descoberto a traição da esposa. Quando um marido mata a esposa, o motivo amiúde é a traição do cônjuge. O número de vítimas do conceito midiaticamente criado de Eric Campos Bastos Guedes 50 O Povo Cego e as Farsas do Poder

corno é imenso. Hoje mesmo assisti uma comédia chamada “Lisbela e o prisioneiro” em que o corno não só era ridicularizado como também demonizado, ao passo que o Ricardão da estória era enaltecido como grande herói da trama. A fidelidade conjugal é importante para evitar a contaminação do casal e de sua prole por doenças venéreas, desde que ambos os cônjuges sejam fieis. Não basta só o marido ser fiel ou só a esposa ser. Os dois tem que ser fieis um ao outro para evitar a contaminação por doenças, inclusive para evitar que os filhos que possam vir a ter nasçam doentes. É por esse motivo que a infidelidade conjugal é um pecado. Apesar da fidelidade ser um meio muito eficiente de evitar doenças venéreas, ela tem uma falha: podemos escolher nossas próprias ações, mas não as de outrem. Podemos adotar uma atitude de 100% de fidelidade ao nosso cônjuge, mas não temos como nos certificar plenamente de que nosso(a) parceiro(a) estejam fazendo o mesmo. Essa é a maior falha da adoção da fidelidade conjugal como meio de prevenção de doenças venéreas. Ainda assim, é um meio muito eficiente – e o mais tradicional – de evitar doenças. Entretanto, estou pesquisando uma forma ainda muito mais eficiente de evitar doenças venéreas sem a necessidade de casamento e podendo mesmo manter relações sexuais com prostitutas de modo muito seguro – muito mais seguro do que simplesmente usar o preservativo. *** Sobre o respeito Posso dizer que uma mulher tem que ser uma semideusa para merecer a fidelidade de um homem. Nenhuma das que conheci até hoje mereceu isto. Entretanto, meu dever é respeitar todas elas, não porque elas mereçam, mas porque eu mereço ser uma pessoa correta. Respeitar o próximo – merecendo ele ou não este respeito – é um ato de respeito a nós mesmos. Por outro lado, quem desrespeita outra pessoa deveria entender que sua atitude é, antes de tudo, um ato de desrespeito contra si próprio. Sempre que estivermos prestes a fazer algo que prejudique a saúde física ou mental de alguém, devemos nos fazer pelo menos uma pergunta: “a pessoa que ofendo pode se defender?” Se a resposta a esta questão for “não”, então estaremos sendo covardes ao infligir dano a alguém sem possibilidade de defesa. E se nossa covardia for descoberta pelas pessoas que amamos, podemos ser desprezados por nossos cônjuges ou, ainda pior, dar péssimo exemplo às crianças que nos admiram, tais como filhos e netos; por outro lado, se a resposta for “sim”, tenha muito cuidado!, porque quem sofre uma agressão, de qualquer natureza que seja, poderá vir a vingar-se de modo dramático. Quero acrescentar algumas palavras a respeito desta questão sobre a possibilidade de defesa da vítima. Se alguém não pode defender-se de uma agressão física ou psicológica e se ao mesmo tempo acreditamos que, por algum motivo, esta pessoa mereça punição, podemos ser levados a pensar erroneamente que estamos com a faca e o queijo nas mãos – e só falta fazer um banquete. A questão é que a aparente ausência de defesa de nossas vítimas nos informa que podemos agredi-las sem temer retaliações, ao passo que atribuir culpa ou merecimento de castigo a elas nos faz querermos machuca-las. Se podemos e queremos fazer algo, seremos levados a pensar que devemos fazer. As falhas desse raciocínio são, principalmente, as duas seguintes: em primeiro lugar a ausência de chance de defesa da vítima pode ser apenas aparente. O fato inconteste é que por mais inteligente e conhecedora que seja uma pessoa, não estará isenta de erro em todos seus julgamentos. E se atacamos alguém que pode revidar nos ferindo mortalmente, sem que saibamos da possibilidade de revide, corremos sério risco de sairmos muito machucados do embate, por sermos surpreendidos por coisas que Eric Campos Bastos Guedes 51 O Povo Cego e as Farsas do Poder

não levamos em consideração ao avaliarmos a possibilidade de defesa da vítima. Um exemplo de inobservância desse fato simples ocorre vez ou outra nos EUA, quando estudantes vítimas de bulling decidem ir à escola armadas e promover um banho de sangue. Após se sentirem vingadas por toda humilhação que sofreram costumam tirar a própria vida. Estranhamente, a mídia não relaciona o massacre escolar com a prática de bulling. A imagem que fica é de um crime imotivado, sem explicação e cometido por loucos. Muitas vezes o que houve foi uma verdadeira vingança kamikaze, em que os assassinos-suicidas não toleraram mais as humilhações e agressões emocionais dos outros alunos. Acrescento a isto algo que poder-se-ia chamar de vingança dos sobreviventes. Se prejudicamos pessoas que, apesar de não poderem defender-se por si próprias, tem o amparo de outras que podem, estaremos em sérios apuros. Um grande exemplo disso foi Adolf Hitler, que precisou se matar para fugir da ira de todas as pessoas que sofreram os horrores do nazismo. Se Hitler tivesse sido capturado com vida, ele teria sofrido muito nas mãos de seus oponentes e, então, teria sido executado. O que destaco é que o grande erro de Hitler foi muito parecido com o que chamamos pecado original. *** O pecado original e o grande erro de Hitler Se lermos o livro de Gênesis atentamente, perceberemos que Deus Jeová não ordenou que Adão não comesse da árvore do conhecimento do bem e do mal – tratava-se muito mais de um conselho do que de uma ordem. Para esclarecer citarei os versículos 16 e 17 do capítulo 2 do livro de Gênesis, numa tradução católica de Ludovico Garmus (Bíblia Sagrada, 50° edição, editora Vozes) “16O SENHOR Deus deu-lhe uma ordem, dizendo: 'podes comer de todas as árvores do jardim. 17Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não deves comer, porque no dia em que o fizeres serás condenado a morrer. [grifos meus]” Se no versículo 16 o autor afirma, por ele mesmo, que se tratava de uma ordem, basta ler o versículo seguinte para verificarmos que, segundo as palavras do próprio Deus Jeová, citadas pelo autor, não era bem assim. De fato, Deus diz: “...não deves comer, porque...”. Ora, o uso do verbo dever na expressão “não deves comer” sugere que Jeová estava dando um conselho a Adão, e não exatamente uma ordem. Esse argumento é reforçado pela palavra “porque”, utilizada para explicar a razão pela qual Adão não deveria comer daquele fruto. Ora, uma ordem não necessita de explicações – tudo que se tem a fazer é segui-la. Imagine um general dizendo a um soldado: “engraxe minhas botas, porque... [e segue-se o motivo]”. O general não explica o motivo de sua ordem, ele não precisa fazer isso. E não precisa fazê-lo porque não tem que convencer o soldado das vantagens em lhe obedecer tampouco das desvantagens em lhe desobedecer. Note que Deus procura mostrar a Adão o motivo de seu conselho para que ele não comesse do fruto daquela árvore, alertando-o para as consequências dessa atitude. Seria essa a atitude de um general que ordena? O soldado que mata obedece a ordens, mas o filho é aconselhado por seu pai que o ama. E naquele contexto havia muito mais razão para Adão ser considerado filho de Deus do que alguma espécie de soldado. Afinal, se tratava do paraíso. Poderíamos pensar porque motivo Deus Jeová colocara tal árvore malsã numa Eric Campos Bastos Guedes 52 O Povo Cego e as Farsas do Poder

posição tão privilegiada e acessível à Adão e Eva. Se Deus não queria que Adão comesse do fruto proibido, poderia ter colocado a árvore do conhecimento do bem e do mal num lugar extremamente difícil de se chegar, por exemplo, cercada por muitos e densos espinheiros ou no interior de uma gruta afastada. Partindo do princípio de que Deus queria nosso bem, comecei a me indagar o motivo para o Criador ter colocado a árvore do conhecimento do bem e do mal no centro do Jardim do Éden. Me questionei então se Deus simplesmente não poderia deixar de ter criado a tal árvore. Porque ela fora criada? Ora, considerando que Deus Jeová queria o melhor para nós, ele não poderia criar uma árvore dessas sem que o motivo fosse justamente nosso bem. Então, a árvore do conhecimento do bem e do mal deveria servir, de algum modo, à felicidade do ser humano. Qual era a função daquela árvore? Como ela contribuía para a felicidade humana? Ora, ela tinha o papel preponderante de possibilitar ao homem mostrar gratidão a Deus por tudo que ele fizera por nós. Não comer do fruto daquela árvore era um excelente modo de Adão e Eva mostrarem gratidão ao Deus que lhes dera a vida. Se não temos gratidão a Deus pelo que possuímos, acabamos achando que não somos merecedores do que temos e passamos a não dar valor ao pequeno paraíso que Deus nos deu. E se não damos valor ao que possuímos, seremos miseráveis, ainda que cobertos de ouro e joias preciosas. Quando Adão e Eva comeram do fruto, seus olhos se abriram, pois deixaram de se achar merecedores do paraíso. Ao morderem a maçã perceberam que não teriam mais como mostrar gratidão a Deus por estarem no paraíso. E então o perderam. O que é que isso tem a ver com Hitler ou com a questão da possibilidade de defesa da vítima? Eu diria: muita coisa! Faltou a Hitler e a Adão importarem-se com as consequências de suas decisões para os outros. Se Adão tivesse refletido sobre como Deus Jeová se sentiria ao ser desobedecido, não teria comido do fruto. Se Hitler tivesse se colocado no lugar de suas vítimas e pensado sobre quanto sofrimento suas decisões trariam para as pessoas, talvez não tivesse feito o que fez. Tanto Adão quanto Hitler queriam fazer o que fizeram e, acreditaram que podiam fazer. Não há nada de errado em acreditar que se pode fazer algo. Quanto mais coisas acreditamos poder fazer, mais coisas seremos de fato capazes de fazer. O problema não é termos ou não a capacidade de fazermos coisas, mas sim querermos fazer. Há um ditado que diz: “Cuidado com o que você deseja, você pode conseguir”. Quando prejudicamos outras pessoas não pensamos, em geral, no bem estar delas. Pensamos primeiramente se queremos prejudicá-las, se vamos nos sentir bem ao fazer isso. Depois pensamos se podemos fazer o que queremos sem que nossos atos tragam consequências ruins para nós mesmos. A grande falha é concluir que se queremos e podemos ferir outras pessoas, então é o que devemos fazer. Esta é, na minha opinião, a essência do pecado original, que estamos a cometer já há milhares de anos. *** À procura de compromisso I - Proposta à Sílvia/Priscila Apesar de estar comendo a Sílvia, só isso já não bastava para mim. Ela cobrava R$70 por duas horas de programa, mais R$10 para pagar o táxi, e esses valores me impossibilitavam manter uma vida satisfatória do ponto de vista da frequência de relações sexuais. Naquela etapa de minha vida eu necessitava de uma vida sexualmente mais intensa. Afinal, eu era um jovem de 28 anos, cheio de saúde e energia e que não tinha emprego e havia abandonado a faculdade. Também não estava satisfeito com os comentários maliciosos da vizinhança sobre minha sexualidade, que chegavam à meu Eric Campos Bastos Guedes 53 O Povo Cego e as Farsas do Poder

conhecimento por minha tia Vera Lúcia. Foi nesse contexto que passei a buscar ter sexo a um custo mais baixo, numa frequência maior e com alguém que pudesse me dar filhos e a respeitabilidade de um compromisso de caráter marital. Minha primeira tentativa nesse sentido foi propor a Sílvia que viesse morar comigo como se fôssemos marido e mulher. Ela respondeu de pronto algo como: “morar junto é juntar os problemas”. Disse isso com bom humor e com um sorriso no rosto. Na certa estava acostumada a receber e a recusar propostas dessa natureza de seus muitos clientes. *** À procura de compromisso II – A negativa de Jaidene Diante da negativa, tentei firmar compromisso com uma garota chamada Jaidene, que conheci em conversas (chats) pelo então mais popular programa de comunicação on line, da Internet: o ICQ. Jaidene e eu conversamos durante várias semanas até que ela me chamou para ir em seu apartamento na cidade de Governador Valadares, em Minas Gerais. Ela era filha de um pastor evangélico e também professava essa fé. Fazia faculdade de farmácia, trabalhava numa drogaria e ganhava bem. Tinha a pele branca e era fofinha, mas não era gorda. Peguei um ônibus no Rio de Janeiro até Governador Valadares, viajei a noite toda e uma boa parte da manhã do dia seguinte, num total de 12 horas. Achei que, por Jaidene morar só e ter me chamado para passar uns dias em seu apartamento, seria muito fácil passar o ovo nela e depois ter uma relacionamento de fato, com filhos, casamento, compromisso etc. Mas, como em qualquer jogo, o jogo do amor tem resultados imprevistos e simplesmente não houve química – a não ser a química do Tegretol/Carbamazepina, que esqueci de trazer de casa e que, por estar eu dependente desse estabilizador de humor e ter deixado de usá-lo, me levou a apresentar um comportamento menos ajustado do que devia. Jaidene me recusou como amante e não nos relacionamos sexualmente; também não nos beijamos na boca e não rolou nenhuma intimidade física – porque ela não quis. Teve um momento em que nós nos desentendemos e ela ameaçou me por para fora de seu apartamento. Foi muito desagradável e eu chorei. Ela, ao contrário, riu. A falta do interesse dela em ter sexo comigo me transformou, quase automaticamente, num objeto absolutamente descartável. Uma vez coisificado, eu não tinha mais nada que pudesse interessar a Jaidene, então ela se sentiu a vontade em me humilhar. Contudo, momentos depois de rir de minhas lágrimas desesperadas, Jaidene deve ter pensado nas possíveis consequências do que sabia estar fazendo; deve ter se lembrado das histórias e casos relatados pela mídia nos quais pessoas que se conheceram pela Internet e se encontraram face a face acabaram protagonizando verdadeiras tragédias. E, procurando se assegurar de que não sofreria nenhuma consequência por sua atitude, me disse em tom sério, com um q de temor: “Acho que você vai se esquecer rápido de mim”; e pediu para que eu apagasse seu nome de meu computador, depois que voltasse para casa. Eu respondi: “Vai ser difícil esquecer você”. Depois que voltei para casa, liguei para Sílvia e falei a ela sobre minha frustração amorosa. Bem humorada e sem-vergonha ela me disse: “Acho que você precisa é de uma boa massagem!” Dito e feito. Chamei Sílvia para um programa e foi a melhor transa que tive com ela entre todas as outras. *** À procura de compromisso III – O casamento com Márcia Eric Campos Bastos Guedes 54 O Povo Cego e as Farsas do Poder

No início do ano 2000, Márcia telefonou para casa de minha tia. Eu havia perdido o contato com Hilda Shanna e os programas com Sílvia/Priscila se mostravam onerosos e, principalmente, arriscados. A ideia de contrair AIDS nessa época me alarmava muito mais do que na época de Hilda, pois uma tal infecção proveria munição pesada e inesgotável aos meus detratores, que sobre minha sexualidade, poderiam dizer aos meus amigos “viu? Eu não disse?” Uma minha contaminação por HIV faria a festa de meus inimigos e, definitivamente, tal ideia me horrorizava. Nesse contexto, uma relação com Márcia poderia ser muito bem vinda, pensava eu. Combinamos dela vir me visitar. Tentaríamos reatar, admitindo que poderíamos ter amadurecido e nos tornado pessoas mais compatíveis. Márcia chegou em Niterói no mesmo dia que minha avó Dermontina completou 86 anos de idade: dia 11 de fevereiro de 2000. Ela havia mudado bastante, estava mais dócil, mas ainda assim brigávamos muito. Logo concluí que não queria me casar com ela; a ideia do casamento me remetia a ideia da falta de liberdade e de tempo para me dedicar a minhas pesquisas na área de Matemática. De fato, naquela época eu estava bem no meio de uma série de intensas e instigantes pesquisas sobre fórmulas para números primos 17 que empreendia sob a orientação livre do professor Jorge Petrúcio Viana – doutor em Matemática e catedrático da UFF. Não pude fugir novamente do compromisso do casamento e diante disso sofri um episódio de depressão, logo diagnosticado por Dr. Eugênio Lamy e prontamente tratado com fluoxetina. Márcia e eu nos casamos em 15 de julho de 2000, numa cerimônia na Capela Santa Rosa de Viterbo, em Santa Rosa. *** Sobre Luiz Antônio e Greiciane Antes de me casar, e durante muito tempo depois, eu queria ser fiel e honrar o compromisso que assumi. Eu apontava um casal idoso na rua e dizia para minha esposa Márcia Regina: “Olha. Nós vamos ficar juntos até nosso cabelo ficar daquela cor”. Só que minha mulher não pensava assim. Em 2006 ela me deixou só. Vivíamos juntos, porém não nos relacionávamos mais sexualmente. Ela preferia dormir com uma amiga chamada Greiciane Souza da Silva (também conhecida como Greiciane da Nascimento de Souza). Greice, ou Ci, como a chamávamos, tinha a pele parda, os cabelos curtos e crespos e era gordinha. Márcia e Greice se conheceram em 2005, num desses serviços telefônicos feitos para “fazer novas amizades”. Greice havia se apresentado como se fosse um rapaz e marcou um encontro com minha esposa. Fiquei sabendo disso depois, claro, porque Márcia sabia que eu não consentiria com tal coisa. Naquela época, Suenne, uma irmã de Márcia, morava conosco. Suenne se sentiu muito pouco a vontade com a presença cada vez mais frequente de Ci em nosso lar. Teve uma noite em que a briga estourou na forma de uma discussão escandalosa. Sol (apelido pelo qual também era chamada Suenne) não se conteve mais e fez um comentário sobre a diferença entre o tamanho das unhas da lésbica “fêmea” e da “macho”. Suenne acabou colocando em pauta, ostensivamente e de modo acusatório, a possibilidade – e até a certeza – de que Greiciane fosse bissexual e
17 Essas pesquisas viriam a ser disponibilizadas na Internet por mim em 2009, na forma de um e-book em formado pdf. O título desse e-book é Fórmulas para Números Primos e pode ser encontrado numa busca no Google. Trata-se do mais importante trabalho já publicado sobre esse tema, apesar de conter alguns erros introduzidos por hakers. Sites: www.docstoc.com e www.scribd.com .

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de que estaria iniciando uma relação desse tipo com Márcia. Minha esposa e sua nova amiga se posicionaram contra Suenne e sua colocação, que consideraram ofensiva. Eu interpretei o posicionamento de minha cunhada Sol como um protesto por ela ter sido posta de lado por Márcia após minha esposa se tornar amiga de Ci. Naquela época, era patente o desrespeito e o desprezo que minha cunhada ostentava em relação à Márcia. Diante disso, minha esposa fizera sérios esforços para conseguir a amizade de sua irmã, além de já a estar acolhendo em seu lar e lha proporcionando comida, roupa lavada e algum conforto. De fato, Suenne tinha seu próprio cantinho lá em casa, com computador e acesso a Internet. Também trabalhava fora e fazia faculdade, mas sua recusa contumaz em reconhecer Márcia como chefe de casa e como uma amiga dedicada acabaram fazendo com que minha esposa desistisse de ajudar e amparar Suenne, o que levou minha esposa a buscar amizade em outro lugar. *** O pequeno Luiz Antônio Greice tinha um filho que eu estimava muito e ela também demonstrava bom humor e interesse em nos ajudar, razão pela qual não tive dificuldade em aceita-la em minha casa. Eu me preocupava com o filho de Greice como se fosse o meu próprio. Comprei um jogo com números para Luiz Antônio e toda noite jogávamos. O filho de Ci começou a aprender os números comigo. Também estimulei a memória e inteligência dele com jogos educativos no computador. Greiciane sabia de meu afeto por Luiz Antônio e, conta Márcia, queria e aprovava minha amizade com seu filho. Márcia nunca vira com bons olhos minha afeição pelo pequeno Luiz Antônio. Eu pensava se tratar de algum tipo patológico de ciúme. Quando a questionei a respeito de sua desaprovação quanto a afeição entre mim e Luiz Antônio, Márcia dizia, muitas vezes enraivecida, que essa afeição poderia ser confundida com pedofilia e que isso poderia me levar para a cadeia ou me fazer levar um tiro do pai de Luiz Antônio; dizia que Luiz Antônio não sentia nada por mim realmente e que era a mãe dele que mandava ele fingir que sentia, dizendo ao pequeno que me abraçasse, que me chamasse de pai etc; dizia que Luiz Antônio não era meu filho de fato e que ele nunca sentiria afeição verdadeira por mim; dizia que minha franca amizade com o pequeno poderia autorizar Greice a dar queixa de mim na delegacia, o que tornaria Greiciane uma chantagista em potencial – mas o único argumento de Márcia que eu realmente entendia era o da intimidação, com gritos, ameaças, beliscões, escândalos e uma careta tão feia que assustaria até o diabo. Apesar de tudo, minha dedicação ao filho de Ci deixava minha esposa livre de boa parte das críticas que eu pudesse lhe fazer. Por isso, talvez, eu tenha sido autorizado a dedicar alguns momentos à educação de Luiz Antônio. E durante algum tempo o exercício da paternidade proporcionado por Luiz Antônio compensou a ausência de Márcia. Eu estava feliz ensinando os números a ele e o considerava uma grande oportunidade para provar minha tese de que a inteligência é, principalmente, adquirida pela educação e pela estimulação – e não por atributos genéticos ou hereditários, que teriam, conforme eu queria mostrar, um peso muito menor do que se supõem. Devido ao fato de Luiz Antônio ter só três anos de idade na época (2006), ele poderia aprender muito comigo se eu me dedicasse à ensiná-lo. *** Mudança de paradigma Eric Campos Bastos Guedes 56 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Mas isso tudo durou pouco. Quando Márcia insistiu em me recusar sexualmente por dois meses, fiz um ultimato a ela: ou nós ficávamos juntos ou eu procuraria outra mulher. Ela deu de ombros e disse: “Procura...”. Pela primeira vez durante o casamento, procurei outra mulher – uma garota de programa. Brochei. Não satisfeito, chamei uma outra menina em casa e foi ruim. Eu realmente não queria trair Márcia, o que eu queria era a segurança do casamento, a segurança de poder me relacionar sexualmente com alguém sem ficar preocupado o tempo todo com doenças venéreas ou em ter que usar camisinha. Eu não queria me separar, mas também não queria ficar casado com uma esposa que se recusava a manter relações comigo. Então aconteceu algo realmente importante que mudou toda minha vida de modo definitivo. Comecei a me perguntar o que estava acontecendo. Eu nunca havia tido duas brochadas seguidas. Meu desempenho sexual era quase sempre muito bom. Então achei a resposta: os remédios que tomei durante mais de 20 anos estavam prejudicando minha saúde. As coisas começaram a se encaixar. A faculdade que eu não terminava, minha cara de retardado nas fotos que havia tirado recentemente, meu desempenho medíocre em provas importantes. Tudo isso começou a fazer sentido. A conversa que tive com um amigo meu, Cláudio do Espirito Santo, foi reveladora. Ele disse: “Onde é que você compra seus remédios? Não é na drogaria? Então taí. O que eles vendem para a gente são drogas. Tão prejudiciais quanto a maconha, só que legalizadas, com receita médica”. Eu senti que havia uma verdade importante aí, ao contrário dos demais comentários dele, sempre muito pessimistas, mas que eu conseguia refutar satisfatoriamente. Para esse comentário de meu amigo, entretanto, eu não achava uma réplica eficaz. Cláudio estava certo desta vez. *** O assassinato de minha avó Minha avó era uma pessoa correta, inteligente e católica. Ela gostava muito de mim e eu dela. Apesar de ter morrido com idade avançada, aos 91 anos, não foi isso que a matou. Minha avó foi morta por envenenamento causado por drogas psiquiátricas. A assassina era sua própria filha, Vera Lúcia de Campos. Minha mãe, Vanda Campos Guedes sabia da intenção de sua irmã Vera e permitiu que tudo acontecesse. A motivação do crime foi Dermontina ter descoberto, após uns 60 anos convivência, quem realmente era sua filha. Segundo me relatou minha esposa, Dermontina teria dito: “Finalmente descobri quem é a Vera”. Isso era bastante plausível, pois minha avó acreditou durante décadas que sua filha Vera ainda era virgem. Apesar de Vera já conhecer bem o coito, dizia a sua mãe ser virgem ainda e não ter mantido relações sexuais com outras pessoas. A virgindade de Vera já havia ficado pelos caminhos da vida, entretanto. Um dos dois namorados que a louca teve, Deraní ou Luciano, homens que manifestaram interesse em se casar com Vera, devem já ter traçado a louca. A farsa da virgindade era fator crucial para Vera manter a credibilidade junto a Dermontina, sua mãe. Imagino que, ao perceber a iminente queda do teatro que construíra por tantos anos, Vera tenha decidido por fim a vida de sua mãe. A estratégia da beata matricida era muito boa: convenceu a mãe a ir a médicos e, tendo comparecido também às consultas, manipulou os médicos para receitarem a Dermontina as assim chamadas drogas neurolépticas, visando obliterar a inteligência de minha avó e deixando-a dócil e obediente. Me foi relatado por Vera que Dermontina estava a se tratar com uma certa “doutora Zulima”, que atendia – segundo Vera – na Policlínica Sérgio Arouca (em Niterói, no bairro do Vital Brasil) onde, por sinal, eu fazia Eric Campos Bastos Guedes 57 O Povo Cego e as Farsas do Poder

meu “tratamento” psiquiátrico (com o Dr. Luiz Sérgio) e acompanhamento psicológico (com a “doutora” Camila Cordeiro Donnola) além de participar de oficinas de terapia ocupacional (com o “terapeuta” ocupacional Marcos Mota Murtha). Dermontina iniciou tomando umas poucas gotas de haloperidol o que era uma dose que se podia dizer ser pequena. Mesmo com dose baixa o uso de haloperidol foi seriamente danoso a ela. Uma vez “tranquilizada” por drogas psiquiátricas, Dermontina tornou-se presa fácil para sua filha psicopata. Sabendo que eu me importava com a saúde de minha avó, Vera a convenceu a se afastar de mim. Em meu aniversário de 33 anos, em maio de 2004, Vera já havia convencido minha avó a se afastar e, ainda que morasse bem perto, a menos de 250 metros de distância, Dermontina não veio a minha pequena reunião familiar como costumava fazer todos os anos. Estando eu a fazer a mesma idade com que Cristo fora crucificado, considerava aquele aniversário mais importante que os demais. No dia em que fazia anos, ao saber que minha avó não viria para a reunião, pelo que me lembro, telefonei para ela e sugeri que viesse de táxi, o qual eu teria prazer em pagar. Mas ela se recusou assim mesmo e então perguntei o motivo de tal recusa: “porque você não vem me ver vó?”, perguntei; e minha avó dizia que não “podia” ir, sem explicar o verdadeiro motivo. Soube por minha esposa Márcia Regina que, num dado momento, Dermontina pedira ajuda a sua outra filha, Vanda Campos Guedes (minha mãe). Minha avó teria implorado a Vanda que a levasse embora com ela, pois Dermontina não queria mais morar com sua filha Vera. Infelizmente, Dermontina também não sabia quem era Vanda, sua filha mais nova. Acompanhou-a por muitas décadas e não sabia de quem se tratava de fato. As vezes vivemos uma vida inteira com alguém sem saber realmente com quem estamos lidando. O rápido declínio das capacidades cognitivas de minha avó teve que ser “tratado” com o aumento da dose de haloperidol ou troca por medicação mais pesada. A grande mentira da psiquiatria engoliu Dermontina como a areia movediça engole suas vítimas. A perda das capacidades mentais de minha avó era considerada um sintoma de alguma doença que ela tivesse, e não um efeito adverso das drogas. Por isso, ao invés de retirarem a “medicação” que a estava lesando, aumentaram ainda mais a dose dos “remédios”. E isso só fez decair muito mais rapidamente a saúde cerebral de Dermontina. Somente fiquei sabendo do aumento brutal da carga de drogas psiquiátricas imposto a minha avó no seu aniversário de 91 anos. Por ter ela se afastado de mim, achei por bem me afastar um pouco dela também. Foi uma decisão errada que tomei e que acabou sendo fatal para Dermontina. Deveras, sem que eu estivesse por perto para saber do estado de saúde dela, em fevereiro de 2005 Dermontina já se tornara absolutamente incapaz de ações quotidianas básicas, tais como tomar banho, escovar os dentes, preparar um pequeno lanche e, até mesmo, caminhar e falar. Em seu aniversário de 91 anos fomos visitá-la no apartamento em que morava com Vera. Fiquei assombrado ao ver uma caixa de Neozine 100mg (Levomepromazina) já quase no final. O medicamento Neozine, naquela dose, é pesado demais para alguém com 91 anos de idade. Ficou claro para mim o porque de minha avó passar o tempo todo na cama e não levantar nem falar mais. Algum tempo depois ela foi internada num asilo, onde tomava pesada carga de medicações psiquiátricas, tal como o haloperidol. Cheguei a questionar junto a Vanda – que é minha mãe e filha de Dermontina – se havia realmente a necessidade de minha avó tomar remédios como o haloperidol (Haldol). Vanda argumentou que se não tomasse o Haldol, Dermontina podia tirar toda a roupa e ficar nua em pêlo e concluiu: “E o que você prefere? Que sua avó tome o remédio ou que tire toda a roupa?” Se Vanda me fizesse essa pergunta hoje eu diria que ficar nua não seria tão ruim para ela quanto tomar Haldol. Mas naquela época eu mesmo tomava Haldol e não conseguia conviver socialmente sem ele. Por isso acabei concordando com o raciocínio malicioso de minha mãe. Eric Campos Bastos Guedes 58 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Após algum tempo minha avó foi para um hospital. E lá morreu. Os médicos alegaram algo como derrame ou Alzheimer como causa mortis. Mas não chegou a meu conhecimento nenhum exame que pudesse confirmar isso de modo cabal. Nada de tomografias computadorizadas nem ressonâncias magnéticas. Quero acrescentar que minha tia Vera Lúcia já havia posto sua mãe Dermontina em risco de morte por pelo menos duas outras vezes. Numa ocasião, minha avó teve um problema sério na canela em que a região ficou bastante escurecida. Vera passou a tratar desse problema banhando a perna da mãe com substâncias medicinais. Entretanto, percebi que o problema não cedia com esse tratamento improvisado. Aconselhei enfaticamente Vera a levar sua mãe ao médico. Quando ela fez isso, o médico teria dito que se tivessem esperado mais tempo, Dermontina talvez tivesse que amputar a perna. Em outra ocasião, Vera levou sua mãe a uma médica ruim que lhe prescreveu um medicamento para o coração (ou para reduzir a pressão, não tenho certeza). Pouco tempo depois de iniciar o “tratamento” com esse remédio, minha avó esteve passando mal. Ao saber do mal estar de Dermontina, procurei me inteirar do que estava acontecendo e, tendo me sido dito estar minha avó a tomar remédio para o coração, recomendei de modo enfático que procurassem a opinião de um outro profissional, pois eu sempre soube que o sistema cardiovascular de Dermontina era excelente. Dito e feito. Ao pedirem o parecer de outro profissional, ele confirmou que Dermontina não deveria estar tomando aquele remédio e, de fato, ao interromper seu uso ela deixou de se sentir mal. Também quero acrescentar que a malícia e a perversidade encontram modos sutis de se manifestarem. O perverso dissimulado não pode sair por aí a exibir sua maldade como um pavão hasteando o rabo multicor. Se fizesse isto perderia seu poder de causar dano sem ser notado. O que caracteriza o perverso dissimulado é seu bom nome, influência e aparente bondade e compaixão – a verdade sobre seu caráter e suas intenções, entretanto, é bem outra. Esse tipo de pessoa tem tanto artifício e inteligência que é capaz de enganar seus familiares por muitas décadas. O caso da morte de minha avó demonstra bem isso. Foi o engano a respeito do caráter de suas filhas que a fez vítima fácil delas. Quando minha avó estava com 90 anos de idade, minha mãe comentou comigo que ela estava no nonagésimo primeiro ano de vida – na verdade ela frisou isto. Não entendi bem porque Vanda fizera tal observação de modo sublinhado, destacando -a com uma entonação diferenciada. Houve até um pequeno debate sobre isto. A ficha demorou a cair, mas depois de alguns anos entendi que dizer que sua mãe estava no 91º ano de vida tornava a morte dela psicologicamente mais aceitável que dizer que ela tinha 90 anos completos, afinal 91>90. Ela usara a mesma técnica muitos anos antes com a finalidade de tornar a morte de meu avô mais aceitável ao me dizer que só 1% das pessoas sobreviviam à cirurgia que meu avô estava prestes a fazer. Estranhamente, meu avô sobrevivera àquela cirurgia, mas suicidou pouco tempo depois. A questão que levanto é: ele suicidou ou foi “suicidado”? Fica aqui a dúvida. A morte de minha avó me ajudou a entender a grande fraude da psiquiatria. Passei a compreender que a medicina podia ser utilizada para matar pessoas. O que eu não sabia então era quão imenso se tornara o dano à civilização causado pela medicina e pelo endeusamento dos médicos, os quais tem quase sempre sido considerados como benévolos e isentos de erros. *** Ao parar os psicofármacos me torno uma potência sexual Eric Campos Bastos Guedes 59 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Em 2006, ao concluir a leitura de um livro chamado “Seja seu Maior Aliado” (de Kenneth W. Christian), iniciei uma redução gradual da medicação. Ao mesmo tempo, decidi praticar caminhada diariamente. Minha recuperação foi notável. Participei da Olimpíada Brasileira de Matemática nesta época e obtive menção honrosa, uma colocação inédita para mim em competições universitárias de Matemática. Também fui o sétimo colocado na IX Olimpíada Iberoamericana de Matemática Universitária em 2006, um resultado absolutamente surpreendente. Principalmente se se levar em conta que eu havia parado de estudar a anos. Porém, quase vim a falecer sem saber dessa minha conquista. Também por conta da redução da medicação passei a me sentir muito mais atraído pelas mulheres – e elas por mim! Certa vez uma amiga de minha esposa veio nos visitar e eu quis ela para mim. Chamava-se Neinha, era branca, magra, cabelos compridos e tinha trinta e um anos. Ela vestia shorts que deixavam seus encantos a mostra. Eu estava atraído por ela de um modo que jamais estivera por nenhuma outra mulher antes. Certa noite, Márcia Regina me deixou a sós com Neinha e aqueles foram os únicos minutos de minha vida em que me senti verdadeiramente vivo. Eu disse que ela era linda, percebi que ela sabia o que eu queria. Então Neinha começou a se sentir cansada e meio adoentada, como se perdesse as forças. De repente. Márcia arrumou o colchonete para ela no chão da cozinha. Eu estive vivo. Neinha doente e eu cada vez com mais saúde. Concebi a ideia de ter relações com ela, e acreditei que realmente poderia ter. Por conta dessa crença tive uma ereção fabulosa, mas sem chegar às vias de fato. O entumescimento de deveu exclusivamente à soma de meu grande vigor sexual, de meu desejo por Neinha e, principalmente à minha crença de que poderia ter relações com ela. Mas, antes que qualquer coisa que pudesse ser chamada de sexo ocorresse entre eu e Neinha, minha esposa estragou tudo. Márcia ia se encontrar com Greiciane naquela noite e queria que eu ficasse em casa. Por mim tudo bem, desde que Neinha também ficasse em casa. Ela já estava deitada, repousando, e assim que Márcia saísse, poderíamos brincar um pouco. Se minha esposa podia sair e fazer novas amizades, eu também tinha este direito. Teríamos um casamento aberto, então. Cada um tratando de resolver sua vida e encontrar outros amores. Teria sido o paraíso (ou talvez o inferno!). Mas Márcia estragou tudo. As pessoas são engraçadas. Elas traem, mas não admitem que o parceiro o faça. Foi uma confusão dos diabos. Naquela noite Márcia e eu acompanhamos Neinha até o ponto de ônibus. Depois, minha esposa disse para que eu voltasse para casa, pois ela iria sair com Greiciane e com Lu – o travesti cabeleireiro da casa ao lado. Mas eu me recusei a voltar para casa. Márcia Regina não podia acabar com minha noite e me deixar só. Foi me dando murros e socos enquanto caminhávamos sem rumo pelas ruas de Icaraí. Ela me xingava enlouquecidamente, dizendo os maiores disparates. Dizia que todos me chamavam de doido e louco pelas costas e que tinham medo de mim. Foi um escândalo. As pessoas que nos viam ficavam constrangidas, perplexas e curiosas. Depois que chegamos em casa, Márcia me disse: “Quem dormir primeiro, morre!”. Preferi levar a ameaça a sério. Fui para meu quarto e tranquei a porta. Ela forçou a entrada, mas ao perceber que a porta estava trancada, foi dormir. No dia seguinte, acordei bem cedo e decidi que não poderia mais viver com alguém assim. Sabendo que seria difícil pô-la para fora de casa, li um livro chamado “A Arte da Guerra”, de Sun Tzu. Foi muito útil e consegui botar Márcia Regina para fora. Usei mão de um recurso drástico: telefonei para a polícia militar e informei a situação. Não formalizei nenhuma queixa contra Márcia, mas quando ela se deu conta de que eu poderia fazer isso, preferiu ir embora. Depois disso minha situação viria a piorar muito. Sofreria ataques de pessoas falsas que fingiam ser indiferentes ou que fingiam ser Eric Campos Bastos Guedes 60 O Povo Cego e as Farsas do Poder

amigas, mas que estavam dispostas a fazer de tudo ao alcance delas para me destruir. ***

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Parte III
(Difamação e tentativas de homicídio - o ataque de inimigos ocultos)

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A AGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA COMO EXECUTORA DE HOMICÍDIOS CONSENTIDOS PELA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA (GOVERNO LULA/DILMA) ERIC CAMPOS BASTOS GUEDES: VÍTIMA E TESTEMUNHA E Márcia voltou Márcia e eu acabamos voltando a morar juntos. Não me lembro como foi isso, mas imagino que eu deva ter sentido misericórdia dela ao vê-la chorando e implorando para reatarmos. Devo ter resolvido dar outra chance a ela, afinal, ela fora minha única namorada e nosso amor tinha uma história de muita luta, sofrimento e superação. *** Intriga imobiliária Sou um dos donos de duas casas situadas uma ao lado da outra, nos números 422 e 424 da Rua Domingues de Sá, em Icaraí – Niterói – RJ. Minha mãe afirma que fez uma promessa de compra e venda para uma mulher de nome Norma, que viria a comprar a casa número 424. Mas Norma desistiu da compra e minha mãe teria feito outra promessa de compra e venda da mesma casa para um travesti cabeleireiro chamado Luciano. Ele é conhecido pela alcunha de Lu e ocupa a casa de nº424 desde de 2005 ou antes disso. Lu, segundo minha mãe, pagou R$20 mil como promessa de compra e venda da casa 424. Eu recebi 25% deste valor – R$5 mil – que foi a parte que me cabia. Assim que o juiz liberasse o alvará, a venda seria efetivada e eu poderia receber o resto do dinheiro, que planejava investir na compra de uma sala comercial em algum prédio do centro de Niterói. Minha intenção era ganhar algum dinheiro com o aluguel dessa sala. Entretanto, segundo minha mãe, o alvará jamais foi liberado e a espera já dura mais de 5 anos. O cabeleireiro Luciano18, conhecido pelo nome de “Lu”, está morando há anos na casa sem me pagar aluguel. Se a casa fosse vendida por cem mil reais, como minha mãe me informou que seria, eu teria direito a receber mais R$20 mil. Jamais vi um tostão deste montante, pois Vanda afirma que estamos esperando o alvará do juiz que ainda não liberou a venda da casa 424. Ela me mostrou um papel que indicaria que o pedido de alvará já foi e voltou das mãos do juiz umas 75 vezes, sem que se obtivesse a autorização para a venda ser definitivamente efetivada. Apesar de ter visto esse papel, hoje me questiono se o dinheiro já não foi pago, sem que eu ficasse sabendo de nada. Há bastante tempo o hospital Centrocardio quer comprar minhas casas. O último que se negou a vender foi Heraldo, dono de uma eletrotécnica próxima. Ele sempre disse que não venderia de jeito nenhum. Certa vez o Centrocardio pôs o lixo hospitalar em frente ao estabelecimento de Heraldo. Ele pegou o lixo e jogou no estacionamento do hospital. Heraldo acabou morrendo de um ataque cardíaco fulminante. Deve haver muito dinheiro em jogo para o Centrocardio querer comprar aquelas casas. Esse hospital já comprou umas três casas próximas. O problema é que eles não querem pagar o que as casas valem. *** Travesti versus mendigo Márcia havia saído um pouco para resolver alguns assuntos fora e eu estava sozinho em
18 Não confundir esse Luciano com o ex-namorado e ex-noivo de minha tia Vera Lúcia, também chamado Luciano.

Eric Campos Bastos Guedes

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casa. O telefone tocou e fui atendê-lo na sala. Era Márcia que queria falar comigo. Não ligou com nenhuma finalidade concreta, só para saber como eu estava mesmo. Então Lu me chamou no portão. Ele disse que ficara preso fora de “sua” casa, pois a porta fechara-se com a chave no interior. Era uma porta antiga aquela e não havia uma maçaneta do lado de fora que pudesse ser acionada para que se lhe abrisse. Exposto o problema, Lu me pediu para que “a” deixasse entrar pela minha casa de modo que “ela” pudesse usar uma escada para pular o pequeno muro que separava nossas residências nos fundos. Eu entendi o problema dela, mas não quis deixá-la entrar. Não poderia me prejudicar para ajudá-la. E se a deixasse entrar em minha casa sem que minha esposa estivesse lá, isto poderia por minha conduta em dúvida. Não seria bom para mim. Sugeri a Lu que chamasse um chaveiro, mas ela insistia. Enquanto discutíamos, o telefone tocou novamente e novamente era minha esposa. Falei com Márcia da situação que estava acontecendo e ela me disse que não havia problema em deixar Lu entrar. Eu discordava. Sem conversar mais nada de importante, nos despedimos e voltei para o portão para terminar de conversar com o transsexual. Lu insistia para entrar e eu tentava mostrar a ela o porque de não deixa-la fazer isso. Estávamos conversando quando surgiu um mendigo do nada. Ele levava consigo uma garrafa de pepsi-cola vazia e dirigiu-se a mim dizendo: “É a destruição da família”. Então Lu disse a ele em tom arrogante: “poderia nos dar licença? Estamos conversando!”. Mas o mendigo a ignorou e me pediu: “Estou com sede. Poderia colocar um pouco d'água para mim nesta garrafa?” Eu achei aquela uma ótima oportunidade para interromper a conversa constrangedora com Lu e pegando a garrafa vazia de Pepsi, fui buscar água para o mendigo. Quando voltei, ambos tinham ido embora. Lu acabou pedindo para um homem forçar a porta de “sua” casa e conseguiu entrar. O mendigo desapareceu sem deixar vestígios. Se é que era um mendigo. *** Um telefonema muito suspeito Eu recebo, desde 2003 ou 2004, uma pensão deixada por meu pai para o caso de algum de seus filhos se tornar legalmente incapaz. Minha incapacidade foi atestada legalmente por um perito nomeado pelo juiz. O perito baseou suas conclusões no fato de eu estar fazendo uso de drogas psiquiátricas há muitos anos, já ter sido diagnosticado como esquizofrênico por outro psiquiatra de renome (Eugênio Lamy), no meu vasto e duradouro histórico de crises e internações psiquiátricas (confirmadas por minha mãe) e também no exame que fez de mim. Em 2006, reduzi, por minha própria conta, a dose de algumas medicações psiquiátricas que me foram receitadas, e suprimi o uso de outras tantas. Com isso passei a me sentir muito melhor e mais ativo, tendo passado a ter um desempenho intelectual muito superior, o que me tornou possível voltar a ser premiado em Olimpíadas de Matemática. No início de 2007 também passei a querer tomar para mim as rédeas de minha vida. Na tentativa de ser mais independente, quis gerir eu mesmo minhas finanças e tomei posse do cartão bancário utilizado para retirar o dinheiro de minha pensão, que era depositado todos os meses em minha conta. Também quis movimentar o dinheiro de minha conta pela Internet, o que me permitiria ter mais conforto e poupar tempo na hora de pagar as contas de casa, tais como as de água, energia e telefone. Pensando assim, liguei para o Banco do Brasil para acertar alguns detalhes que me permitiriam ter uma senha que me possibilitasse fazer transações bancárias pela Internet. O telefone para o qual liguei foi: 0800-99-0001. Este número consta do cartão do Banco do Brasil. Na primeira tentativa estava ocupado. Na segunda ou terceira tentativa uma gravação pediu Eric Campos Bastos Guedes 64 O Povo Cego e as Farsas do Poder

para que eu ligasse para o número 0800-676-0001. Como esta gravação apareceu como resposta a uma ligação que fiz para o Banco do Brasil pelo número 0800 -99-0001, que constava de meu cartão, não desconfiei, na hora, que se tratava de uma armadilha. Liguei para o número indicado pela gravação (0800-676-0001), então. A atendente tinha uma voz macia e mais envolvente que o comum. Ela pediu que eu digitasse, no teclado telefônico, minhas senhas e outros números, para que ela pudesse me atender. No fim, após eu ter digitado algumas informações numéricas, ela disse que não seria possível fazer nada por mim, nem me dar qualquer informação. Desconfiei. Pensei em mudar a senha, mas era final de semana e o banco estava fechado. Liguei para o Banco do Brasil e fiquei sabendo que eles jamais tiveram o número 0800-676-0001 para o qual a gravação pedira que eu ligasse. Era realmente muito estranho. Liguei para minha cunhada Suenne Firmino Joaquim, em Santa Maria de Campos, e pedi para que ela ligasse para ambos os números 0800: o que constava no meu cartão do banco (0800-99-0001) e o que haviam me passado pela gravação (0800-676-0001). Ela conseguiu falar com o número que constava no cartão, mas não com o outro. Ao ligar para o Banco do Brasil e expor a situação, disseram-me que se eu quisesse proteger minha conta bancária, deveria invalidar minha senha, tentando números errados mais de 3 vezes seguidas. Preferi não fazer isso, paguei para ver o que poderia acontecer. Eu agira corretamente e não cometera nenhum erro. No meu entender, era menos provável que eu estivesse sendo vítima de um golpe de estelionatários, do que de um complô governamental. Raciocinei que estelionatários não teriam como interceptar uma ligação telefônica feita para um número legítimo e desviá-la para outro destino, como teria acontecido quando liguei para o número do banco (0800-99-0001) e ouvi a gravação pedindo para que eu ligasse para um número adulterado. Tentei localizar o telefone 0800-676-0001 pela Telemar, empresa telefônica responsável pela minha linha naquela época. Cada tentativa me conduzia a outro número telefônico, onde, teoricamente, eu deveria obter a informação desejada. Por fim, a última ligação me remeteu ao primeiro número que havia discado. Isso me fez considerar a possibilidade de uma trama de grandes proporções, envolvendo a Telemar e setores governamentais. Na segunda-feira fui ao Banco do Brasil e, examinando pelo caixa eletrônico, aparentemente estava tudo em ordem com minha conta bancária. Retirei R$400 e fui para casa. Isto foi em março de 2007. *** Problemas com Márcia Regina Desconfiei que a presença de minha esposa não estava me fazendo bem. Eu havia passado no vestibular para a UFF, no curso de matemática, mas não estava estudando como devia. Na verdade, não cheguei a estudar nada. Atribuí isto à presença de minha esposa Márcia, que interrompia amiúde meus estudos, dificultando muito minha concentração e aprendizagem. Sabendo que provavelmente seria interrompido, nem me dava ao trabalho de iniciar o estudo. Resolvi tentar viver longe de Márcia. Disse a ela que passasse um mês na casa de sua mãe, Dona Lúcia. Ao completar o prazo de um mês eu ligaria para ela e das duas, uma: ou diria que voltasse, pois não conseguia viver sem ela, ou terminaria nosso casamento, porque ela não me fazia falta. Márcia relutou muito e sentiu-se envergonhada Eric Campos Bastos Guedes 65 O Povo Cego e as Farsas do Poder

com sua situação. Ao que me parece, ela tinha medo de voltar para a casa da mãe como uma perdedora que fracassou no casamento. Perguntou angustiada: “O que as pessoas vão dizer, meu Deus? As minhas amigas, a minha família?!”. Também teve esse pensamento com respeito aos nossos vizinhos, que talvez pudessem achá-la uma perdedora. Mas eu não voltei atrás em minha decisão e levei ela com sua bagagem até um táxi. Quando eu dissera que ligaria para ela no fim do prazo de um mês, não estava sendo falso. Fui honesto ao querer saber se realmente viveria melhor sem ela ou não. Minha proposta de que Márcia passasse trinta dias longe não era um artifício para terminar a relação com ela, mas sim um meio de saber se o que sentia por ela era forte o bastante para valer a pena te-la de volta após um período de tranquila solidão. *** O retorno de Márcia Pus Márcia num táxi e disse a ela que fosse para casa de sua mãe. Depois que o táxi se foi, voltei para minha casa achando que teria paz o bastante para voltar a me empenhar em meus estudos universitários. Entretanto, logo fiquei sabendo que Márcia não fora para casa de sua Mãe, em Santa Maria de Campos, mas sim para o apartamento de minha tia Vera Lúcia, em Niterói mesmo. Nós conversamos pelo telefone e pensei comigo mesmo que não teria como obriga-la a ir para Santa Maria. Além disso, raciocinei, se Márcia e eu não morássemos sob o mesmo teto, talvez eu tivesse períodos de tempo suficientemente prolongados que me permitissem estudar a contento para a faculdade. A vantagem é que eu continuaria casado, tendo Márcia como parceira sexual e amiga, além de ainda poder ter um filho com ela, coisa que sempre quis. Eu e Márcia conversávamos todos os dias pelo telefone e acabamos marcando de nos encontrarmos para almoçar. Ela veio até minha casa e transamos. Depois desse dia, passamos a nos encontrar com muita frequência. Acabávamos sempre na cama, era ótimo. Eu ficava o tempo todo pensando sobre como seria meu próximo encontro com ela. Tínhamos uma fantasia em que ela fingia que era prostituta e eu fingia que era seu cliente. Acabei levando essa fantasia a sério demais e, depois da transa, passei a lhe dar um dinheiro, cerca de R$70. O resultado é que fiquei duro. Então pensei: “se Márcia voltar a morar comigo, poderei ficar com ela todos os dias sem lhe pagar”. Acabei lhe convidando a voltar para minha casa e ela logo aceitou. Infelizmente, as coisas não aconteceram do jeito que eu imaginava. *** Calúnia e difamação – a vingança de Márcia Espalharam mentiras a meu respeito. Não sei ao certo de quem partiram as infames calúnias que me atingiram. Dizer que a difamação partiu de um complô envolvendo minha mãe Vanda, minha esposa Márcia e minha tia Vera me parece um bom palpite. Isso me fez recordar o livro “O Processo” de Franz Kafka, que logo no início diz algo como: “Certamente espalharam mentiras sobre Josef K., pois naquela manhã não fora acordado para o desjejum pela senhoria, como de costume, mas sim por dois homens vestidos com jaquetas e calças compridas com vários bolsos e fivelas”. Na trama de Kafka o protagonista é acusado de um crime que ele sequer sabe qual foi. Procurando se defender, passa a investigar de que crime lhe acusam. Entretanto, ele não tem sucesso nesse intento e acaba sendo julgado e condenado, vindo a morrer sem saber Eric Campos Bastos Guedes 66 O Povo Cego e as Farsas do Poder

sequer do que estavam a lhe acusar. Eu também vivi uma tal situação kafkiana. E de tal sorte foram as injúrias contra mim que, enquanto caminhava pela calçada, em plena luz do dia, gritaram em minha direção do outro lado da rua: “VIAAAAAAAAADO!”. Eu nem olhei, mas percebi que outras pessoas se sobressaltaram, escandalizadas. Este tipo de coisa começou a me perturbar. A verdade é que eu não havia dado nenhum motivo para ser vítima de uma injúria dessas, proclamada aos berros na claridade do dia. Por que alguém faria isso? *** Intoxicação infame Em março de 2007, certa noite, minha mulher me deu algumas gotas, misturadas com água, que ela disse serem de haloperidol, um neuroléptico muito usado para o tratamento da doença de código F20, da qual, supostamente, eu seria portador (F20.9). Não consegui dormir de jeito nenhum. Meu esfincter ficou muito sensível, piscando descontroladamente. Eu não entendia o que estava acontecendo. Mas hoje está claro para mim que fui vítima de uma sórdida intoxicação provocada por minha tia Vera Lúcia de Campos. O recipiente de haloperidol em gotas que continha o líquido que me foi ministrado por minha esposa Márcia lhe fora dado por Vera Lúcia. Devia ser o recipiente de haloperidol que teria sido usado por minha avó. Está claro para mim que não era haloperidol o que aquele recipiente continha, mas sim algo muito diverso. Talvez uma substância adquirida em alguma sex shop que tivesse a função de causar um tal efeito anal. Por ter sido minha esposa quem me ministrou a substância, achei que era ela a responsável pela intoxicação infame. Tive essa suspeita por muito tempo, mas hoje, analisando os acontecimentos que se sucederam, penso que a verdadeira culpada é Vera Lúcia de Campos, minha tia matricida. *** Sob vigilância Antes de sofrer minha primeira internação de caráter político, eu já desconfiava que estavam me vigiando. Lembro que uma vez, ao olhar pela janela que dava para a rua, avistei um rapaz de bicicleta, parado em frente ao portão de minha residência. Ao perceber que eu o observava, ele foi embora, pedalando. Esse tipo de situação viria a se repetir pelo menos mais duas vezes nos anos seguintes. *** Internação na Clínica Santa Catarina Na noite do dia 2 de abril de 2007 fui internado na Clínica Santa Catarina, na cidade de São Gonçalo. Nas horas que antecederam minha entrada na clínica e durante toda minha estada lá, tive a certeza de que estava próximo da morte, de que havia pessoas que queriam me matar. Esse medo de algo que não se pode ver foi, possivelmente, provocado pela minha própria namorada e, provavelmente, teve o aval de minha mãe. *** Eric Campos Bastos Guedes 67 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Conhecidos de internação Assim que entrei nas dependências da Clínica Santa Catarina, no local destinado aos pacientes, a primeira pessoa que vi foi uma mulher jovem, muito bonita, atraente e com um olhar lânguido e docemente provocante. Ela vestia um short curto e sexy que a tornava ainda mais interessante. Entretanto, olheiras enegrecidas sugeriam o uso de tóxicos. Para piorar muito a situação, ela tinha uma barriga saliente, que não combinava com seu tipo físico. Provavelmente estava grávida. Um tempo depois, conheci lá uma senhora com idade entre 50 e 80 anos. Ela usava colares e brincos chamativos e se vestia como uma socialite, dessas que tem muito dinheiro. Fiquei me indagando se seus colares e brincos eram simples bijuteria ou não. Certa vez, ela me perguntou que doença eu tinha. Eu não queria dizer que tinha esquizofrenia, pois acreditava que quem tem essa doença é muito mal visto por todos. Então respondi que era bipolar, mas disse isto com fala intencionalmente rápida, tentando aparentar ser um bipolar na fase maníaca. Parece que não deu certo. Havia um outro sujeito internado lá chamado Arlei. Ele ficava movendo as mãos de um lado para outro, quase que o tempo todo. Na época me pareceu que Arlei não tinha doença alguma, apenas estava fingindo. Entretanto, hoje penso que talvez ele não estivesse simulando doença alguma, mas sim sofrendo de uma discinesia causada pelos próprios psicofármacos de que fizera uso. Uma hipótese plausível, já que não raramente me deparo com casos de discinesia decorrente da ingesta de medicação neuroléptica. Lá também conheci um tipo estranho, de cerca de 18 anos e que parecia não ter o que chamamos de consciência – agia como um autômato, sem autocrítica. Certa vez, durante uma das refeições ele me perguntou qual era minha religião. Eu respondi, constrangido, que tinha um lado espiritual independente de religiões. Ele se aproximou e, pondo minha cabeça contra seu peito, me disse qualquer coisa de que não me lembro. Fiquei imaginando que tipo de coisas as pessoas que estavam na cozinha – eram várias – estariam imaginando. *** A enfermeira Ana Paula e um episódio de minha adolescência Também havia a enfermeira chefe Ana Paula. Ela me lembrou uma Ana Paula que conhecera nos tempos de minha adolescência, em 1986. Naquela época ela devia ter uns 11 ou 12 anos e eu uns 14 ou 15. É possível que a enfermeira chefe Ana Paula fosse a mesma Ana Paula de meus tempos de rapaz, embora não tenha certeza disso. A Ana Paula menina que conheci tinha um comportamento sexual bastante promíscuo, na época, para sua pouca idade. Era uma ninfeta, mas muito diferente da Lola de Nabokov. Ana Paula tinha recursos tão toscos quanto eficazes. Vestia-se de modo provocante com shortinhos bem curtos e insinuava-se de maneira direta. Eu a queria alucinadamente. Não fazia ideia de como possuí-la, entretanto. Por outro lado, meu amigo Raphael já tinha se relacionado sexualmente com ela, segundo me contara. Eu o invejei muito e pedi indiretamente que ele me desse uma mãozinha para que eu também viesse a transar com Ana Paula. No entanto, Rapha ignorou esse meu pedido, coisa que me deixou chateado. Eu continuava a desejar Ana Paula e, um certo dia, no apartamento de meu amigo, ela estava deitada na cama dele e me lançou um olhar sensual. Naquela ocasião estávamos eu, Ana Paula, Rapha e sua irmã Raquel no quarto de meu amigo. Eu estava ávido por sexo e, ao ver a bacante oferecendo-se, agi irrefletidamente. Guiado por meus hormônios Eric Campos Bastos Guedes 68 O Povo Cego e as Farsas do Poder

joguei meu corpo sobre o dela, mas logo em seguida não soube o que fazer e fiquei inerte e sem graça pelo papel de bobo que acabara de fazer. Ana Paula se desvencilhou e pouco depois eu fui para minha casa. Ao me despedir de Raphael, perguntei o que ele achava do que eu havia feito com Ana Paula. Ele me disse que foi uma atitude ridícula, um papelão. Alguns dias depois voltei ao prédio de meu amigo e encontrei a devassa sentada no chão, ao lado de uma amiga. Então, tomado pela ira da grande frustração e sem saber como lidar com isso, banquei o imbecil e a agredi a ponta-pés. Tendo feito isso, subi para o apartamento de Raphael. O pai da menina era porteiro naquele prédio e estava trabalhando na ocasião. Ele foi até o apartamento de Rapha e me deu um soco no queixo, de baixo para cima. A mãe de Raphael me protegeu, felizmente. Ela se chamava Márcia e me acompanhou em minha saída do prédio, até uma distância segura. Márcia tinha personalidade forte e sou muito grato a ela por ter me protegido. O que quero dizer é que se eu tivesse, naquela época, a experiência e maturidade que hoje tenho, minha atitude teria sido completamente diferente. *** Roberto De todos os tipos com quem tive algum contato nessa minha última internação na clínica Santa Catarina, quem me chamou mais a atenção, e de quem mais me aproximei, foi Roberto. Ele era um sujeito calmo, na dele e de poucas palavras. Certa vez me perguntou: “Quer conversar?” Eu respondi que sim e entrei em seu quarto para tentar falar coisas que não queria que as enfermeiras e enfermeiros escutassem. Ele disse “Mas aqui não”; e eu perguntei “Porque?”; e então ele respondeu: “Porque aqui é meu quarto”. Eu saí e voltei para meu próprio quarto. O motivo para eu evitar a proximidade com enfermeiros e enfermeiras foi ter a sensação de que eles eram, em algum sentido, meus inimigos e oponentes perigosos. E isto se mostrou ser uma verdade surreal. Roberto era branco, tinha 1,79m de altura e cerca de 80kg. Seus cabelos eram pretos ou castanho-escuros e ele me disse que era analista de sistemas. Disse também que tinha uma filha chamada Aline, com 9 (nove) anos na época (em abril de 2007). Roberto tinha uma camisa com a foto de sua filha, que era branca e tinha cabelos pretos ou castanho-escuros. *** Suspeitas de abuso No início de minha estada na Clínica Santa Catarina, devido às injeções intramusculares de antipsicóticos, ou seja lá o que eles tenham me dado, fiquei com o intestino preso. Eu havia reclamado sobre isso com Márcia e com o Drº João Henrique Pinho Maia. Um dia, ao acordar, percebi que minha bunda estava cagada. Estranhei, pois não me lembrava de ter ido ao banheiro defecar. Talvez eu tivesse esquecido disso devido ao uso de antipsicóticos. Ou talvez fosse outra coisa. Impossível saber ao certo. Meu plano de saúde me dava direito a um acompanhante em minha estada na Clínica Santa Catarina e Márcia ficou comigo, dormindo em meu quarto, nesse período. Certa noite acordei momentaneamente com um ruído. Notei que havia alguém próximo à minha cama, atrás de mim, colocando luvas. Devia ser Márcia, minha esposa, pensei. Ergui o braço esquerdo como se alguém pudesse me puxar para cima e me tirar daquele inferno. Então adormeci. Eric Campos Bastos Guedes 69 O Povo Cego e as Farsas do Poder

*** Nossas senhas nas mãos do governo Márcia Regina me pedira a senha de meu cartão bancário. Ao começar a escrevê-la, me interrompeu quando faltavam dois dígitos. Minha senha era 29161369 e eu havia escrito 291613. A senha era a justaposição de dois quadrados perfeitos (2916 = 54x54 e 1369 = 37x37). Alguém que não conhecesse os quadrados perfeitos dificilmente desconfiaria. Eu, por outro lado, conhecia – e ainda conheço – todos os quadrados perfeitos entre 0 e 10000, pois me dedicara, paciente e persistentemente, a memorizá-los19. Pouco depois do episódio da senha, uma das enfermeiras da clínica Santa Catarina me pediu para que eu a ensinasse a extrair a raiz quadrada. Concordei. Então ela pegou seu caderno e escreveu o número 169 e, ao colocar o sinal da raiz (  ) aplicado sobre o número 169, continuou o traçado sem tirar a caneta do papel, vindo a circular o número 69, formado pelos dois últimos algarismos do 169. Eram esses os dígitos que faltavam para completar a senha. Como ela descobrira? Não há outra resposta senão a espionagem. E não há nenhuma senha bancária segura num país corrupto como o nosso. Qualquer senha pode ser obtida por meios escusos nos computadores dos bancos. Porque haveria de ser diferente? Basta lembrar o caso do caseiro Francenildo, que derrubou o ministro Palocci (ex-ministro da fazenda do governo Lula). O pessoal da ABIN escarafunchou a vida de Francenildo para encontrar qualquer coisa que servisse para acusá-lo e desmerecer seu depoimento. Ninguém foi punido pela quebra de sigilo bancário do caseiro. Porque, então, haveriam de punir as pessoas que quebraram meu sigilo? Ao reportar o caso do Palocci e do Francenildo, a mídia fez parecer que havia um grau de segurança para senhas e para contas bancárias que de fato não existe. É coisa trivial para a ABIN saber cada uma das senhas de todos os cidadãos brasileiros. E faz isso tanto com senhas bancárias quanto com senhas da Internet. Logicamente, esse é o tipo de coisa que o governo e a cúpula mundial de poder não quer ver noticiado pela mídia. Pelo menos não num país dito democrático. *** Tentativa de fuga As drogas que me ministraram na clínica Santa Catarina me deixavam num estado de medo contínuo. Era como se quisessem algo de mim, algo que talvez eu pudesse trocar por minha vida. Eu já percebera que coisas estranhas estavam ocorrendo: minha senha bancária descoberta por outrem, sabe-se lá como; o episódio da gravação e da ligação para um número telefônico que deveria ser do Banco do Brasil, mas não era; o tratamento diferente que estava recebendo de Márcia e de Vanda; a sensação de que eu não sairia vivo de lá, coisa que nunca sentira de modo tão intenso e persistente em nenhuma outra internação etc. Tamanha foi a angústia e desespero de me sentir cercado por inimigos que tentei fugir. Márcia Regina, minha namorada, falou que sabia uma hora que eles deixavam a
19 Uma tal memorização foi feita com o valiosíssimo auxílio do programa educacional Teach 2000, que tem a função de nos ajudar a memorizar lista de itens, tabuadas, significado de palavras etc. Meu interesse em decorar todos os quadrados perfeitos até dez mil vinha desde a época em que eu fazia o curso Kumon de matemática com o professor Faraday. No entanto, essa minha ambição foi refreada pelas drogas psiquiátricas e só voltei a me empenhar na memorização dos quadrados perfeitos após reduzi-las e passar, em decorrência dessa redução, a ser muito mais motivado para atingir minhas metas.

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porta da clínica aberta, e que, nesse horário, eu poderia fugir. Num certo instante ela me fez um sinal de que os portões da Clínica estavam abertos. Tentei uma fuga. Desci até a sala de estar e abri a porta, que estava só encostada naquele momento, mas que estaria trancada em outra ocasião e segui em frente. Passei por algumas pessoas de aparência estranha e me aproximei de outra porta. Ouvi um barulho alto que lembrava uma motocicleta acelerando. “Devem ter arrumado alguém de moto para me ajudar a fugir”, pensei. Quanto mais eu me aproximava da segunda porta, mais o barulho ficava alto. Mas a porta estava trancada. Pulei o muro. O ruído ficou muito mais alto. Para minha surpresa havia ainda outro muro para pular. Agi rapidamente e pulei o segundo muro. Já fora da clínica, estranhei que o ruído tão intenso de moto havia se dissipado. Vi uma das enfermeiras fora da clínica e ela me reconheceu. Então corri em direção ao veículo que mais lembrava uma moto: uma bicicleta guiada por um adulto e com uma criança na garupa, que quase derrubei. Fui recapturado e retornei à clínica. Mais tarde liguei as coisas e concluí que o intenso ruído que ouvi não era o de uma motocicleta, mas sim de uma motosserra, que seria usada, possivelmente, com finalidade criminosa, conforme concluí algum tempo depois. Essa ideia estava equivocada, coisa que somente descobri anos mais tarde. *** O verde-esperança Naqueles dias, Márcia deixara de passar algumas noites comigo em meu quarto na clínica Santa Catarina. Ela vinha me visitar na clínica sempre com um detalhe verde no trajar – interpretei esse verde como a representação da esperança. Talvez ela quisesse me dizer, com os detalhes verdes de suas roupas ou acessórios, que havia uma esperança para mim. Certa noite ela veio e não tinha mais nenhum detalhe verde em sua roupa nem em nenhum acessório. Minha esperança ameaçou me abandonar. Nessa ocasião estávamos lanchando (ou talvez jantando) no refeitório do hospício quando reparei no detalhe verde da camisa de Roberto. Assim como a esperança costuma insistir em sobreviver, de modo muitas vezes irracional, acabei querendo me convencer de que a esperança estava, agora, em Roberto. Passei a querer acreditar que Roberto talvez fosse alguém com quem eu pudesse aprender algo. Do mesmo modo que ele me disse que não poderíamos conversar no quarto dele, eu fiz o mesmo com o autômato sem consciência que havia entrado em meu quarto. Disse a mesma coisa para o outro interno que havia entrado no meu quarto. Fiquei estranhamente satisfeito em ter aprendido isso. Por este motivo, Roberto subiu no meu conceito. Então, inesperadamente, aconteceu o surreal. *** Roberto esquartejado? Márcia se divertia a valer comigo. Arrebentou meu livro “Topologia dos Espaços Métricos”, partindo-o em dois pedaços diante de mim. Depois me apresentou um livro de auto-ajuda cujo título era “Seu Balde está Cheio?” – achei que ela queria chutar o balde e estava certo, pois pouco depois a sereia me disse que iria dormir no motel. Eu não podia dizer nem fazer nada. Estava acabado. Dependia dela para sair da clínica e por este motivo era obrigado a dizer amém para aquele demônio. Anoiteceu e ela foi embora. Era noite e eu estava deitado em meu quarto quando ouvi barulhos vindos de fora Eric Campos Bastos Guedes 71 O Povo Cego e as Farsas do Poder

– aparentemente Roberto havia levado um tombo, pois ouvi um som surdo de algo que parecia ter caído e batido no chão. Fui verificar o que acontecera e percebi movimentação no quarto dele (ele ficava no quarto C e eu no B, logo ao lado). Quando olhei para dentro do quarto de Roberto, o vi estirado no chão, próximo à cama, tentando levantar a cabeça, porém com o resto do corpo imóvel. Alguém que não identifiquei, mas que devia estar dentro do quarto dele, gritou "Ele está tentando levantar a cabeça!". Foi quando Ana Paula, a chefe da enfermagem, saiu do quarto de Roberto levando, se não me falha a memória, um material que servia, presumivelmente, para aplicar injeções. Quando ela passou por mim, perguntei: “Está tudo bem com Roberto?”. Ana Paula me ignorou e continuou seu caminho a passos ligeiros. Retornei a meu quarto e fiquei imaginando o que estaria acontecendo. Foi quando ouvi bem forte, durante três ou quatro segundos, o mesmo barulho que tinha ouvido em minha desastrada tentativa de fuga. Mas desta vez eu sabia que não era o ruído de uma moto. O ruído era bastante alto e aparentemente vinha do quarto de Roberto. Pelas circunstâncias, concluí que deveria ser o barulho de uma motosserra. Na hora veio biblicamente na minha cabeça o pensamento: “Que a esquerda não saiba o que fez a direita!” Apesar de estar fora do contexto em que originalmente ela surgiu, a citação bíblica mostrou ter grande valor, pois foi uma sugestão bastante convincente de que eu deveria manter segredo sobre o ocorrido. A citação teve muito mais valor do que eu poderia atribuir a ela anteriormente. Para permanecer vivo, e entendendo que expor minhas suspeitas seria motivo para ficar mais tempo no hospício, fingi não ter visto nem ouvido nada. *** A evolução de minha fé Desde os 12 ou 13 anos eu já acreditava em Deus. Era como se a ideia da morte fosse tão absurdamente ruim que não poderíamos simplesmente morrer e jamais voltar a viver. Se a vida não é eterna, que sentido há nela? Com o passar do tempo, a crença na vida eterna tornou-se mais forte que a crença na existência de Deus. Na minha cabeça, a ideia de Deus acabava, cada vez mais, associando-se à má impressão que eu tinha de minha tia Vera e ao proceder antipático de minha mãe que, invariavelmente, preferia ir à missa à ter que me dar alguma atenção extra. Contudo, minha fé em Deus nunca desapareceu por completo. Nunca acreditei na perfeita factualidade do texto bíblico: ele teria sempre que ser corretamente interpretado. No meu entender, o valor do texto bíblico não estava tanto na verdade histórica de suas passagens, ou na comprovação científica dos episódios que relatava, mas sim na sabedoria advinda da correta interpretação do que Deus queria realmente dizer. Porém, na medida em que percebia o mal proceder de minha mãe e de minha tia ser perfeitamente justificado em sua religião, na medida em que via a iniquidade ser praticada sem punição e sem o menor indício de arrependimento ou remorso, passei a conceber a religiosidade cristã como uma aberração monstruosa, devoradora de almas e consciências. Isso explica o porque de, depois de adulto, ter me tornado um ateu militante. Esboçava vários raciocínios pretendendo mostrar a inexistência de Deus, o uso da religião como meio de espoliar o povo e as vantagens de um mundo sem igrejas. Mas não consegui convencer nem a mim mesmo. Numa época em que minha ira contra as religiões cristãs – o catolicismo em particular – havia sido aplacada por outros interesses, um grande amigo meu até então, Carlos Roberto Santos de Gregório, se tornou evangélico. Num primeiro momento, ele passou um período um tanto confuso. Pediu para que eu o encontrasse no calçadão da praia de Icaraí, por volta das 19h. No encontro, Beto – como o chamávamos – Eric Campos Bastos Guedes 72 O Povo Cego e as Farsas do Poder

demonstrou estar preocupado com algo. Meu amigo me perguntou o seguinte: “Eric, você já parou para pensar que se eu tomar uma garrafa de coca-cola, então é porque alguém não vai tomar?”, Respondi: “Não exatamente. Se ninguém tomar, a garrafa pode ser descartada”. Mas Beto insistia na ideia, vendo nela uma verdade e uma importância que eu julgava imerecidas. Aquilo parecia preocupá-lo muito. Algumas semanas depois, Beto se tornou evangélico. Eu considerava Beto meu melhor amigo na época. Éramos como unha e carne. Teve um episódio em que ambos ligamos um para o outro ao mesmo tempo por umas duas ou três vezes – isso indicava forte sintonia. Ele jamais me recriminou por eu ter agredido meu padrasto Lourenço e eu jamais o ofendi mencionando o fato de ele ser gordo. Os defeitos que um tinha não incomodava o outro e nunca precisamos pedir desculpas. Procurávamos nos ajudar da forma como podíamos e passamos um período fazendo caminhas juntos, para melhorar a condição física. Era uma amizade perfeita. Eu via neste meu amigo um exemplo a ser seguido. Beto era inteligente, sabia programar de computadores, e estava sempre atualizado quanto às novidades na área da informática. Parecia dominar com maestria as técnicas mais atuais e mais complexas no que se referia a microcomputadores. Vi a conversão dele como uma oportunidade de fazer as pazes com o cristianismo ao me engajar numa religião não-católica. Tornei-me evangélico e passei a frequentar as reuniões ministradas pelo pastor Ageu e outros líderes religiosos associados. No tempo que frequentei aquela pequena comunidade cristã, dois dos líderes que pregavam nela foram expulsos. Ouvi comentários do tipo “Você não faz ideia do que eles estavam fazendo!”, mas não quis nem saber o que os pastores expulsos faziam, fosse o que fosse, não achava que era da minha conta. Depois de algum tempo passei a não me sentir bem naquela igreja. As pregações do pastor Ageu amiúde soavam como críticas a mim mesmo. Numa dessas pregações, ele teria dito: “Há pessoas que precisam de perdão. E não é por terem matado ninguém, não.” – isso soou como a comunicação da impossibilidade de perdão diante da agressão que eu cometera contra meu padrasto (tal crítica não procedia, pois, se assim fosse, Ageu não poderia aprovar Moisés como líder escolhido por Deus, tampouco poderia concordar com as palavras de Cristo em Mateus 10.34: “Não pensem que eu vim trazer paz ao mundo. Não vim trazer a paz, mas a espada”); em outra pregação, Ageu disse: “há muita hipocrisia entre nós! Vemos um irmão desleixado com sua aparência e que não gosta de tomar banho e ficamos fazendo fofoca. Temos que dizer isso diretamente a ele.” – isso me pareceu uma crítica destrutiva quanto ao meu desânimo de então no que se referia à higiene pessoal (Ageu omitiu a verdade libertadora de eram as “medicações” psiquiátricas que me tornavam desleixado – o que eu não sabia na época – e preferiu a crítica vexatória). Noutra ocasião, Ageu pôs a mão sobre minha cabeça e orou a Deus para que um certo “espírito folgazão” abandonasse meu corpo. Por tudo isso, entre outras coisas, tive a forte impressão de estar sendo segregado. Talvez por sofrer de esquizofrenia; ou por ter esfaqueado Lourenço; ou por me masturbar regularmente; ou por ter sido chamado de bicha na faculdade (mentira!); ou por ficar desenhando indecências no computador com o paint; ou, ainda, por ser um usuário contumaz dos serviços de prostitutas. Dizem que quem abandona uma igreja evangélica, sai de lá com sete demônios no corpo. Após deixar a tal comunidade cristã, no entanto, eu estava tão bem quanto antes, talvez um pouquinho melhor. Foi quando, no caminho para a faculdade, decidi passar no apartamento de Beto a fim de fazer uma visita. Ele não me telefonava mais e também não me procurava, razão pela qual julguei ser especialmente importante fazer aquela visita. Ao entrar em seu quarto, Beto pediu para que sua noiva se retirasse e encostasse a porta do Eric Campos Bastos Guedes 73 O Povo Cego e as Farsas do Poder

quarto. Ele iniciou um discurso grave, sem me olhar nos olhos e disse que eu estava afastado dos princípios de Deus; que eu pensava ser uma espécie de “deus da matemática”, mas que na verdade “nem era tão bom assim”; disse que ele era “safo”, isto é, seguro de si e sabedor de como se virar, e por esse raciocínio parecia contrapor sua imagem à minha, tentando, talvez, me fazer acreditar que eu não era “safo”, e que, portanto, não merecia a amizade dele. Terminado seu discurso, disse que estava ocupado e que por esse motivo eu precisava sair. Ele nunca mais me procurou. O parágrafo precedente explica muita coisa. A partir do tratamento desdenhoso que recebi de meu “amigo”, os tais sete demônios passaram a frequentar meus pensamentos e sentimentos. Após perceber a perversidade do procedimento a que certas igrejas ditas cristãs levam seus adeptos a adotar, passei a acreditar ser importante combatê-las. Tomado pela ira e pelo ódio, adotei, em alguns momentos, uma postura satânica. Meu raciocínio era o de que, se o cristianismo precisava ser combatido, então o melhor caminho para isso seria fortalecer o lado oposto. Numa época suspeitei que Deus e o diabo eram o mesmo ser espiritual, essencialmente perverso. Achei que Deus e o diabo eram apenas designações diferentes para um mesmo ser espiritual. Num primeiro lugar esse ser se mostraria bondoso e justo, levando consigo as almas daqueles que o adorassem – essa identidade do ser espiritual seria dita ser o Deus cristão; mas em seguida o ser espiritual atuaria sob o nome de diabo, fazendo todos acreditarem que se tratava de um grande inimigo. Sob essa identidade, o ser espiritual levaria o terror e a morte às pessoas. Essas pessoas procurariam o amparo do maior inimigo do diabo: Deus. Mas Deus seria, conforme eu queria acreditar na época, a outra identidade do mesmo ser espiritual. Estaríamos todos nas mãos do ser espiritual dono das identidades de Deus e do diabo. O hipotético ser binômio Deus/diabo teria todas as almas para si, então. A conduta de alguns crentes parece reforçar a tese de que muitos deles acreditam na existência desse ser espiritual binômio Deus/diabo. Por exemplo, quando ainda frequentava a igreja de Ageu, um dos crentes me disse que não se deveria ser morno, mas sim quente ou frio, conselho que encontra respaldo bíblico. O que ele disse, então, servia como recomendação para que se adotasse uma conduta ou do lado de Deus, ou do lado do diabo, mas sem ficar em cima do muro, sem dar margem a atitudes dúbias. Mas, ao escolher um dos lados de modo inequívoco – ou Deus, ou o diabo – eu estaria escolhendo, de fato, ser escravizado pelo mesmo ser binômio Deus/diabo! (um falso deus) E o conselho para que se escolha inequivocamente um dos lados faz, caso o acatemos, escolher ser escravizado pelo mesmo ser binômio Deus/diabo. Com o intuito de combater a cristandade, escrevi poemas satânicos, frutos de uma revolta que não encontrou um modo melhor de se manifestar na época. Eram poemas claramente diabólicos. Um deles iniciava assim: “Aba! Papa! Satã!”, outro chamava-se “O inferno de um proscrito”; e outros dois chamavam-se “Visões do inferno” e “Maldade”. O teor claramente diabólico dos poemas não deixava dúvida quanto ao que se tinha ali. Durante algum tempo tencionei publicá-los num livro, mas acabei desistindo da ideia por entender que a publicação de tais poemas jogaria na lama minha reputação enquanto poeta. Um amigo meu, Fábio Barrozo Rodrigues, já cometera esse erro ao publicar em livro um poema seu chamado “Cuelho” com o seguinte verso final: “Homem come c* da gente” [censura minha]. Fábio nunca mais publicou nada. E, se posso aprender com os erros dos outros, porque é que vou insistir em cometer os meus próprios? Já sabia que o resultado da publicação de tais poemas não seria bom. Deixei o ataque direto e passei a zombaria: estava sempre disposto a zombar de Deus, a ofendê-Lo e tentava mesmo mostrar que zombar e ofender a Deus não levaria ninguém a lugar algum, simplesmente porque Deus não existia. A estratégia passou a ser ridicularizar o culto a Deus. Não tenho muito a dizer sobre isso, porque sou muito ruim em Eric Campos Bastos Guedes 74 O Povo Cego e as Farsas do Poder

se tratando de zombaria. O que posso dizer é que a zombaria e o menosprezo são armas muito utilizadas por algumas igrejas para anular qualquer respeitabilidade que uma ideia nova no campo teológico possa vir a ter. O escárnio e o desdém, a instrução para que certas ideias libertadoras e salvadoras sejam mostradas como indignas e sem valor, são o tipo de coisa que se pode esperar da religiosidade dos fariseus, dos falsos cristãos. O grande líder indiano Gandhi tem uma frase que se aplica bem aqui: “Primeiro eles ignoram você, em seguida eles ridicularizam você, depois eles atacam você, então você vence”. Note o leitor que essa é uma ideia de mão dupla, pode caracterizar o comportamento de algumas igrejas quanto a certas pessoas e pode qualificar o comportamento de algumas pessoas quanto às igrejas. Eu mesmo tentei utilizar os artifícios do ridículo e do ataque direto, bem como também algumas igrejas assim também o fazem. O ponto crucial é que o ataque direto nunca deveria ser executado: é exatamente ele que causa a derrota! Ou a derrota social, que leva à execração pública; ou a derrota particular, que leva a degradação do caráter. Quando as igrejas atacam inocentes cristãos que tem uma visão considerada perigosa, não podem fazer isso às claras. Precisam, antes, transformar o líder nato que as desafia num verdadeiro demônio perante todos. E, desde que possam praticar o mal sem serem punidas por isso, não se importam com mais nada. Após o incidente com Beto, concluí que as religiões afastavam as pessoas umas das outras e que, se havia algum Deus, ele era o responsável por grande parte do sofrimento infligido às pessoas. Entretanto, após ter sobrevivido a tantos reveses, a tantas tentativas de assassinato, minha mentalidade com respeito a Deus e à religião mudou radicalmente. A ideia de que eu estaria sendo protegido por alguma força espiritual poderosa começou, gradualmente, a tomar forma. Passei a sentir que devia minha vida a Deus e que deveria retribuir de algum modo. Mas afinal, o que Deus requeria de mim? *** Portugal, Itália ou Brasil? Voltemos à Clínica Santa Catarina. Após o terrível ruído, apaguei a luz de meu quarto e fui dormir. No dia seguinte, ao acordar, ouvi a senhora dos brincos comentar: “liiiihh! o Roberto foi transferido...”. Quando saí de meu quarto olhei discretamente para esquerda e vi a porta do quarto dele fechada e uma das enfermeiras limpando a parede em frente ao quarto que Roberto havia ocupado. Fingi ignorância. Nos dias que se seguiram tive uma taquicardia muito forte ao acordar e pouco antes de dormir. Na certa o plano deles era fazer com que eu tivesse uma parada cardíaca induzida por medicação. Já procurei me informar – perguntei à um clínico geral, o Dr. Cid Leite Villela, e ele confirmou que é possível fazer com que uma pessoa tenha uma parada cardíaca através da ingestão da mistura adequada de medicações. Minha morte teria sido considerada por problemas cardíacos. Outro recurso que eles poderiam usar seria dizer que eu fugi da clínica. Eu seria dado como desaparecido e, obviamente, jamais alguém voltaria a me ver. De fato, na entrada da Clínica Santa Catarina havia um painel com as fotos de várias pessoas "desaparecidas". Interpretei a fortíssima taquicardia que passou a me acometer como uma tentativa da clínica em fazer uma queima de arquivo, devido a eu, presumivelmente, ser uma possível testemunha do presumível assassinato de Roberto. Eu estava errado nesse ponto, mas não completamente. Reclamei com a enfermagem sobre a forte taquicardia que eu estava tendo. Falei que quando abria os olhos pela manhã meu coração disparava, batendo com muita força Eric Campos Bastos Guedes 75 O Povo Cego e as Farsas do Poder

e rapidez. Parece que a luz desencadeava a taquicardia – e não era uma taquicardia comum, dessas que qualquer um tem quando faz algum esforço um pouco mais intenso, ou como a taquicardia que temos ao sermos acometidos por uma emoção intensa. Não. Essa taquicardia vinha pela manhã, ao abrir os olhos, e a noite, sem que eu houvesse realizado nenhum esforço físico intenso. Também não era uma taquicardia devida a alguma emoção forte, pois ela ocorria enquanto eu estava calmo, “tranquilizado” com várias medicações. A morte me pareceu próxima. Então um médico veio me examinar com um estetoscópio. Recordo-me da estranheza de sua fisionomia. Não era própria de um médico que examinava um paciente. Parecia sentir, ao mesmo tempo, um asco e um desprezo inexplicável por mim, como se eu fosse um ser absolutamente abjeto ou perigoso. Ele disse que eu estava bem e que não havia nada de errado comigo. Certo dia, comecei a pensar nos motivos pelos quais eu estaria preso ali. Ao perguntar à minha mãe quanto tempo mais eu ficaria na clínica, ela disse algo como: “Pode ser um ano, dois anos, quem sabe é o juiz” disse minha mamãezinha querida, com ar fúnebre. Que diabos esse tal juiz tinha com minha vida? Será que eu havia sido internado por determinação judicial? Que teria feito eu? Acabei achando que eu tinha sido preso por ter me inscrito numa comunidade do Orkut sobre prostituição. Eu fiz isso usando o que os orkuteiros chamam de fake – um perfil falso feito com a intenção de não ser identificado. O nome dessa identidade era Arthur Mills. Fiquei preocupado com isso. E se me descobrissem? E se eu viesse a ser denunciado? Eu não poderia ficar num presídio, por ser curatelado, mas também não poderia ir para uma instituição de menores. Então ficaria num manicômio judiciário. Estava preocupado com tais assuntos, quando ouço, durante uma refeição, alguém pronunciar: “Arthur Mills”. Quem falou não se identificou, mas eu entendi que já haviam descoberto meu fake no Orkut. O nome da tal comunidade era “Paulinha, largue essa vida de prostituição!” Apesar do nome, era a única comunidade do Orkut que não era francamente contra a prática, mas também era de gosto bastante duvidoso. A falta de opções, na época, foi o único motivo que me fez assinar esta comunidade. Curiosamente, há hoje no Orkut várias comunidades em que se discute prostituição, sem que se tome partido favorável ou contra a prática. Certa vez minha companheira apareceu com os papeis em que eu guardava minhas senhas do Orkut. “Eu vou recortar e vender tudo”, disse ela, para meu desespero. Ela não fez isso, entretanto, mas, em outra ocasião, ao me visitar com Vanda, me ofereceu um bolo da Paulina, uma marca de bolo que é vendida no comércio. Eu fiquei visivelmente perturbado com isso, diante de minha mãe. Talvez por isso Vanda tenha dito que o juiz é que ia dizer quanto tempo eu ficaria internado. Já sabiam que eu assinara a tal comunidade. O Psiquiatra responsável, Dr. João Henrique Pinho Maia, veio conversar comigo certo dia. “E aí, Eric? Portugal, Itália ou Brasil? Eu por enquanto sou Brasil”, disse ele. Na época não soube interpretar isso. Talvez fosse um questionamento sobre para onde eu poderia fugir. Talvez isso indicasse que Dr. João sabia que eu estava sendo perseguido no Brasil. Eu disse a ele que pretendia ir com minha mulher para Santa Maria de Campos. “Eu sei onde fica. Perto de Santo Eduardo, não é?”, disse ele. E completou “Devo te dar alta hoje ou amanhã”, quer dizer, eu sairia no dia 21 ou 22 de abril; ou seja, no dia 21 (tipo, “você é quase doido”) ou no dia 22 (tipo “você é doido mesmo”). Saí no dia 22. Antes de ser liberado, porém, tomei uma injeção que me desnorteou. Ao sair, fiquei completamente imbecilizado, numa doce e idiota tranquilidade. Não imaginava o que aquela injeção tinha feito comigo. Fomos eu, minha mãe e minha mulher para o apartamento de minha tia Vera Lúcia. Após descer do taxi – ainda sob efeito da “medicação” – caminhávamos em direção ao prédio de Vera quando passamos por uma Eric Campos Bastos Guedes 76 O Povo Cego e as Farsas do Poder

mulher. Apesar de não a ter olhado diretamente – apenas a percebi de viés – pareceu-me ela absolutamente impressionante. Eu a imaginei desenhada, caminhando como um desenho colorido, desses feitos por estilistas. Não consegui olhar para ela, era como se ela fosse sagrada, uma deusa – no sentido religioso do termo. Que teriam feito comigo? Que substância era aquela? Qual a intenção deles? Eu não sabia. Antes de você, caro leitor, concluir que eu estava tendo uma alucinação, destaco que até aquele momento eu jamais havia tido qualquer tipo de visão. Não antes de ter sido internado na clínica Santa Catarina em 2007. Eu jamais havia tido uma alucinação visual antes, com ou sem medicação. Mesmo após ter interrompido a medicação de modo mais definitivo em 2007, nada que lembrasse uma alucinação – visual ou auditiva – ocorreu. A conclusão é ao mesmo tempo óbvia e estarrecedora: a medicação psiquiátrica causa as alucinações. De fato, sabe-se que o uso de drogas – tais como a maconha – aumenta em 10 vezes o risco de seu usuário desenvolver esquizofrenia. Talvez o uso de medicação psiquiátrica também tenha este efeito. Além disso, eu não havia tido alucinações visuais antes da internação em Santa Catarina e nem fui internado por este motivo. Entretanto, ao sair daquela clínica, ainda sob efeito de forte medicação, estava tendo o que se poderia chamar de alucinações. Efeitos ainda piores dos fármacos com que me drogaram a força estavam ainda por vir. *** Fraude na medicina Afigura-se uma situação em que o remédio que deveria tratar uma doença hipotética acaba por contribuir com o estabelecimento da doença. O primeiro exemplo disso foi exatamente o que relatei no parágrafo precedente: os antipsicóticos causando a psicose, os “medicamentos” que deveriam tratar a esquizofrenia agindo no sentido de evitar que o paciente chegue à cura por si mesmo. Tal situação também acontece em outras áreas da medicina. Por exemplo, o tratamento contra o câncer é o pior cancerígeno que há. Se alguém for submetido a uma radioterapia ou quimioterapia, terá chances muito grandes de desenvolver vários tipos de câncer nos 15 anos seguintes. Tal fato se deve unicamente ao tratamento. Se alguém que não tem câncer se submeter a um tratamento desses por tempo suficiente, passará a sofrer dessa doença. Naturalmente, não é o caso de propor aqui que os pacientes diagnosticados com câncer não façam o tratamento. Entretanto, essa questão deveria ser examinada mais detalhadamente pelos pesquisadores, principalmente pelo viés da estatística. Por exemplo: verificar se o número de pacientes com câncer curados por radioterapia/quimioterapia compensa, no que diz respeito ao aumento da expectativa de vida restante, a eventual morte de pacientes que foram submetidos a radioterapia e/ou quimioterapia, decorrente da perda de saúde imposta por esses tratamentos. A pergunta é: utilizar a radioterapia/quimioterapia em pacientes com um determinado tipo específico de câncer fará aumentar a sobrevida média desses pacientes ou a reduzirá? O aumento da probabilidade de uma cura rápida proporcionado pela radioterapia/quimioterapia compensa a fragilidade que advém com o emprego desses tratamentos? Respostas seguras a essas perguntas só podem ser dadas a contento mediante o estabelecimento de estatísticas suficientemente precisas sobre cada tipo de câncer e sobre cada detalhe tecnicamente relevante que influencie a probabilidade de cura daquele tipo específico de câncer. No caso do hipotireoidismo, ocorre algo semelhante ao que acontece com a esquizofrenia. Alguém que faça uso do hormônio T4 (tiroxina) usado no tratamento dessa Eric Campos Bastos Guedes 77 O Povo Cego e as Farsas do Poder

doença – tendo ou não hipotireoidismo – terá forte propensão a necessitar ingerir a tiroxina pelo resto da vida, pois seu organismo deixa de fabricar parte considerável do T4 de modo natural e passa a depender do hormônio exógeno, fabricado pelos laboratórios e vendido pelas farmácias. Também o caso em que pessoas com insônia utilizam pílulas para dormir – tranquilizantes ansiolíticos, hipnóticos ou depressores do sistema nervoso – é um bom exemplo da forma errada de tratar o problema. A princípio o medicamento parece ter um efeito muito bom: favorece o sono e não causa, aparentemente, nenhum efeito adverso significativamente relevante. O infortúnio pode demorar a ser notado. A medida que se usa regularmente pílulas para dormir, vai-se necessitando de doses cada vez maiores para ter o mesmo efeito. Então passa-se a utilizar drogas mais potentes sem as quais uma simples noite de sono pode parecer impossível. A medida que as doses aumentam e o período de utilização das tais pílulas cresce de semanas para meses e de meses para vários anos, torna-se difícil não perceber o estrago causado na memória do usuário. O pobre infeliz esquece tudo, até mesmo algo que acabou de ouvir. Assemelha-se a alguém desatento, mas é sua memória que não retém a nova informação que acabara de receber, sequer por um minuto que seja. Esquece também de coisas há muitos anos aprendida. O uso de tranquilizantes para dormir se mostra uma péssima ideia. Esses quatro exemplos ilustram um princípio geral da medicina moderna. O importante é vender medicamentos, recomendar tratamentos demorados ou onerosos, diagnosticar o que quer que se possa, desde que isso faça o paciente retornar ao consultório, tantas vezes quanto for possível. O médico não está a serviço de seu paciente, mas sim do grande capital – e é por isso que a existência de uma cura para a esquizofrenia tem sido negada, evitada e silenciada: o príncipe deste mundo acha muito melhor que sejam prescritas drogas. *** Os números e a menininha Subimos para o apartamento de minha tia Vera Lúcia de Campos. De lá segui no mesmo dia para Santa Maria de Campos, pois Márcia havia levado todos os nossos pertences para lá, numa casinha alugada às pressas. Na rodoviária pedimos poltronas juntas, mas as únicas poltronas juntas eram as de números 22 e 24, separadas pelo corredor. Compramos as passagens, mas comentei com Marcinha: “Estes números não dão sorte...”. Por um momento sua fisionomia mostrou um misto de preocupação e desconfiança. Ela pareceu ter concordado tacitamente comigo. Próximo do ônibus avistei uma menininha de cerca de 4 anos que viajaria no mesmo ônibus. Ela me chamava a atenção sobremaneira, sem que eu conseguisse saber o porque, pelo menos não naquela época. “Calhordas! Que fizeram comigo?”, pensei. Só poderia atribuir meu estado alterado de consciência às drogas que me ministraram na clínica Santa Catarina contra minha vontade. Provavelmente a última injeção que me deram na clínica foi a principal responsável por meu estado patológico. Hoje, só posso interpretar esse interesse patologicamente aumentado pela tal menininha como advindo de uma regressão ao estado infantil proporcionado pela injeção. Essa tese foi reforçada mais tarde, depois de outras internações. Cada vez que recebia alta de um manicômio, após receber injeções e comprimidos de drogas psiquiátricas pesadas, passava a ter um interesse muito aumentado em relação a crianças e adolescentes. Esse efeito adverso ia se reduzindo aos poucos, a medida que as substâncias estranhas iam deixando meu organismo e eu ia me recuperando dos danos cerebrais causados por elas. Eric Campos Bastos Guedes 78 O Povo Cego e as Farsas do Poder

*** Sobre a homofobia O sentido dicionarizado da palavra homofobia é incompleto e parcial. O radical homo- diz respeito à homossexualidade e o sufixo -fobia significa “medo”. Assim homofobia deveria significar algo como “medo de homossexuais” ou “aversão a homossexualidade”. Então a homofobia é uma doença, e não um crime como apregoam os homossexuais e as autoridades, pois se trata de um medo, uma fobia. A meu ver, uma definição muito mais clara e precisa para homofobia é “medo irracional e patológico de ser considerado homossexual ou bissexual por pessoas próximas”. Essa definição não inclui ódio, nem raiva, tampouco preconceito contra homossexuais. Isto faz sentido se aceitarmos que uma pessoa que tem pavor de viajar de avião não odeia aviões e não tem raiva deles. Nunca vi tal definição de homofobia em nenhum dicionário, mas é ela que corresponde à realidade. Antes de ter passado perto da morte várias vezes e durante meses ter a certeza de que não sairia vivo da clínica psiquiátrica para onde me mandaram, eu sofria de homofobia. Ficava profundamente angustiado quando percebia que pessoas próximas sugeriam que eu fosse gay. Entretanto, a exposição constante e contundente a esse medo fez com que ele deixasse de existir, ou fosse reduzido a quase nada. Por isso os números 22 e 24 eram os únicos que estavam juntos no ônibus 20. O pessoal da ABIN21 queria me provocar. Eu viajei na poltrona 22. Porque o número 22 está relacionado com insanidade? Essa é uma ideia que há a muito tempo e, parece-me, no mundo todo. Para fundamentar isto cito o filme – americano, acho – “Ardil 22”, no qual um soldado faz de tudo para tentar escapar dos horrores da guerra. Até que, no final do filme, ele descobre que pode recorrer ao ardil 22, uma regra militar segundo a qual alguém qualificado como louco pode abandonar a guerra não sendo mais forçado a cumprir suas obrigações militares. Fora isso há, em língua portuguesa, uma certa semelhança fonética de “Vinte e dois” que é dois e dois, com dô i dô – numa linguagem infantilizada. O número 22 – e também o 21 – parece estar ligado à ideia de loucura. *** Digressões sobre a ABIN Durante a viagem fechei os olhos para não ver a menininha. Mas era inútil, pois ela ria e ria. E eu não conseguia parar de imaginar que ela estava me olhando e rindo de mim, reparando em mim com a curiosidade própria das crianças. É claro que não era nada disso, este era tão somente o efeito das drogas que me ministraram – em particular o da última injeção que me aplicaram. Mesmo após a substância estranha ter abandonado meu corpo, tal efeito persistiu, em intensidade decrescente, durante bastante tempo. Infelizmente, certas drogas psiquiátricas deixam marcas bastante persistentes, fato este comprovado pela discinesia tardia, que é um efeito adverso muito bem conhecido e de caráter irreversível da medicação antipsicótica. Acontece que a discinesia tardia é só um dos efeitos persistentes dos antipsicóticos – há outros, como a disfrenia tardia, por
20 Na UFF, quando iniciei a faculdade em 1995, meu apelido era Vinte e dois 21 ABIN – Agência Brasileira de Inteligência, o serviço secreto brasileiro. Hoje tenho 90% de certeza de que são eles que estão por trás da conspiração da qual tenho sido vítima.

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exemplo. E nesse episódio da menininha eu estava a descobrir outro efeito adverso grave e de caráter sequelante. Tudo indica que minha esposa desconfiava da encrenca em que eu, e ela por tabela, estávamos metidos – apesar de hoje eu não estar tão certo disso. Descemos na rodoviária de Campos dos Goytacazes e pegamos um táxi para Santa Maria de Campos, gastando um dinheiro que poderia nos fazer falta. Jamais fizemos isto antes, descer antes de chegarmos ao nosso destino 22. O ônibus sempre nos deixava próximos da casa de minha sogra em todas as vezes que fomos à Santa Maria de Campos. Atribuí isto à intenção de minha mulher em despistar os secretas – naquela época eu não sabia que eles eram isto realmente, pensava, erroneamente, que o presumível assassinato de Roberto era obra da Clínica Santa Catarina unicamente. Eu estava errado. Não passava pela minha cabeça que os responsáveis eram muito mais poderosos, gente ligada ao governo, à presidência da república, à ABIN e, possivelmente, aos militares também. Que diabos Roberto teria feito para desagradar essa gente à esse ponto? Eu não sabia. Talvez ele mesmo não soubesse, pois aparentava tranquilidade e não comentara nada a respeito comigo. Se ele tinha consciência de que estava visado, pensava eu, talvez achasse mais prudente ficar quieto para dar a impressão de que não oferecia perigo. Essa foi a estratégia que usei e que imaginei que Roberto também usara. Ela mostrou-se equivocada. A ABIN não é uma pessoa, é uma agência – ela não esquece das coisas com o tempo, como se dá com alguém de carne e osso. Numa agência os nomes são escritos, há a pasta de entrada e a de saída e há arquivos – com a ABIN e com os agentes dela não há conversa – quando eles chegam só querem cumprir logo sua missão e serem pagos. O ganho de um agente pode ser bastante alto, cerca de R$100 mil ou R$400 mil por missão cumprida. Talvez mais, caso a missão envolva um assassinato que ofereça um risco particularmente alto. Um flagrante desperdício do dinheiro público. Que diabos Roberto teria feito para desagradar essa gente a ponto de tomarem uma atitude tão drástica? – tornava a me perguntar – Eu não sabia a resposta. Porém, a questão, como descobri anos mais tarde, não era o que Roberto fez para desagradar aos poderosos, mas sim o que eu mesmo teria feito. *** A chegada em Santa Maria e a música sinistra Ao chegar a Santa Maria de Campos, fomos direto para a casa de minha sogra, Dona Lúcia. Já estava muito tarde e fomos dormir. Eu não parava de imaginar que estávamos numa espécie de fuga, sob ameaça de um poder que eu mesmo desconhecia. Custei a pegar no sono. No dia seguinte, pela manhã, meu sobrinho Gabriel cantarolou para mim uma estranha canção: “Você vai morrêeeeer, você vai sofrêeeeer! Você vai morrêeeeer, você vai sofrêeeeer!” Fiquei intrigado com esta sinistra cantoria. Onde ele aprendera tal coisa? Meses mais tarde me lembrei de tal fato e o interpretei como uma profecia, ou como algo que Gabriel ouvira de alguém que me queria mal. *** Ataques verbais
22 Anos mais tarde, minha esposa diria que aquele ônibus não nos deixaria próximos da casa da mãe dela, pois seu itinerário seria um pouco diferente do que o dos outros ônibus que pegamos em viagens anteriores. Não estou certo da veracidade da informação.

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Naquele dia começaram a me provocar através de um casal que visitava a casa de minha sogra com frequência. Eram um senhor e uma senhora já de certa idade e me lembro que, naquela manhã, enquanto eu estava ainda na cama, o velho falou na sala, em alto e bom som, algo como “Eu sou velho, mas valho muito mais do que aquele cu de mula (sic) que está lá dentro”, possivelmente se referindo a mim. Numa outra ocasião, semanas depois, a velha disse à minha companheira Márcia Regina: “Você é que está precisando de outro casamento!” e Márcia riu sem discordar. No dia seguinte ao de nossa chegada a Santa Maria, fomos eu e Márcia para nossa própria casa. Era uma casa alugada por minha mãe Vanda, com o aluguel pago com o dinheiro de minha pensão. Lá estavam meu computador, minha esteira eletrônica, meu aparelho de musculação, meus livros, que demorei vinte anos para juntar e que minha mulher disse, mais de uma vez, que iria jogar fora ou por fogo etc. Nossos pertences estavam, aparentemente, todos naquela casa em Santa Maria. Uma vez em Santa Maria de Campos (18º distrito de Campos dos Goytacazes) começaram a fazer pressão para me confundir, via homofobia. Começaram a sugerir que eu fosse homossexual, de modo bastante ostensivo. Por exemplo, minha cunhada Suenne pediu para que eu pegasse um pente vermelho em cima do armário. Após uma procura mais do que suficiente para encontrar o tal pente numa área demasiado exígua, localizo apenas um pente de cor rosa, que dou a ela. Mas Suenne me responde que era o pente vermelho que ela queria, sendo que só havia o pente rosa em cima do armário; Noutro dia a mesma Suenne me faz a seguinte pergunta: “Eric, o que é um loser?” Eu sabia que loser significava perdedor em inglês, mas respondi irritado: “Você sabe o que loser!” Noutra ocasião, minha sogra Dona Lúcia disse para aquela amiga velha que comprou quatro objetos por R$15 a unidade (lembrar do livro "O Quinze") pagando um total de R$60 ("sessenta", ou "você senta"), e a velha amiga responde “Ah... entendi!”; uma outra coisa que eu ouvia bastante e que desconfio que significava alguma coisa – embora eu nunca tenha sabido o que – eram as frequentes declarações de que estavam “cagando na beirada do vaso” (sic). Ouvi isso da boca de minha sogra e de um cara conhecido por Zé, paciente da clínica Itabapoana (onde eu me internaria mais tarde); Numa certa manhã eu estava na varanda com Dona Lúcia quando passou um sujeito numa bicicleta na estrada e gritou em nossa direção: “Padeeeeeiro!”, numa alusão à expressão “queimar a rosca” (são os padeiros que fazem roscas e, as vezes, as deixam queimar), usada com frequência para caracterizar o comportamento homossexual. “Deve ser amigo de Kleyton”, disse Dona Lúcia, já que Kleyton, meu cunhado, trabalhava numa padaria. Meu nome estava mais sujo que pau de galinheiro, sem que eu tivesse dado motivo para isto. Eu mal saía de casa e meu comportamento sexual nos últimos anos havia sido bastante comportado. De fato, naqueles últimos 10 anos, de 1997 à 2007, eu havia me relacionado sexualmente apenas com 4 pessoas: 3 prostitutas 23 e minha companheira, Márcia Regina. *** O ataque de Leomir: gravação e ventiladores Há um homem em Santa Maria de Campos chamado Leomir. Ele cria porcos e galinhas e
23 Duas das três prostitutas eram as que Márcia havia me autorizado a contratar ao dizer “Procura...”, no episódio em que ela me deixara muito tempo sem sexo e eu fiz um ultimato a ela, dizendo que se ela me recusasse mais eu procuraria outra mulher. A terceira prostituta era Sílvia/Priscila.

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faz alguns serviços, como instalar ventiladores de teto. Havia três ventiladores de teto para serem instalados em minha casa e Márcia o chamou para o serviço. Na noite anterior eu havia dormido num pequeno quartinho, por sugestão de minha mulher. Ela estava há dias insistindo para que eu fosse dormir naquele quartinho e eu cedi. Pela manhã Leomir iniciou seu trabalho de instalar os ventiladores. Eu ainda não havia levantado, mas já estava acordado e podia ouvir através da porta o som da broca manuseada por Leomir. Pelo som das vozes, notei que meu cunhado Marcelo, conhecido por Marcelão, também estava na casa, ajudando no serviço, e meu sobrinho Gabriel também estava lá. Permaneci deitado, escutando as conversas deles. Leomir usava uma furadeira elétrica para instalar os ventiladores. Eu estava tranquilo por meu cunhado Marcelo estar na casa. Não haveriam de me matar com tantas testemunhas. Mas Marcelo saiu e eu deixei de ouvir a voz de Márcia. Leomir e meu sobrinho Gabriel, na época com cerca de 10 anos de idade, conversavam. Num dado momento Leomir diz para Gabriel: “Não mexe aí não que dá choque... se você se machucar vai sair sangue...”, e ele pronunciou as palavras choque e sangue com mais ênfase que as demais. Num átimo, percebi que a porta do quartinho se movera e, automaticamente, meti a cara debaixo das cobertas e fingi estar dormindo, como se isso fosse me proteger. Era Márcia que entrara no quartinho, sorrindo e oferecendo-me uma vitamina de maçã. Aceitei. Bebi. Márcia saiu do quartinho e fechou a porta. Num dado momento, Leomir pareceu ter comentado: “Esse aí não morre fácil, não”. Fiquei apavorado. Principalmente ao perceber que naquele quartinho haviam malas suficientemente grandes para transportar meu corpo esquartejado. Logo imaginei que Leomir poderia usar a furadeira para me matar. Comecei a pensar cada vez mais que eu poderia ser morto e esquartejado com aquela furadeira. Diriam que eu saí e nunca mais voltei. “O Eric? Eric sumiu.” – e ninguém exigiria uma explicação melhor. Dificilmente alguém ficaria fazendo perguntas a respeito ou imaginando o porquê de meu sumiço. Não havia contado à ninguém sobre o possível homicídio de Roberto, mas eu achava que eles sabiam que eu desconfiava de algo. Realmente, eu havia estado muito próximo da cena do crime enquanto ele acontecia – ou enquanto ele não acontecia. Até então tinha poucas informações sobre as pessoas que deviam ter matado Roberto. Quanto mais eu pensava, mais me convencia de que a ABIN – Agência Brasileira de Inteligência – estava por traz daquele suposto homicídio. Não havia outra explicação mais plausível, tudo de suspeito que ocorrera remetia à um trabalho de espionagem. Eles, os agentes da ABIN, são muitos e muito bem articulados. O trabalho deles é coordenado por pessoas que sabem muitas coisas a respeito de suas vítimas, mesmo coisas que aconteceram há muitos anos e que ninguém mais faz questão de lembrar. Num dado momento fez-se o silêncio. Todos pareciam ter saído de casa ou terem ido para o quintal. Ouvi claramente o som tétrico de uma gravação em que uma voz sinistra falava sobre psicopatas. “O psicopata...” e seguiam-se afirmações sobre o psicopata. O tom da voz era grave e terrificante, e o discurso igualmente assustador. Era como que a gravação tivesse sido feita para causar pavor. O que aquela gravação queria me dizer? Seria eu o psicopata? O psicopata era Leomir? A certa altura a voz tétrica que falava sobre os psicopatas parou e Márcia entrou em cena. Não poderia deixar de ser diferente. Se Márcia tivesse ouvido a tal gravação, teria me dado razão. Afinal, aquele som assustaria qualquer um. Anos mais tarde concluí que a função daquela gravação assustadora era fazer com que eu parecesse um louco delirante, alguém que necessitava de uma internação. Quem hoje lê meu relato tem dificuldades em saber se aquela voz era uma gravação ou uma alucinação. Leomir acabara de instalar dois ventiladores. Ele disse a Márcia: “É... esses dois eu instalei. Amanhã às 9 horas eu instalo o terceiro” e finalmente foi embora. Apavorado, Eric Campos Bastos Guedes 82 O Povo Cego e as Farsas do Poder

voltei para a casa de minha sogra Dona Lúcia. Não me sentia mais protegido em minha própria residência. Sobre os ventiladores, imaginei que Leomir havia criado uma alegoria. Os três ventiladores de teto representariam eu, minha mulher e minha mãe. Os dois ventiladores instalados representariam dois problemas resolvidos: Márcia e minha mãe Vanda não representariam mais problemas – talvez elas tivessem concordado em manter o silêncio a respeito do aparente assassinato de Roberto. O terceiro ventilador, a ser instalado, representaria eu mesmo, um problema ainda a ser resolvido. Pensei que Leomir queria ter certeza de que eu não sabia de nada. E quanto mais pressão ele fazia, mais evidente se tornava meu pavor, o que mostrava meu conhecimento a respeito do suposto crime. *** Sem saída Eu me sentia frágil e em perigo. Marcinha já não era mais a mesma comigo. Ela me tratava mal e não cuidava mais de mim. Pudera. Vanda trocara a senha de meu cartão bancário com o qual eu recebia o dinheiro de minha pensão e dera o cartão a Márcia. Com dinheiro na mão ela não precisava mais de mim. Mundo real, lógica real. Em Santa Maria de Campos não há bancos. O mais próximo ficava em Bom Jesus do Itabapoana. Isso tornava impossível para mim ir ao banco pegar meu pagamento, já que eu não tinha o dinheiro da passagem para Bom Jesus e também não sabia chegar ao banco daquela cidade. Bom Jesus do Itabapoana era completamente estranha para mim. Além disso, eu não fazia ideia de onde Márcia guardava o cartão bancário e também não sabia qual era a nova senha. Entretanto, nada disso representaria problema para mim se eu estivesse de cara limpa, sem drogas psiquiátricas. Se eu não estivesse sendo pesadamente drogado, acabaria dando um jeito, usaria minha inteligência e conseguiria pegar meu dinheiro, voltando para Niterói. *** Covardia e canalhice Após Leomir instalar os dois ventiladores, fomos para casa de Dona Lúcia. Decidi ir para lá, pois estava claro que minha casa em Santa Maria não era segura. Dormimos eu e Márcia Regina na casa da mãe dela. Eu dormi pouco e muito mal. Estava preocupado demais com o ventilador que faltava instalar às 9 horas do dia seguinte. Era improvável que me matassem às 9 da manhã, mas não era impossível. E eu já sabia que estava visado. Não conseguia ver outra explicação para o que estava acontecendo. Interpretei os dois ventiladores instalados como representando minha mulher e minha mãe. O terceiro ventilador seria eu, e, no meu entender, Leomir queria me testar para ver se eu sabia de algo, ou se eu estava disposto a fazer algum tipo de denúncia. Nunca fui bom em fingir ou em mentir, razão pela qual julguei que Leomir já deveria saber que não poderiam confiar em mim a ponto de me deixarem vivo. No dia seguinte, quando Márcia acordou olhou bem nos meus olhos. Notou que eu não havia dormido. Então ela foi para a cozinha, pegou um monte de fotos nossas e me chamou: – Eric, veja nossas fotos... Eric Campos Bastos Guedes 83 O Povo Cego e as Farsas do Poder

– É..., respondi desanimado. – Quer seu remédio?, perguntou Márcia, sorrindo. – Mas eu não tomo antidepressivos. Disse eu, estranhando o comprimido de fluoxetina que ela me oferecia – uma droga para dar ânimo e não para tranquilizar. – Não precisa tomar, respondeu minha companheira, jogando o comprimido pela janela e abrindo um sorriso ainda mais bonito. E completou: – Vamos lá em casa para instalar o ventilador? – Não... não quero ir..., respondi hesitante. – Ah..., vamos, amor... – Não quero... – Eu acho que vou lá com Gabrielzinho... – Então vai..., respondi dando as costas e voltando para o quarto. Na cama comecei a pensar que coisa terrível eu havia feito. Consenti que minha companheira e meu sobrinho fossem ao encontro de um possível homicida sozinhos! “Tenho que ir lá”, pensei. Mas o terror de ter que enfrentar um homicida foi mais forte. Tentei racionalizar, dizendo a mim mesmo que eles queriam me matar, mas não machucariam Marcinha e muito menos meu sobrinho Gabriel. Mesmo assim me senti péssimo e fiquei imaginando como eu era canalha e covarde. Esperei. *** Tentativa de suicídio, altas doses de drogas psiquiátricas e impossibilidade de fuga Márcia e Gabrielzinho retornaram incólumes, mas isso não foi suficiente para me deixar muito melhor do que eu estava. Até que tentei imaginar o que um assassino faria com alguém tão covarde quanto eu e me desesperei. Talvez ele me torturasse até a morte com uma furadeira elétrica ou coisa assim. Tão desesperado fiquei que preferi morrer com menos dor. Me cobri todo com um lençol e enfiei a cabeça num saco plástico, segurando a boca do saco contra o pescoço, de modo a impedir a entrada de ar. Minha respiração começou a ficar mais e mais intensa, mais e mais veloz. Mas eu tinha medo de morrer. Assim que a falta de oxigênio se tornava suficientemente incômoda, eu tirava a cabeça do saco, tentando me convencer de que eu não precisava me matar. Então, já mais aliviado, mudava de ideia e voltava a por a cabeça dentro do saco plástico. E tudo se repetia, pateticamente. Eu punha e tirava a cabeça do saco. Pensando bem, a falta de ar não me deixava com tanto medo de morrer a ponto de me fazer parar. O que tornava inútil cada uma de minhas tentativas era simplesmente o grande desconforto da sensação de estar sufocando. Até que Suenne, minha cunhada, entrou no quarto e interrompeu minhas sucessivas tentativas fracassadas de suicídio. Ela reprovou meu comportamento e contou o que eu estava fazendo para Dona Lúcia. A partir desse dia, Márcia me manteve sedado com doses ainda mais altas de Haldol/haloperidol (20mg/dia) e Rivotril/clonazepan (80mg/dia). Minha esposa também me levou numa consulta com um psiquiatra de Bom Jesus de Itabapoana que me receitou drogas ainda mais fortes, como o Amplictil/clorpromazina (de 100mg). Com a pesada carga de drogas psiquiátricas, passei a ser acometido por uma coriza e por uma obstrução nasal bastante frequente, especialmente a noite, o que me fazia acordar no meio do sono para assoar o nariz, tentando tornar a respiração mais fácil. Devido à alta dose de medicações neurolépticas e ansiolíticas eu estava incapaz de reagir de modo Eric Campos Bastos Guedes 84 O Povo Cego e as Farsas do Poder

adequado ao turbilhão de problemas em que me encontrava imerso. Quando eu dizia que essas doses de remédio estavam sendo excessivas e que eu não queria tomar tantos comprimidos, Márcia ameaçava chamar o pessoal da clínica para me internar a força. Por outro lado, eu também não conseguia voltar para Niterói de ônibus, nem ir para o apartamento de minha mãe em Araruama, pois não tinha dinheiro para pagar a passagem e, por mais que eu pedisse, ninguém me emprestava. Márcia tinha o meu cartão do banco e a minha senha, e era ela quem retirava e cuidava de meu dinheiro. Dona Lúcia dizia: “Você quer Niterói, mas Niterói não te quer, Eric.” Eu me tornara um refém. *** Assassinato por morte, motivação financeira Enquanto eu estive em Santa Maria de Campos, minha mãe telefonou algumas vezes para mim. Eu disse a ela que estava sendo maltratado lá, que não me deixavam voltar para minha casa em Niterói. Ela se limitava a desconversar perguntando: “Ah, é?” e “É mesmo?” Este comportamento foi inteiramente diverso do que ela teve comigo durante toda vida. Fiquei muito surpreso com isso. Atribuí essa atitude de Vanda ao conhecimento dela sobre o homicídio de Roberto. Para mim, o que ela estava fazendo era se proteger, evitando contato com alguém que estava marcado para morrer. Para mim esse era um indício de que Roberto havia sido morto realmente e que Vanda, minha mãe, sabia ou desconfiava disto. Outra hipótese era que Vanda queria receber o dinheiro da venda da casa nº424 da Rua Domingues de Sá, ao lado da casa onde eu morava. O juiz não liberava o alvará por ser eu interditado e um dos donos da casa. E é, muitas vezes, difícil vender bens imóveis de uma pessoa interditada. O juiz pode postergar por anos a liberação do alvará, segundo me fizeram crer. Comigo morto tudo ficaria muito mais fácil. Ela e meu irmão conseguiriam receber o dinheiro da casa e não teriam que me dar nada. *** Polícia e hospício em prontidão Em Santa Maria morávamos em frente a uma estradinha e carros passavam de vez em quando. Percebi, entretanto, um fluxo notável de ambulâncias e viaturas da polícia passando por aquela estrada, de um lado para outro, toda hora. Achei que isso fosse normal, mas minha sogra me mostrou que não, ao comentar certa vez “Nossa! Quantos carros passando pela estrada!” Mais tarde eu interpretaria o fluxo intensificado de viaturas policiais e ambulâncias como uma tentativa de facilitar minha prisão, fosse na cadeia, fosse no manicômio. A passagem intensificada de carros da polícia e de ambulâncias tornaria mais fácil minha remoção para a prisão. ***

A velha preta amiga de minha sogra apareceu certo dia dizendo: “Oi Lúcia! Eu ouvi no rádio que sumiu uma criança por essas bandas. Não foi seu neto Gabriel que sumiu não?” Perguntou a velha numa ameaça velada. No dia seguinte a van que trazia Gabriel do colégio passou direto por nossa casa, parando um tanto longe. Dona Lúcia ficara preocupada com Gabriel, talvez em razão do Eric Campos Bastos Guedes 85 O Povo Cego e as Farsas do Poder

comentário da velha preta. Ao ver que a van passou direto pela porta de casa, Dona Lúcia saiu correndo desesperada atrás da condução. Ou era uma coincidência muito grande, ou estávamos sofrendo ameaças psicológicas. *** Um dia decidimos assistir filmes. Entregaram-nos um sem som e sem legendas que começava já do meio. Mas era um filme muito interessante. Duas crianças amigas, com trajes típicos da arábia, resolveram brincar com um rifle. No deserto amplo e ermo vinha vindo um ônibus com uma das protagonistas – uma mulher de feitio benevolente, jovem e bonita. Escondidas num pequeno morro, os amigos dão um tiro no ônibus. O ônibus para. Daí mostra-se o interior da viação: a protagonista havia sido atingida e agonizava, os passageiros em pânico gritavam apavorados. A confusão em contraste com o deserto silencioso das crianças que brincavam de soldado. O sujeito que entregou este filme em nossa casa estava, por algum motivo, com medo, conforme comentou minha sogra Dona Lúcia. A finalidade daquele filme era causar exatamente este sentimento. Mostrar a fragilidade da vida, que se podia perder a qualquer instante, mesmo pelas mãos de crianças inocentes. Aquele não parecia ser um filme que qualquer locadora alugasse. Não sabíamos seu nome ou quem o havia alugado. *** Gozado Eu estava há dois meses sem gozar, desde que fora internado na clínica Santa Catarina. Certa manhã, ao acordar, percebi que minhas mãos haviam sido esporradas. O sêmen já tinha secado e não deixara marca visível, mas o odor característico estava lá. “Devo ter gozado durante a noite”, pensei. Quis acreditar que fora polução noturna, mas verificando meu short de pijama, vi que ele estava limpo e seco, sem sinal algum de sêmen. A porra não era minha. No entanto ela já havia secado e ninguém acreditaria em mim. Mantive silêncio a esse respeito. Tentei esquecer isso, já que não havia nada que eu pudesse fazer. Na manhã seguinte o episódio se repetiu. Tentei imaginar de quem era a porra. Só consegui dois candidatos: Kleyton, meu cunhado e Gabriel, meu sobrinho de 10 anos. Pensei que Gabriel poderia ter sido induzido por Márcia a fazer aquilo, e então ela teria batido uma foto do feito. Se tal foto fosse parar nas mãos do delegado, talvez eu fosse parar na polícia – dependendo da interpretação que fizessem da foto. Devido ao ódio generalizado que a mídia criou contra a pedofilia, eu seria alvo de agressões por parte dos demais presos. Bastariam alguns dias na cela e eu estaria morto. Minha morte seria uma estatística. Satanás é mesmo o príncipe deste mundo. Entretanto, o mais provável é que o gozador tenha sido meu cunhado Kleyton, negro retinto e esperto que, anos antes, aprendera a jogar xadrez comigo. *** No desespero, dopado, acuado e abandonado por minha família, vendo ambulâncias da CRIL (Clínica de Repouso Itabapoana LTDA – tel. 0xx-22-3831-1383) passando a toda hora na estrada em frente à casa de minha sogra, acabei preferindo me internar, para fugir das agressões morais, das ameaças veladas e da possibilidade de ir para a cadeia vítima de uma armação. Eu não sabia que a tal clínica era praticamente um manicômio Eric Campos Bastos Guedes 86 O Povo Cego e as Farsas do Poder

judiciário e que eu ficaria ali muito mais tempo do que queria ou deveria. Também alimentei a ilusão de que minha mãe viria me tirar da Clínica de Repouso Itabapoana e eu retornaria assim a minha residência em Niterói. Também foi um meio de me sentir menos ameaçado e de, possivelmente, retornar à casa em Santa Maria tomando menos medicação. Chegando na Clínica Itabapoana, me puseram numa cama que tinha um dos pés menor que os outros. Isso me incomodou bastante, porque a cama balançava o tempo todo e eu era obrigado a deixar um dos pés de minhas sandálias como calço para o pé mais curto da cama. Certa vez o interno chamado Xuxa, um homem branco, barrigudo e de aspecto rude tirou o pé da sandália que eu tinha deixado de calço e o examinou sob o olhar de outro interno. Xuxa olhou o pé da sandália com a figura de um jogador de futebol marcando um gol e disse ao outro: “Não tem valor”. Hoje olho para essa época e chego a conclusão de que a CRIL era um manicômio judiciário de fato, caso não o fosse de direito. Foi quando um interno chamado Edésio, que mantinha a cabeça sempre raspada e era uma voz de comando na CRIL, me convidou para ficar na enfermaria dele, onde havia uma cama vaga. Eu achei o convite estranho por dois motivos. O primeiro é que o convite de Edésio veio após uma falha que cometi: Edésio me pediu para que eu pegasse uma vassoura com Zé, amigo de Capixaba. Eu fiz o que ele me pediu, mas Zé impôs a condição de que eu devolvesse a vassoura assim que pudesse. Porém me distraí e a vassoura desapareceu e nunca mais ninguém a viu. O convite para ir para a enfermaria de Edésio veio após este incidente, mas é estranho que uma falha seja recompensada ou que queiram proximidade com alguém que acabou de cometer um erro no cumprimento de uma ordem bastante simples. O segundo motivo pelo qual achei o convite estranho é que enquanto estávamos tirando minha roupa de cama para levar para a vaga da enfermaria de Edésio, eu disse: “Olha, Edésio, aquela cama ali ficou vaga, eu não posso ir para lá?” e Edésio respondeu: “Não, porque aquela cama pertence a alguém que ainda vai chegar” – disse ele. Se o dono da cama não estava na clínica, a cama não tinha dono, claro. Eu poderia ter permanecido na mesma enfermaria e mudado para uma cama em bom estado. Mas preferi não recusar o convite do “chefe”. Além disso, a enfermaria de Edésio ficava próxima à porta onde chegavam as visitas e eu estava ansioso por receber visitas. Fui para a enfermaria de Edésio. Os internos de lá eram o próprio Edésio (branco, careca, baixo, de voz grave e com bigode), um amigo dele que parecia ser um pouco menos másculo que a média e que tinha um nome ligeiramente afeminado (esqueci o nome dele – era o único daquela enfermaria que não trabalhava na limpeza nem na cozinha e tampouco exercia atividade de liderança), Ênio (um negro alto conhecido como “Pezão”, que tinha uma das pernas toda costurada – provavelmente em decorrência de algum acidente bastante grave – e que trabalhava na cozinha), Capixaba (que era “sócio” ou “parceiro” de Zé, e tinha a pele parda não sendo nem negro nem branco) e Zé (que era o líder da turma da limpeza, muito conversador e trabalhador, com 51 anos de idade). Tão logo me instalei nesta enfermaria, tendo estes sujeitos como companheiros de quarto, fizeram pressão para que eu tivesse um comportamento homossexual, o que felizmente não houve. Logo percebi que algo estava errado ali e na primeira noite, simplesmente não consegui dormir, fiquei virando de um lado para o outro e ouvi quando Capixaba comentou, parece-me, a meu respeito: “aí você já quer mudar a estória”. Na hora não entendi bem o que ele quis dizer com isso, mas suponho, talvez, e trata-se de uma mera conjectura, que eles esperavam que eu me comportasse de um modo inteiramente diverso do que eu mesmo estava acostumado – isso, talvez, devido a comentários falsos a meu respeito que corriam toda a CRIL, sabe-se lá vindos de onde. Eric Campos Bastos Guedes 87 O Povo Cego e as Farsas do Poder

*** Um sujeito que eu não conhecia me perguntou no início de minha internação na Clínica de Repouso Itabapoana LTDA: – Você veio de Santa Maria? – Vim, respondi. – Então eu sei quem você é, disse o tal sujeito que eu nunca tinha visto antes. Isso é para mostrar como comentários a respeito de pessoas novas correm rapidamente toda cidade do interior e adjacências. Em meu novo quarto tive, de início, dificuldade em adormecer. Na certa adivinhava a má intenção de meus companheiros de enfermaria. A noite fiquei na cama, tentando dormir. Virava de um lado para outro, inutilmente. Já quase pela manhã o colega de Edésio simulou soltar uma franga, como se ele fosse gay. Logo depois, neste mesmo dia, durante o banho de sol, no pátio, Edésio me chamou em particular e me disse em voz baixa: “Eu dei”. Na hora pensei ter escutado isso, e realmente foi o que escutei, embora me recusasse a crer que ele tivesse dito tal coisa. As pressões e sugestões para que eu tivesse um comportamento homossexual e me tornasse gay vieram principalmente através Ênio “Pezão” que, mesmo com a perna toda remendada, caminhava sem claudicar, com desenvoltura. Ele tinha alguma liberdade para transitar fora do pavilhão e também fora da clínica. Seu maior e pior defeito era ser, quando queria, extremamente grosseiro, grotesco e mesmo repugnante ao conversar e falar sobre assuntos como sexo (era seu assunto preferido) num recinto onde só havia homens e a presença feminina era rara, limitando-se à visita esporádica de enfermeiras que ficavam por pouco tempo e demonstravam por nós – meros internos – um desprezo bastante compreensível. Pezão sugeria a todo momento que eu era bicha. Imaginem, caros leitores, minha situação. Se eu partisse para a agressão, ou levava um sacode do Ênio, que era muito maior e mais forte que eu, ou seria transferido para o pavilhão 4, que conseguia a proeza de ser ainda muito pior que o pavilhão 2, onde estávamos. De fato, segundo soube, no pavilhão 4 ocorriam assassinatos e agressões físicas rotineiramente. No pavilhão 4 os internos juntavam-se em bandos para surrar os demais. Um dos pacientes que conheci, de nome Romero, disse que um dos internos do pavilhão 4 havia ameaçado outro de morte. Este não deu importância à ameaça e, quando foi ao banheiro urinar, num intervalo de jogo de futebol que todos do pavilhão assistiam, aquele o matou a facadas. Ninguém viu nada. Ou seja, minha situação era realmente bastante delicada. O menor erro me conduziria à morte. Era revoltante e terrivelmente injusto que alguém, que no ano anterior (em 2006) havia sido menção honrosa na Olimpíada Iberoamericana de Matemática Universitária estivesse correndo risco de morte num lugar tão baixo e ordinariamente vil quanto aquele. Mais: eu me encontrava naquela situação não por a ter procurado, mas meramente por ter estado próximo, presumivelmente, da cena de um crime – e agora eu tinha certeza que o tal analista de sistemas de nome Roberto e pai de Aline estava morto realmente. Pois se não estivesse, ninguém teria se preocupado tanto em me matar. Isto, pelo menos, era o que eu pensava. Vou citar algumas situações que vivi lá na CRIL para que entendam um pouco melhor o que passei. Certa vez, quando Ênio estava fazendo a barba do pessoal e chegou a minha vez ele perguntou: "Vai deixar o bigode?" e eu respondi "Não, pode fazer tudo" e Pezão retrucou: "Pra ver se vira homem", como se eu tivesse pedido para deixar o Eric Campos Bastos Guedes 88 O Povo Cego e as Farsas do Poder

bigode. Pezão já ia deixando o meu bigode quando o enfermeiro Jorsélio, que viu a cena, disse: “Pezão, ele pediu para fazer o bigode também.” Em outra ocasião Ênio foi tomar banho e todos ouviram quando ele pegou a vassoura e varreu com força o chão do banheiro durante alguns instantes e concluiu, imitando a voz e modo de falar de um gay: “Ai! Que horror!”, numa alusão clara ao fato de, naquele dia, pela manhã, eu ter desistido de lavar o banheiro – que foi uma tarefa que Zé, amigo de Capixaba e chefe da limpeza, disse que eu poderia fazer. Eu só não lavei o banheiro porque ninguém se dignou a me ajudar e porque eu não conhecia bem o procedimento para lavar o banheiro, já que nunca havia feito isto. Por exemplo, haviam duas qualidades de produtos de limpeza para usar misturados à água, mas em que proporção? Eu não sabia. Além disso, eu estava sem luvas, requisito básico para a limpeza do banheiro. Eu preferia varrer o chão, o que era muito mais fácil de fazer, mas não me deixavam usar a vassoura. Era até estranho: ninguém ali recebia um centavo sequer para participar da faxina diária do pavilhão (com exceção dos dois funcionários da CRIL), mas as vassouras, rodos e panos de chão eram sempre muito requisitados e nunca faltava mão de obra para limpar o pavilhão. Em geral, quase sempre as mesmas pessoas participavam da limpeza. Haviam apenas dois funcionários da Clínica de Repouso Itabapoana LTDA que ajudavam na limpeza e todas as outras pessoas – cerca de umas dez – eram pacientes da CRIL. Semanas depois, quando Zé teve alta da clínica, eu passei a participar ativamente da equipe de limpeza. Todos os dias, pela manhã, eu e outros colegas mais responsáveis pegávamos vassouras, rodos e baldes d'água para dar uma faxina em todo pavilhão. *** Uma ameaça constante era o contágio via sangue, na hora de fazer nossa barba. Não costumavam abrir a gilete na nossa frente, e não jogavam a gilete fora imediatamente depois do uso. Nunca procurei conferir, pois isto poderia criar problemas para mim, mas provavelmente muitas pessoas ali usaram a mesma lâmina de barbear que outros pacientes. Uma vez eu disse ao camarada que estava fazendo minha barba – um outro interno: “Você não trocou a lâmina de barbear” ele me respondeu que havia feito a barba do outro sujeito com o outro lado da lâmina. O risco de contagio via sangue me parecia bastante alto. É possível que outros pacientes tenham morrido por doenças contraídas desse modo na própria clínica. Durante minha estada lá um dos internos morreu, e eu havia estado com ele na véspera. Visivelmente ele tinha algum problema de saúde que não fora tratado. Meu risco de morte foi multiplicado várias vezes ao entrar na clínica. Eu sofri uma pressão muito grande na CRIL. Certa manhã, no pátio, o interno Edésio me disse: “Eric, se você não urinar no quarto, vai ter que urinar pelo ralo”. Grande diferença há entre urinar no ralo e urinar pelo ralo. A ideia que ele me passou foi de eu perder minha mangueirinha e passar a ter um ralo para urinar. Quem nunca passou por sofrimentos tão intensos não tem o direito de criticar quem quer que seja. Durante meus primeiros dias na Clínica de Repouso ltabapoana um sujeito cujo nome verdadeiro eu não sei, mas que dizia chamar-se José Roberto Abreu chegou à Clinica. Logo suspeitei que ele havia sido mandado para me matar, mas não era meramente isto. Ele queria fazer com que minha morte parecesse ser uma questão de saúde meramente e não um homicídio. Certa vez ele disse: “Se eu quisesse te matar você já estaria morto há muito tempo”. Com certeza era verdade, pois ele poderia pagar alguém para fazer o serviço (dentro ou fora da clínica); poderia oferecer alguma vantagem para alguém matar-me ou usar de ameaças veladas para fazer com que alguém me Eric Campos Bastos Guedes 89 O Povo Cego e as Farsas do Poder

envenenasse; poderia quebrar meu pescoço enquanto eu dormia etc. Existiam muitos modos de me matar, mas a maioria deles deixava tantas pistas e testemunhas que meu assassinato poderia, correria o risco de ser descoberto – ainda que fosse um risco pequeno. E as pessoas que mandaram José Roberto Abreu não poderiam correr riscos. Se pudessem, eu já estaria morto. Há assassinos que matam por R$50. Alguns matam até por camaradagem, para agradar o mandante. Entretanto, estes deixam muitas pistas e correm o risco de serem descobertos. E pessoas poderosas e endinheiradas não precisam correr este risco. O que quero dizer é que quando um pé de chinelo quer matar alguém paga um assassino de R$50; quando uma autoridade quer matar alguém chama a ABIN. O pé de chinelo corre o risco de ser preso, mas sequer é cogitada a culpa da autoridade. Neste caso, quem corre riscos são as eventuais testemunhas, que são perseguidas, ameaçadas e até mortas. *** Suborno para facilitar minha morte O enfermeiro da CRIL conhecido como Baú costumava dizer que eu era dele. Desconfio, e isto não é uma certeza, mas uma conjectura, que Baú recebeu, ou receberia, dinheiro para facilitar minha morte. Certa vez Baú me perguntou quanto dava por mês uma taxa de juro de 0,6% aplicada num capital de R$24 mil. Eu respondi de pronto: R$144 e ele me disse que este era, realmente, um valor próximo ao que ele havia obtido. Ora, R$144 corresponde exatamente a 0,6% de R$24 mil, e esta é uma conta muito fácil que qualquer pessoa munida de uma calculadora e que tenha um mínimo de conhecimento pode fazer. Isto mostra que provavelmente o valor combinado não era R$24 mil, mas sim R$25 mil. A troca de número era uma mera provocação, como muitas pelas quais passei. No caso de uma investigação ser efetuada para comprovar as denúncias que faço aqui, um exame muito sério das contas bancárias do enfermeiro Baú, de sua esposa e de seus filhos deve ser levado a cabo. Deve-se procurar por um depósito de R$25 mil ou algo próximo desse valor, ou mesmo por vários depósitos de valor menor que somem R$25 mil. *** Até então eu não tinha entendido porque já não tinham me matado de uma vez. O motivo é que a ABIN, por ser um órgão do governo, ligado à presidência da república e, me parece, também à militares de alto escalão, não poderia em hipótese alguma ser acusada de praticar homicídios. Sim, porque o fato de políticos roubarem e se corromperem é muito bem aceito pela população, mas a notícia de que algumas autoridades são mandantes de homicídios contra o cidadão comum seria recebida como uma bomba atômica. Para o povo é comum, normal e até mesmo desejável, que alguns políticos sejam desonestos. Isto situa psicologicamente o cidadão comum num nível moral mais elevado que qualquer político – que tradicionalmente é “ladrão, corrupto e picareta”. Sabese que pedófilos, traficantes e milicianos são vistos como párias da pior espécie. O povo acredita que eles merecem a morte. Imagine o choque para o cidadão comum saber que o governo, que deveria protegê-lo com políticas públicas, com a aplicação da lei, e com programas assistenciais, também comete assassinatos, como os bandidos. As pessoas simplesmente não aceitariam isto, pois esta notícia transcenderia totalmente a repetição exaustiva, das mesmas ideias e dos mesmos conceitos que os jornais, revistas e emissoras de TV fazem diariamente. Quem diria? Autoridades dos mais altos escalões, Eric Campos Bastos Guedes 90 O Povo Cego e as Farsas do Poder

deputados, senadores, generais, além de ganharem rios de dinheiro são mandantes de homicídios de cidadãos comuns, que não cometeram crime algum. A população perderia o sentido de segurança que o governo costuma passar. O homem comum talvez seja induzido pela mídia a pensar que somente a existência do governo e da polícia impede que sejamos todos roubados, estuprados e mortos pelos marginais que habitam nossas TVs e as páginas dos jornais. A verdade é bem outra. É a atitude irresponsável do governo que permite e favorece a prática de crimes. Se a questão da educação fosse levada a sério a maioria dos crimes não ocorreria. De fato, a presença de uma consciência cidadã na mente de uma pessoa faria, em tese – e uma boa tese – que ela buscasse agir corretamente com seu semelhante. O que faz com que o problema da educação seja um mal aparentemente sem cura é a ausência de vontade política. E não há vontade política porque quem governa não é o povo e porque quem governa não é atingido pelas consequências de seu mau governo. A única saída é a democracia direta, sem intermediários – o governo feito diretamente pela população, exercido pelas mesmas pessoas que trabalham, pelas mesmas pessoas que dependem do serviço público e pagam impostos. Quem deve decidir o destino das verbas públicas é justamente o público, e não quem hoje chamamos governo. Quem deve decidir o valor da taxa de impostos e o percentual de investimentos nos diversos setores é precisamente quem contribui com impostos e quem faz uso dos serviços públicos. Nada mais justo e sensato que isto. Enquanto questões importantes como esta sequer são cogitadas pela mídia, discute-se muito o sexo dos anjos e questões menores são hiperdimensionadas, tais como o ódio pedofóbico criado pela TV que o elegeu como o grande vilão do início do século. *** O governo impede o acesso do povo a informações cruciais para o exercício da democracia. A população deveria ter acesso facilitado aos nomes dos deputados e senadores que votaram a favor ou contra cada projeto de lei. Nós deveríamos saber se o deputado X ou o senador Y votaram a favor ou contra aquele projeto que julgávamos tão importante. Também deveríamos ter acesso aos textos dos projetos de lei propostos por cada parlamentar. Esta é uma proposta política razoável. Ela não oneraria o governo com despesas de vulto e seria de fácil implementação. Essas informações poderiam ser disponibilizadas na Internet e tal fato contribuiria de modo relevante para que o povo conhecesse os políticos que elegeu. A verdade é que no panorama político atual não sabemos em quem estamos votando. Desconhecemos o verdadeiro modo de fazer política dos candidatos. O que temos é uma simpatia ou antipatia por um ou outro político, mas não um conhecimento real sobre quem são os candidatos. Na ausência do conhecimento factual sobre os políticos, somos levados a imaginar quem seriam eles. Então votamos em imagens tecnicamente construídas pela mídia, esculpidas psicologicamente pela TV. *** Certa manhã, após o banho frio e compulsório que diariamente tomávamos, fui à minha enfermaria buscar minha toalha para me enxugar. Ao abrir a parte do armário que me cabia deparei não com meus pertences, mas com uma bola de couro amassada, um pedaço de pau num formato fálico e uma porção de jornal picado. Fingi não ter visto nada, eu estava só na enfermaria. Peguei uma toalha em outro lugar e me enxuguei. Mais tarde, quando já haviam outros internos na enfermaria, abri minha parte no guarda roupas e Eric Campos Bastos Guedes 91 O Povo Cego e as Farsas do Poder

estava tudo OK. Haviam tirado aquelas coisas e recolocado as outras. A bola amassada me fez pensar no esmagamento de minhas próprias, o pedaço de pau era uma alusão a violação sexual que poderiam praticar contra mim caso eu não cedesse e o jornal picado era um meio de dizerem que eu não poderia recorrer à mídia. Somente quem passa por este tipo de coisa pode dizer o quanto é angustiante. Eu me sentia no abismo de que fala a Bíblia. Totalmente abandonado e sem esperanças. Um dia, sem nenhum motivo aparente, Edésio começou a choramingar e fazer uma pirraça sem sentido. Levantava o tom de voz numa lamúria sem explicação. Num rompante virou sua própria cama de ponta cabeça. Desarrumou tudo, ignorou os conselhos dos amigos que tentavam acalmá-lo. A princípio pensei que se tratasse de uma curiosa idiossincrasia – coisa de doido mesmo – mas era mais complicado. Ele tanto fez que o enfermeiro Jorsélio lhe aplicou uma injeção para acalmá-lo, porém Edésio continuou o teatro. Alguns internos se aglomeraram, assistindo a cena. Um deles comentou com outro: “É birro”. O outro concordou. O interno recém chegado, que dizia chamar-se José Roberto Abreu, postou-se de pé diante da cama em que Edésio havia se deitado. José Roberto Abreu abriu uma bíblia e em silêncio se pôs a ensaiar o início de uma leitura que nunca aconteceu. José Roberto Abreu era agente da ABIN, como me certifiquei mais tarde. Aguardei pela leitura da Bíblia por um período que parecia estenderse demasiadamente. Não houve leitura. Talvez ele tenha entendido que seria uma heresia sem tamanho ler a Bíblia estando incumbido de tarefa tão inglória quanto cometer um assassinato. Por fim, diante da insistência de Edésio, decidiram transferi-lo para o pavilhão 4, como punição. O homem que dizia chamar-se José Roberto Abreu passou a ocupar a cama de Edésio. Era noite e percebi a fria em que estava. Peguei uma das sacolas plásticas que havia separado para ter a alternativa de uma morte menos dolorosa e esperei na enfermaria por uma oportunidade, mantendo a sacola oculta debaixo dos lençóis. Estava decidido a tentar o suicídio para livrar-me de coisa pior. Edésio veio à enfermaria pela última vez para pegar seus pertences. Entrou com seu colega menos másculo e me disse que não considerava válida a saída dos covardes. Ele sabia que eu pensava em me matar. E sabia disso porque minhas tentativas patéticas de suicídio já eram conhecidas de muitos, inclusive na Clínica Itabapoana. A diversão desse pessoal de cidade do interior é comentar a vida dos outros. E não importa se os comentários são verdadeiros ou falsos, o importante é falar. Para que o leitor tenha ideia do que estou dizendo cito um caso ocorrido com minha companheira Márcia, há muitos anos atrás. Ao retornar a sua cidade de origem, após alguns anos, foi recebida com espanto e medo. Quando a viam as pessoas se afastavam, assustadas, sem saber o que pensar. Haviam espalhado a notícia de que ela morrera atropelada numa rodovia e até missa fizeram para ela. Isto mostra bem que o que pensamos ser real, na verdade pode não ser. Mesmo que as pessoas com quem temos contato concordem conosco. De fato, pode ser que as pessoas próximas de nós também estejam sujeitas às mesmas ilusões e fantasias que nos estão confundindo. *** Diante da sincera opinião de Edésio, decidi viver. Lembro que nesta ocasião o amigo de Edésio disse que certa vez teve cera no ouvido e que o médico teve que por “um cano” no seu ouvido para tirar a cera. O comentário aludiu a imagem de um sujeito com um revólver na cabeça, claro, sugerindo um aspecto da realidade que não poderia, ou não deveria, ser mencionado de outro modo. Nesta rápida conversa que tivemos Edésio me Eric Campos Bastos Guedes 92 O Povo Cego e as Farsas do Poder

fez entender que havia rolado até ameaça de morte para que ele saísse da enfermaria. Não havia explicação melhor, já que Edésio sabia que seu comportamento o levaria para pavilhão 4 – que fazia o pavilhão 2, onde estávamos, parecer um jardim de infância. José Roberto Abreu estava agora alojado em minha enfermaria e, aproveitando-se disso tentou me intimidar. Ele passou a ler um livro espírita sobre a “vida depois da morte”, o que interpreto hoje como uma tentativa de fazer a morte parecer uma opção mais aceitável para mim. Engana-se quem pensa que as armas de agentes secretos são coisas mirabolantes, vistas nos filmes do agente 007. As armas deles são as ameaças veladas, a psicologia e a intimidação. Eles também são organizados e em grande número, agem de forma articulada, coordenados por outros agentes que, provavelmente, não aparecem. Certa noite, quando todos já haviam se deitado e eu tentava dormir, escutei, não muito alto, o barulho inconfundível de uma sessão de tortura. O infeliz gritava repetidas vezes: “Para! Para! Para!” urrando de dor. Então, já não conseguindo mais articular as palavras, gritava “Ah! Ah! Ah!”. Notava-se o mais puro desespero em sua voz. Até que pude reconhecer o momento em que ele morreu, parando de gritar num derradeiro e inequívoco suspiro. Fiquei quieto na cama, horrorizado. Imaginei logo um sujeito imobilizado tendo as penas perfuradas repetidas vezes por uma furadeira elétrica. Certamente os militares haviam matado pessoas assim durante a ditadura. O que eu havia escutado era a gravação de uma dessas seções de tortura. Fiquei pensando se a gravação era real ou não. Um ator poderia ter sido contratado para fingir aquilo. Mas recusei essa hipótese: era convincente demais para ser uma gravação falsa. Foi uma experiência assustadora. Seguiram-se outros sons, supostamente de pessoas sendo mortas sob tortura, mas não consegui imaginar como, pois só pelo áudio era difícil imaginar o que estava acontecendo. Na enfermaria todos já estavam deitados, de olhos fechados. Ninguém comentou nada a respeito nem no dia seguinte nem em nenhum momento posterior. Se eu falasse a respeito com algum médico ou enfermeiro, iam dizer que eu estava tendo alucinações e aumentariam a dose de meus remédios. Preferi silenciar. *** Deixei de ter medo da morte para ter medo de morrer sob tortura. Sobre o homem que dizia chamar-se José Roberto Abreu, tentei negociar minha vida com ele, dizendo que não se deve mentir, mas sim omitir. Até então eu achava que o problema deles era eu vir a denunciar a morte de Roberto na Clínica Santa Catarina. Meu comentário foi em vão, pois ele disse que era “furada". Fosse como fosse, me parece, José Roberto Abreu não decidia nada. Ele apenas cumpria ordens, e era muito bem pago para isto. Ele próprio falou algo como “Cem mil ou trezentos mil”. Interpretei estes valores como os preços pagos por minha cabeça. Hoje penso que os trezentos mil seriam os valores supostamente pagos pelas mortes de minha mãe Vanda, de Márcia e de mim mesmo. Pelo menos era isso que José Roberto Abreu queria que eu pensasse, para fazer com que eu mesmo aceitasse e buscasse minha morte. Esse pessoal da ABIN usa de muita psicologia. Essa é, na realidade, a principal arma deles. Nada de artefatos estranhos e engenhosos que podem matar ou ferir. A mente humana dotada da técnica certa é a melhor arma que pode existir. A primeira tentativa de José Roberto Abreu foi fazer como na Clinica Santa Catarina, simulando ataque cardíaco via medicamentos. Eu havia escrito um texto em que oferecia minha vida pela de minha mãe e de meu irmão. Mostrei o texto a José Roberto Abreu, na esperança de que seu comentário e atitude a respeito mostrassem a mim que Eric Campos Bastos Guedes 93 O Povo Cego e as Farsas do Poder

tudo não passava de um mal entendido de minha parte, uma interpretação equivocada que eu havia feito. O resultado foi o oposto. A postura de José Roberto Abreu diante do “documento” que redigi foi diferente da que teria qualquer pessoa que não soubesse nada a respeito. Ao mesmo tempo em que ele não confirmou ou negou nada, nem que era agente, nem que estava ali para me matar, seu modo de proceder não denotou nem surpresa, nem desconhecimento da situação, tampouco chacota ou ironia a respeito. Ele era mesmo um agente. Tentei conversar com ele em outra ocasião e disse que não queria morrer com dor. Ele comentou: “Eutanásia, a morte sem dor”, ou algo assim. Hoje penso que ao referir eutanásia, José Roberto Abreu queria fazer com que eu pensasse que minha morte seria útil de algum modo. Isso, supostamente, faria com que a ideia da morte me parecesse menos ruim, favorecendo um possível suicídio. *** Uma noite tive taquicardia sem motivo aparente. Não havia feito nenhum esforço físico nem tido raiva que justificasse tal sintoma. Concluí que os remédios estavam me causando a taquicardia. Reclamei enfática e veementemente na presença dos demais internos e dos enfermeiros. Então essa estratégia para me matar acabou ficando ruim, por várias pessoas terem escutado eu dizer que os remédios estavam me fazendo mal. Caso houvesse uma investigação, a clínica poderia ser responsabilizada, ou algum enfermeiro. Isto tornou este plano deles inviável, por haver risco de alguém denunciar o esquema e a partir daí chegar-se aos verdadeiros responsáveis – pessoas poderosas por trás da conspiração, gente graúda que não poderia aparecer. Ao ver frustrado seu plano para me matar, José Roberto Abreu entrou na enfermaria bradando em voz alta: “Vamos legalizar isso aí!”, referindo o tal documento no qual eu oferecia minha vida pela de minha mãe e de meu irmão, que haviam sido ameaçados por José Roberto de modo velado. De fato, ele fez menção, durante uma conversa com outro interno de nossa enfermaria, ao final de telefone 1541, que correspondia a um número meu antigo. E na hora ele até disse, sobre o tal número telefônico: “Quem vai atender é a mãe ou o irmão”, donde ele sugeriu que minha mãe e meu irmão corriam risco caso eu não morresse. Na verdade, tentei negociar com Zé Roberto, através do tal documento, uma "morte melhor" da que ele havia sugerido que eu teria, através de perfurações de furadeira nas pernas. De fato, José Roberto Abreu falava o tempo inteiro que havia um nervo na perna – chamado nervo ciático – cuja inflamação causava uma dor pior que a dor do parto. Ao fazer com que os enfermeiros – em particular Josias – me ministrassem drogas para forçar um enfarte, José Roberto Abreu estava cumprindo sua parte no trato, me possibilitando uma morte sem dor. Mas eu não me entregaria tão fácil. O fato é que eu mesmo estava preferindo morrer logo à passar por aquelas dificuldades. Eu costumava dormir com a cabeça virada para o lado da porta, para ver se ele começava – e terminava logo – a perfurar-me pela têmpora, para que eu morresse de forma rápida e sem dor. Expus esta minha ideia para J.R. Abreu, dizendo a ele que começasse a perfurara-me pela cabeça. Nesta ocasião, outro interno com quem eu nunca havia falado puxou assunto perguntando se eu queria um cigarro. Neguei sem dar muita importância e ele respondeu: “Já está na cabeça”. Fiquei com medo, achei que estavam referindo minha mãe, querendo dizer que ela havia levado um tiro na cabeça ou algo assim. Achei que era provável que pudessem tentar matá-la – talvez até mesmo tivessem feito isso. Pensei em como eu poderia, naquela situação, avisar minha mãe do risco. Eu não podia. Então José Roberto Abreu me disse: “Acho que você vai receber uma boa notícia nos próximos dias”. Comecei a pensar, então, que a morte de minha mãe pudesse Eric Campos Bastos Guedes 94 O Povo Cego e as Farsas do Poder

me favorecer de algum modo, fazendo com que eu saísse da clínica. Era precisamente o oposto. Se minha mãe viesse a morrer, eu poderia jamais sair da CRIL, caso o meu novo responsável legal fosse alguma instituição, pois sou interditado devido a esquizofrenia. Mas eu pensei que se o juiz nomeasse meu irmão como meu responsável legal, talvez ele me tirasse da clínica. Isso aquietou um pouco meu coração. *** Um fato muito curioso e perturbador ocorreu na Clínica de Repouso Itabapoana LTDA. Uma noite, enquanto assistíamos TV, J.R. Abreu, o agente da ABIN, afirmou que era sexta-feira. Eu retruquei: “Não, hoje é quinta-feira.” O mostrador de meu relógio concordava comigo e até então não havia motivo para dúvidas. Então o agente chamou minha atenção para a TV – havia começado o Jornal Nacional. A repórter anunciou o dia da semana em alto e bom som: SEXTA-FEIRA. J.R. Abreu completou “deus disse que hoje é sexta-feira”. Fiquei atônito. Eu sabia que era quinta-feira e meu relógio me dizia o mesmo. Em dúvida, fui conferir com outra pessoa. Perguntei o dia da semana ao enfermeiro Josias que trabalhava naquela noite e ele respondeu confirmando que era quinta-feira. Ou seja, certamente aquele programa não era o que o resto da população costumava ver. Havia aí um forte elemento conspiratório. Até mesmo a TV conspirava, talvez a própria rede globo estivesse envolvida. É claro que se eu levantasse tais questões na CRIL, me tomariam por um louco alucinado e perigoso que deveria ficar mais tempo internado e tomar mais haloperidol. O fato é que subia um fio da TV e ia sabe se lá deus onde. Talvez a imagem que víamos na CRIL proviesse de uma gravação, e não diretamente de uma emissora. Programas anunciados como “ao vivo” na verdade poderiam não ser. Um dos meios para controlar as pessoas é controlar o que elas assistem na TV. De fato, lembrei que em meu primeiro dia na CRIL a imagem da TV mostrava em relevo palavras como “tristeza”, “dor” e coisas deprimentes assim. Ao comentar isto com outro interno ele fingiu desconhecer o fato. Na verdade, não sei dizer se ele desconhecia o fato ou se ele preferia fingir não saber de nada. Ou minha percepção era melhor que a dos demais internos, ou eu era mais corajoso que os outros. *** Mas J.R. Abreu não desistiu de sua missão. Na segunda tentativa ele teve mais sucesso. Explico: fui de uma estupidez suicida ao aceitar uma maçã do agente. Ele deu uma maçã a cada colega da enfermaria. Como a comida da CRIL era péssima, eramos compelidos a aceitar qualquer alimento que nos oferecessem. O que se deu, penso, foi uma simpatia patológica pelo carrasco, que ocorre, por exemplo, em sequestros, quando a vítima fica “amiga” do raptor. E tendo o agente estudado psicologia, conduziu a situação de modo a parecer mais simpático e amigável, favorecendo minha patológica simpatia. Provavelmente, se eu estivesse lendo a Bíblia teria sido mais cauteloso com minha própria saúde. Teria identificado o agente secreto como um enviado de Satanás e veria o mal em cada um de seus atos insidiosos. Veria a mim mesmo como um soldado de Jeová, cuja luta contra o mal assentava-se em bases divinas. Pensando assim, eu perceberia haver muito mais em jogo que minha própria vida: o destino de toda civilização humana seria definido pelo resultado do embate psíquico. Era a luta do bem contra o mal. Porém eu estava muito distraído com outro livro. O ótimo "Problems in Higher Mathematics" de V. P. Minorsky – livro russo vertido para o inglês com 2570 problemas de Matemática Superior. Cheguei a resolver cerca de 200 ou 300 problemas deste livro em Eric Campos Bastos Guedes 95 O Povo Cego e as Farsas do Poder

minha estada na CRIL. Fazia isso para manter a proximidade com a Matemática, minha amante imortal por Jeová designada. *** Era noite e eu me deitei, fechei os olhos e tentei dormir, pouco depois de ter comido a tal maçã. Não conseguia, entretanto. Meus joelhos formigavam. Fiquei imóvel na cama, deitado de olhos fechados. O agente José Roberto Abreu me importunou jogando uma toalha sobre mim e retirando-a em seguida. Demorei anos para entender porque ele fizera isso. Ele estava verificando se eu já havia morrido. Percebi que havia algo na maçã que aceitei de J.R. Abreu. Disse isso aos demais ocupantes da enfermaria. Capixaba respondeu: “Na minha maçã não tinha nada”. O problema era só meu. J.R. Abreu e eu saímos do quarto e reclamei com ele sobre a maçã, acusando-o de ter posto algo nela. Então o agente disse ao enfermeiro Baú, que estava próximo: “Baú, o Eric está reclamando que não morreu”. O enfermeiro Baú olhou para mim, olhou de volta para José Roberto Abreu e respondeu: “Mas ele vai morrer”. Este era um indício forte de que Baú estava envolvido na conspiração. O cálculo do juro da taxa de 0,6% que Baú me pedira para fazer fazia sentido agora. Este era o juro médio da caderneta de poupança naquela época. Talvez ele estivesse planejando manter o dinheiro recebido para facilitar minha morte depositado para retirar o juro mensal. Passei a me sentir ainda muito mais angustiado. Raciocinei que mesmo que eu sobrevivesse um pouco mais, estava com meu tempo se esgotando. Até então eu tinha como certo que uma hora ou outra eu teria alta, e depois disso Vanda ou Márcia teriam que me tirar daquele inferno. Agora minha esperança se desfazia. Mesmo que eu saísse da clínica, estaria doente. Quem acreditaria na história da maçã? Comecei a imaginar com que doença eu estaria. Teria que ser algo que matasse com relativa rapidez, ou que me anulasse rapidamente, comprometendo minha capacidade de raciocínio e pensamento. Então não deveria ser AIDS ou sífilis, se é que se poderia contrair AIDS ou sífilis deste modo. Imaginei que sofria de cisticercose, já que é uma doença sem cura e que anula a inteligência do indivíduo, além de causar psicose e cegueira. Esta seria a solução perfeita para meus algozes. Eu morreria psicótico e imbecilizado numa clínica psiquiátrica. *** Poucos dias depois de fazer com que eu comesse a tal maçã infectada, J.R. Abreu despediu-se dos companheiros de enfermaria dizendo: “Meu trabalho aqui está terminado”. O plano agora era fazer com que eu morresse internado na CRIL. Sobre isso José Roberto Abreu comentou: “O esquecimento é o maior castigo” *** Ênio Pezão tentou fugir. Aproveitou a liberdade que tinha para sair de vez em quando para tentar escapar. O interno de nome Adão, um negro gordinho e de fala mansa passou a ocupar o lugar de Ênio em nossa enfermaria. O nome de Adão era motivo de chacota o tempo todo por parte dos demais companheiros de enfermaria. Isso ocorria devido a semelhança fonética entre a expressão “Eva e Adão”, de caráter teológico e a expressão “É viadão”, vulgar e pejorativa . Mas Adão levava na esportiva e não se aborrecia com a gozação dos colegas. Eu ficava a imaginar como seus pais puderam dar um tal nome a ele sem atinar para a possibilidade deste trocadilho infame. Eric Campos Bastos Guedes 96 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Acabaram recapturando Ênio na rodoviária de Bom Jesus de Itabapoana. Segundo soube, ele estava pedindo dinheiro às pessoas para completar o valor de sua passagem. Ao ser levado de volta para a CRIL, Ênio foi punido exemplarmente. Ficou uns 2 meses no inferno dantesco do pavilhão 4. Mesmo sendo alto, forte e sabendo se defender, Ênio Pezão retornou ao pavilhão 2 visivelmente abatido. Aparentava não ter dormido bem e seu humor era bem diferente do que tinha ao tentar a fuga. Haviam bolsas de pele rugosa sob seus olhos. Ênio estava mais na dele, menos expansivo e menos conversador. *** Minha companheira Márcia Regina me visitou muitas vezes e minha mãe me visitou algumas vezes. Nenhuma das duas assinou o termo de responsabilidade para me tirar da clínica, mesmo depois de meus insistentes pedidos. Elas foram absolutamente indiferentes ao meu sofrimento. Na verdade, divertiram-se com ele. Aproveitaram minha fragilidade para tripudiar. Ao mesmo tempo, agiram com uma correção irrepreensível aos olhos da sociedade. Ninguém ousou questioná-las, ninguém pôs sua conduta em dúvida, ninguém as criticou. De fato, elas não fizeram nada de ilegal ou imoral. Eu era o doido, o louco de pedra, o agressor, o anormal e sabe-se lá deus que outros qualificativos injuriosos minha família atribuiu ao meu nome. Por outro lado, minha mãe era uma cristã devota, uma professora competente e esposa exemplar. Ninguém via o monstro sob o manto da Virgem Maria. Eu mesmo fui enganado pela astúcia do demônio que habita sua alma.Isso explica porque tantos esquizofrênicos assassinam suas mães e familiares. Eles vivem sob o jugo de mães esquizofrenogênicas e em famílias que lhes impõem agressões emocionais. Uma pesquisa na Internet pelos termos “agressão emocional” e “alta emoção expressa” elucida bem o que ocorre. O esquizofrênico é produto de um meio familiar patológico. Ele sofre agressões emocionais de modo sistemático e dissimulado por parte de familiares. Quem observar superficialmente a família esquizofrenogênica, pensará que o problema está no membro dito esquizofrênico. Um exame mais cuidadoso mostrará, entretanto, que ele tem sido vítima de repetidas agressões emocionais por parte de seus familiares, e esse é o motivo de sua revolta – vez ou outra convertida em violência física. É por isso que os neurolépticos reduzem os sintomas da esquizofrenia. Eles fazem com que o “doente” não perceba as sutis ironias de seus pais, o deboche de seus irmãos, e as insinuações maldosas de suas tias. E quando há essa tal percepção, a irritação não emerge, sufocada pela apatia e passividade decorrentes do uso de psicofármacos. Além disso, ao ver o “doente” frustrado e abatido, os familiares sentem-se menos motivados a agredi-lo. Afinal, ninguém bate em cachorro morto. *** Ver alguém como realmente é, além dos papéis sociais que exerce, pode ser uma experiência deliciosamente encantadora ou tragicamente perturbadora. Depende do que encontrarmos sob as mascaras dessas pessoas. A experiência me mostrou que, pelo menos numericamente, Satanás está vencendo a guerra. A maioria das pessoas sabe fingir muito bem – quase o tempo todo. Elas aparentam serem algo que não são. Falam em honestidade, e praticam a insídia; elogiam a bondade e fazem o mal; aparentam ter conhecimento e são ignorantes; oram a Deus e pagam o dízimo à Lúcifer. Quando o Cristo reinar sobre todos os povos da Terra, ele porá, definitivamente, um fim nesse odioso espetáculo da mentira que oprime os filhos de Deus. Como será doloroso o inferno dos maus! Não os invejo nem um pouco por seu Eric Campos Bastos Guedes 97 O Povo Cego e as Farsas do Poder

sucesso aparente. Eles não tem noção do que os aguarda. Tanto melhor. A surpresa deles será grande, mas o paraíso dos verdadeiros cristãos será eterno. *** Certa vez estávamos assistindo TV quando o enfermeiro Jorsélio comentou com um sorriso: “Homem que não trai não é homem.” Fiquei sem saber o que pensar. Anos mais tarde lembrei as palavras que Jorsélio proferira ao ler uns versos de Rui Barbosa que ora transcrevo: De tanto ver triunfar as nulidades, De tanto ver prosperar a desonra, De tanto ver agigantar os poderes nas mãos dos maus O homem chega a desanimar-se da virtude A rir-se da honra, A ter vergonha de ser... ...Honesto A declaração sem máscaras do enfermeiro Jorsélio me fez rever os valores que havia alimentado até então. De fato, eu, que havia sido fiel a minha esposa, estava preso como esquizofrênico e desprezado por minha mulher, ao passo que o enfermeiro traía, gozava de liberdade e tinha, presumivelmente, os favores das mulheres. A conclusão que se segue é que o enaltecimento da fidelidade marital uma fraude. A sacralidade do conceito de fidelidade conjugal é um artifício concebido por pessoas mesquinhas para fornecer material de acusação contra os desafetos dos acusadores. Qualquer um que tenha um parceiro sexual declarado único – e isto deixa de fora padres, tias solteironas e libertinos – está sujeito a cometer adultério ou a ser vítima dele. Porém, quem tem juízo logo compreende que o infeliz que põe sua confiança em outras pessoas é um maldito imbecil. De fato, a Bíblia afirma: “infeliz do homem que põe sua confiança no homem”. Ninguém tem o direito de exigir fidelidade de um cônjuge, pois não podemos controlar o comportamento de outrem, quem quer que seja. Podemos, sim, ser fiéis por nossa própria escolha e firmar um acordo com nossos parceiros para que a fidelidade seja recíproca. Isso propiciaria mais segurança ao casal, evitando doenças venéreas e a consequente contaminação da prole. Porém jamais tal fidelidade recíproca pode ser exigida. Ela tem que ser sempre uma escolha da própria pessoa. Se não compreendemos isso, ficamos furiosos ou depressivos ao descobrir uma traição, ou nos sentimos culpados ao trair. Nenhum desses sentimentos – fúria, tristeza e culpa – é desejável. Se um marido descobre o adultério de sua esposa, deve pensar: “sou livre para procurar uma outra companheira, do mesmo modo que ela foi livre para me trair”. Este modo de proceder tem base bíblica, inclusive. Com efeito, o livro sagrado prevê a dissolução do enlace conjugal no caso de prostituição – e uma traição é considerada prostituição pela Bíblia. Caso escolha continuar com sua esposa, o marido deve pensar “sou livre para agir do mesmo modo que minha mulher e procurar uma amante” - afinal, segundo o pensamento vivo de Carlos Massa, o apresentador Ratinho, “corno que trai não é corno”. Ninguém deve sentir-se humilhado pela traição do cônjuge, porque todos estão sujeitos a isso e o homem que todos julgam ser feliz no casamento pode, na verdade, ser o marido de uma prostituta discreta que encobre sua conduta. ***

Eric Campos Bastos Guedes

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No ano de 2007 houve vários feriadões, e em cada um deles minha mãe veio me visitar. Antes para fazer figura de boa mãe perante a sociedade que por amor, amizade ou qualquer coisa do gênero. Certa vez ela levou meu tio Napoleão e sua filha Isabela para me visitarem. Soou como uma despedida. Algo como: “visitem ele agora que depois só no velório”. Foi constrangedor ser apresentado como um animal no zoológico ao meu tio Napoleão e à minha prima Isabela. Eles poderiam ter me tirado de lá, aconselhado minha mãe a me tirar ou qualquer coisa assim. Nada fizeram, entretanto. A salvação é mesmo individual. Não dá para contar com mãe, namorada, amigo nem com ninguém. As melhores pessoas só podem contar consigo mesmas. E algumas vezes nem mesmo com elas podem contar, mas somente com a misericórdia de Deus. Triste do homem que põe sua confiança no homem – eis uma grande verdade. *** Depois que J.R. Abreu foi embora minha situação melhorou muito. Consegui trocar algumas coisas que eu tinha por um pequeno armário portátil. Passei a guardar meu livro “Problems in Higher Mathematics” e demais objetos com mais segurança. Um outro interno, chamado Murilo, observou meu modo de proceder enquanto eu resolvia algumas questões de meu livro. Minha conduta digna me rendeu bons dividendos e fizemos amizade. Ele me disse que não sabia quanto tempo ficaria ali e que gostaria de fazer algo útil enquanto estivesse detido. Ele pediu um livro de matemática à sua mãe, para que pudesse estudar para algum concurso. Estudamos durante alguns dias, mas eu não estava muito animado para fazer isso. Estava mais preocupado com minha saúde e com minha liberdade. Mesmo assim Murilo encontrou em mim um amigo. Certa vez ele me disse: “Eric, quero morrer sendo seu amigo.” Fiquei sabendo muitas coisas curiosas sobre ele. Soube que seu padrasto era um militar de alta patente. Um brigadeiro da aeronáutica, se bem me lembro. Por ter um padrasto influente Murilo passou somente 10 dias na cadeia ao assassinar uma família inteira de evangélicos. Ele também me contou que fugira de outra clínica e que depois que saísse da CRIL, arranjaria um meio de me tirar de lá. Disse-me que pediria a uma garota para se fazer passar por uma prima minha, e assim, assinar o termo de responsabilidade que me devolveria a liberdade. Eu disse a ele que teria como arranjar R$10.000,00 como recompensa pelo feito. Ele respondeu que faria tudo de graça, por camaradagem, mas que o pessoal que ele ia arranjar para o serviço precisaria de alguma grana como incentivo. Embora eu não fizesse muita ideia de como conseguir dinheiro suficiente, achei que ao chegar ao apartamento de minha mãe, tudo seria providenciado. Naquela época eu ainda acreditava nas boas intenções de minha mãe. Ao se aproximar o dia de Murilo ir embora, no entanto, percebi que ele desistira da ideia. Ele passou a me evitar e notei que ele estava um tanto angustiado por não se sentir capaz de cumprir o que prometera. Por fim, eu mesmo achei a ideia da fuga inexequível, dada a hesitação de Murilo. Preferi desobrigá-lo desta tarefa e em vez disso pedi a ele que postasse no Orkut um texto em que eu pedia socorro denunciando toda a situação. Não sei dizer se ele chegou a fazer isso, mas se mostrou aliviado ao ver-se livre da tarefa de arquitetar minha fuga. Assim, nenhum de nós teve que desistir da amizade pelas imposições da realidade, e pudemos continuar amigos em nossas memórias. *** Os tipos que habitavam a Clínica Itabapoana eram interessantes o suficiente para Eric Campos Bastos Guedes 99 O Povo Cego e as Farsas do Poder

que os mencione, mesmo que an passant. Havia Manoel Silveira, um baixinho calvo e de voz grossa que escreveu a seguinte frase numa parede da clínica: “Cuidado com a morte”, assinando seu nome em baixo. Ele foi parar na CRIL depois de pôr fogo num botijão de gás e gritar para ele: “Explooooode! Explooooode!”. O botijão obedeceu, mas não sem que Manoel saísse correndo antes. Havia Geraldo, colega de Manoel Silveira, um tipo equilibrado, de pele branca e bigode que procurava ser útil e tinha boa oratória, sabendo contar piadas, e narrar acontecimentos de modo interessante. Também há que se mencionar César Batalha, colega de Manoel Silveira e Geraldo. Seu bordão era inesquecível: “Só fortalece a irmandade criminosa!” Era um dizer motivador de uso amplo, aplicado para incentivar as atitudes dos demais internos. Se alguém dissesse que iria jogar dominó, César Batalha logo bradava: “Jogar dominó só fortalece a irmandade criminosa!”; se alguém dissesse que iria jogar futebol o bordão logo se seguia: “Jogar futebol só fortalece a irmandade criminosa!”. Nós quatro – eu, Manoel Silveira, Geraldo e César Batalha – formávamos o núcleo diretor da enfermaria I. Eu era líder em outra enfermaria e fui convidado a ir para a I depois que um dos ocupantes dela recebeu alta e foi embora. Meu nome logo foi sugerido para ocupar o lugar vago: “Chama o Eric. Ele é maneiro”, disse Manoel Silveira. Os internos preferem escolher seus companheiros de quarto do que deixar que a vaga seja ocupada por uma pessoa qualquer. Fiquei satisfeito ao saber que haviam me escolhido. As pessoas acabam reconhecendo nosso bom comportamento. *** Dois irmãos negros e menores de idade foram internados na CRIL. Seus nomes eram Jackson e Jéferson. Era um absurdo internarem menores de idade numa clínica barra pesada como aquela. Mas aqueles irmãos não eram nada bobos e aparentavam saber se defender. Ainda que sua mentalidade fosse adulta, seus corpos eram infantis e por isso alegravam um pouco o ambiente. Comecei a imaginar que eles poderiam ser usados para me matar. Eles eram menores de idade e talvez a lei pesasse menos sobre eles. Se me matassem talvez fossem para a FEBEM e sairiam em alguns anos, após alcançarem a maioridade legal. Certa noite, enquanto eu tentava dormir, meus colegas decidiram jogar dominó na cama ao lado. Jackson sentou em minha cama para jogar também, mas ele estava me incomodando, não conseguia dormir com ele ali. Pedi para que saísse. “Se eu não sair você vai fazer o que?”, perguntou Jackson desafiador. “Não vou fazer nada. Você é que tem que sair”, respondi. “Você tá precisando tomar um comprimido de piruculina”, continuou. Foi meu limite. Sentei-me na cama e disse: “Vou jogar também”. “Não dá. O jogo já começou”, responderam meus amigos que jogavam. Então retruquei: “Vou jogar no lugar do Jackson”. Na mesma hora Jackson saiu da minha cama. Manoel Silveira disse com alguma admiração: “É... Você teve atitude.” Num lugar desses o respeito tem que ser conquistado através de atitudes inteligentes. *** Internou-se na CRIL um jovem chamado Murilo. Ele tinha pele branca, cabelos pretos, compridos e desgrenhados. Sua família levava várias coisas para ele: livros, tortas salgadas e doces, remédios caros de última geração, quentinhas com comida de boa qualidade etc. Internara-se na CRIL após ter passado várias noites em claro, drogando-se. Apesar de ser avesso ao uso de qualquer tipo de droga, lícita ou ilícita, fiz Eric Campos Bastos Guedes 100 O Povo Cego e as Farsas do Poder

uma boa amizade com ele. Muitas vezes Murilo repartiu comigo as refeições e tortas que a família lhe trouxera. Acabamos nos aproximando por sermos de classes sociais mais elevadas. Isso fazia com que tivéssemos preocupações em comum, como a faculdade, o estudo, a família etc. É claro que Baú não via nossa amizade com bons olhos, pois ela representava uma ameaça à conspiração que ocorria. E se o trato de Baú com José Roberto Abreu fosse descoberto? Se Murilo resolvesse me ajudar a sair da clínica eu poderia denunciar todo esquema e trazer a baila a conspiração. Ou poderia vingar-me de Baú pelas humilhações frequentes que ele me infligia. Murilo costumava vomitar a comida servida na CRIL, que era de péssima qualidade. Em quatro meses de internação só vi carne nas refeições uma ou duas vezes no máximo. Até feijão era difícil ver. O que víamos eram cascas de feijão e uma água escurecida que molhava o arroz e lembrava caldo de feijão. Por outro lado, serviam tomates. A ração da CRIL era basicamente arroz com tomate. Sem sal nem tempero, tampouco azeite. Durante visitas de inspeção a comida melhorava um pouco. O must da clínica era o café com pão servido à noite. Entrávamos numa fila comprida e modorrenta para a última refeição do dia. O cozinheiro distribuía o lanche dizendo: “Vamos lá! Vamos lá! A fila anda e a catraca gira!” O pão era sempre servido puro, sem manteiga ou qualquer coisa do gênero. Nossas refeições não eram humildes, mas sim humilhantes. Alguns internos comentavam que a lavagem dada aos porcos era melhor que a comida da CRIL. Se essa afirmação partisse de algum playboy, algum afortunado de classe média ou filhinho de papai, seria vista como um exagero de alguém que não conhece a realidade do Brasil. Entretanto, eram pessoas simples e humildes que se queixavam da comida. E o estômago delicado de Murilo confirmava com vômitos frequentes a afirmação dos colegas. Murilo me contou que sua avó era tão rica que comprou o terreno para que se construísse a igreja da cidade. Ele viera de família endinheirada e tradicional, mas seu futuro era incerto. Meteu-se com drogas, como o êxtase e fazia uso rotineiro de antipsicóticos. A ideia que ele tinha de ficar de cara limpa era parar de usar drogas sintéticas. Seu trabalho era uma fachada para encobrir uma vida desregrada e a faculdade que cursava – Ciências Ambientais – servia para nutrir a expectativa da pretensa intelectualidade que a sociedade exigia. Certo dia Murilo disse que dois internos haviam sido pegos comendo outro que era retardado mental. Foi um na boca e o outro por trás, segundo fiquei sabendo. “Foi nessa enfermaria aí”, disse Murilo. “Peraí, essa é minha enfermaria! Como é que não vi nada?”, questionei. Fiquei sabendo que o incidente havia sido no banheiro, pela manhã, quando eu provavelmente estava dormindo. Os envolvidos foram punidos com uma injeção de haloperidol que os manteve dopados por várias horas na cama. Eu estava sem manter relações sexuais já há 7 meses, desde que haviam me internado em Santa Catarina. É preciso coragem para admitir que há situações em que coisas bastante distantes de nosso modo de agir nos passam na cabeça. Comecei a sentir falta de uma boa trepada. Queria sentir que estava no controle, dominando algo ou alguém. Sabendo que o tal oligofrênico havia sido possuído, imaginei, por alguns momentos apenas, que eu também poderia violentá-lo. Não devia ser muito difícil. Eu o cercaria no banheiro, exigindo que me servisse. Então o penetraria com força, sádica e impiedosamente, falando coisas feias. Provavelmente ele facilitaria tudo, por já ter feito isso antes e por ser um imbecil. Recusei tal coisa, entretanto, pois ainda me restava algum orgulho de ser heterossexual e de contrariar as expectativas de meus detratores. Além disso, Geraldo tomara para si a responsabilidade de cuidar do tal retardado, zelando por seu bem estar. Eu não gostaria de entrar em atrito com Geraldo, nem de ser mal visto Eric Campos Bastos Guedes 101 O Povo Cego e as Farsas do Poder

pelos meus outros companheiros de enfermaria. Seria impossível esconder tal fato dos demais internos. *** Devido ao meu elevado nível cultural, acabei chamando a atenção de Leonardo, psicólogo da Clínica de Repouso Itabapoana LTDA. Ele percebeu através do que eu fazia e do que eu dizia que meu caso não era de internação. Entendendo que valia a pena investir em mim, passou a mostrar interesse pela minha problemática. Falei a ele de minhas premiações em Olimpíadas de Matemática, dos artigos que havia publicado, de meu livro etc. Disse também que tudo poderia ser confirmado pela Internet e pedi a ele que localizasse na grande rede algumas pessoas que poderiam dar informações a meu respeito ou me ajudar de algum modo. Eram ex-professores meus da UFF que talvez se lembrassem de mim pelo meu excelente desempenho acadêmico. Ele localizou vários desses professores através de uma procura em buscadores e mandou e-mails para eles. A professora Cibele Vinagre, de quem eu havia sido o melhor aluno de Álgebra há 11 anos atrás, ainda se lembrava de mim e respondeu o e-mail de Leonardo de modo, parece-me, muito favorável. Ela deve ter sido a única que respondeu. Posso dizer que ter me empenhado com afinco no estudo de Álgebra foi fundamental para que Cibele tivesse uma postura francamente favorável a mim. Isto motivou o psicólogo Leonardo a me ajudar. Ele tinha discernimento suficiente para perceber que eu não era mais um e reconheceu meu valor, do mesmo modo que Cibele. Leonardo era um sujeito consciente e que se importava com as pessoas. Ele estava ali para atuar, fazer a diferença, não para simplesmente receber o salário no fim do mês, como a maioria das pessoas. Leonardo era uma total exceção à regra vigente, como pude constatar. Ele me deu dicas valiosas e, creio, intercedeu por mim junto aos manda-chuvas da CRIL. Fazer parte da rede, inclusive do Orkut, também me ajudou muito. Devo minha vida à professora Cibele, ao psicólogo Leonardo e ao Orkut, instrumentos que Deus Jeová utilizou para me livrar de meus inimigos. *** A situação na CRIL melhorou depois que algumas belas universitárias passaram a nos dar aulas num espaço que separaram para isso. Acabei gostando de uma dessas meninas. Ela se chamava Katienny e cursava a faculdade de biologia. Quando eu soube que uma das matérias que ela estudava era cálculo, logo mostrei algum conhecimento a respeito. Passei uns bilhetinhos para ela, dizendo meu nome, pedindo que me ajudasse pela Internet, contatando pessoas, postando mensagens para meus conhecidos no Orkut e coisas assim. Buscando por meu nome na Internet, Katienny logo simpatizou comigo. Meu nome aparecia no Google mais de mil vezes, entre premiações, artigos publicados, resultados de concursos, e-mails arquivados e opiniões publicadas no Yahoo!Respostas. O Google pode dizer muito a respeito de alguém. Katienny tinha pele branca e um narizinho engraçado que eu gostava muito. Sua postura era de crítica e auto-crítica. Logo em sua primeira aula ela disse que não gostava do próprio nome. Penso que talvez ela achasse o nome “Katienny” um tanto diferente e próprio para moças mais liberais. Eu, por outro lado, adorei seu nome e pensava muito nela. Queria possuí-la, amá-la. Fantasiei situações sensuais com ela, cheguei ao êxtase pensando nela. Tudo teria sido muito bom se minha má reputação na clínica – sem correspondência com a realidade – não tivesse chegado ao seu conhecimento, razão pela Eric Campos Bastos Guedes 102 O Povo Cego e as Farsas do Poder

qual ela se afastou. Não sei que tipo de coisas falaram a meu respeito para aquela menina, mas percebi que ela mudara o modo como me tratava. Katienny passou a ficar visivelmente perturbada com minha presença. Não a via mais sorrindo, em vez disso ficava séria, sisuda. Mesmo com minha imagem manchada, as professorinhas não eram indiferentes a meu respeito. Uma delas, de quem não lembro o nome, disse que teve um pesadelo comigo e com os bilhetinhos que eu passava. Mesmo assim não desisti de ter Katienny para mim. Escrevi um bilhete inspirado onde eu declarava meu amor por ela, falava de Kurt Gödel e Alan Turing e concluía sugerindo que deveríamos ficar juntos porque o resto da humanidade estava perdida e nós eramos dois exemplares férteis, de sexos diferentes e com genótipos de alta qualidade. Não pude entregar o bilhete, entretanto, pois o destino nos separou definitivamente antes que eu tivesse essa oportunidade. *** Deus quis que eu fosse liberto. E foi numa manhã de sol que me chamaram, dizendo a mim que arrumasse meus pertences. Baú me pareceu ficar levemente tenso. Ele disse: “Se eu não te levar lá fora você não sai não”. Enquanto arrumava minhas coisas para sair e perto do portão do pavilhão 2, recebi as felicitações de meus companheiros de internação. Inclusive os cumprimentos respeitosos de Ênio Pezão e de Fiel (Fiel era um interno jovem, branco, boa pinta e que estava sempre ouvindo a Banda Calypso no radiozinho que trazia consigo – tinha uma tatuagem grande escrito “Fiel” e outra também grande de Nossa Senhora). Minha companheira me esperava do lado de fora do pavilhão, contrariada. A assistente social veio conversar conosco e disse que eu estava de alta e que Márcia podia me levar para casa. Minha companheira mostrou uma má vontade muito grande em me tirar da CRIL. Eu, percebendo isso, tratei de me empenhar em mostrar o melhor comportamento possível. Antes de sair, fomos levados à presença do psicólogo Leonardo, que falou em coisas como “resignificar experiências” e minha “companheira” falou coisas como esse-filho-da-puta-pôs-fogo-em-mim-enquanto-eu-dormia-aqui-minhas-cicatrizes-ó. “Você fez isso, Eric?”, perguntou Leonardo estupefato. Eu respondi que ela se queimou enquanto cozinhava. *** Minha visibilidade na Internet contribuiu, provavelmente, para minha saída da Clínica de Repouso Itabapoana. Minha franca atuação na word wide web e no Orkut e meu notório e amplo saber matemático talvez tenham despertado a virtude da prudência no administrador da CRIL. A possibilidade de um escândalo na mídia de massa com minha eventual morte era muito pequena, mas era um risco que efetivamente existia. E isso poderia traduzir-se em grandes perdas financeiras para a clínica. E viva o capitalismo! *** Assim que pus os pés fora da CRIL quis ir para Araruama, para o apartamento de minha mãe. Mas Márcia pensava diferente. Como eu relutei em voltar com ela para Santa Maria, Eric Campos Bastos Guedes 103 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Márcia chamou um policial militar que estava próximo e ameaçou mandar o PM me levar de volta a clínica caso eu a desobedecesse. O PM confirmou que se eu não a obedecesse ele me levaria de volta para a CRIL. Fiquei indignado. Eu me tornara um escravo das vontades fúteis de minha própria mulher. Argumentei que haviam pessoas que queriam me matar, e que por isso Santa Maria não era um lugar seguro para mim. Márcia retorquiu, dizendo que se isso fosse verdade eu já estaria morto, já que em Bom Jesus havia matadores cobrando a irrisória quantia de R$50,00 para mandar alguém para a cidade dos pés juntos. Preferi não discutir. Ela não entenderia que as pessoas que queriam minha morte não pagariam R$50,00 por um serviço porco e descuidado, que teria a possibilidade, mesmo que mínima de ser elucidado. Quem conspirava contra mim era suficientemente poderoso e influente para poder mobilizar quantias muito maiores que possibilitassem criar toda uma estrutura que lhe desse a segurança de jamais ser descoberto. *** Após deixar a CRIL, fomos para a casa Dona Lúcia, minha sogra. Uma das primeiras coisas que fiz foi ir a uma Lan House buscar informações sobre a cisticercose. Descobri que o tempo entre a ingesta dos ovos de tênia e o aparecimento dos sintomas, poderia ser de 15 dias ou 40 anos. Alguns casos de cisticercose poderiam ser sanados por cirurgia, mas nem todos. Alguns dos sintomas eram psicose, demência, cegueira e sono em excesso. Também descobri na Lan House que o vermífugo praziquantel era o mais indicado para evitar a cisticercose. Ele era comercializado com o nome de Cestox. Eu teria que agir rapidamente se quisesse sobreviver. Procurei o Cestox na farmácia de Santa Maria, mas não o encontrei lá. Também estava complicado marcar uma consulta com o médico para que ele me avaliasse e sugerisse um tratamento. As consultas seriam em Campos ou em Bom Jesus, mas minha esposa Márcia Regina não poderia me acompanhar. Ela estava mais preocupada em farrear, encontrar-se com seu amante e cuidar de um bar do qual havia se tornado sócia. Passava o dia todo na rua. Por outro lado, eu não conhecia nem Bom Jesus nem Campos dos Goytacazes. E dopado do jeito que me encontrava, não seria possível ir às consultas nessas cidades. Era uma sinuca de bico. *** Neste ínterim percebi algo que já ocorria há algum tempo, mas que julgara erroneamente ser coincidência ou efeito adverso do Haloperidol ou do Clonazepam. Que as pessoas de poder influenciam populações através da TV, é fato conhecido e já bem aceito. A grande novidade é que pessoas influentes podem, também, alterar a programação da TV pontualmente, fazendo com que apenas um número pequeno de pessoas assista na TV o que "eles" querem. Deste modo são capazes de atingir algumas pessoas apenas, preservando as demais. Percebi isso na Clínica Santa Catarina, na Clínica de Repouso ltabapoana e na casa de minha sogra. Mais tarde descobri que existe um aparelho muito comum que possibilita isso. Chama-se videolink. A noite, na casa de minha sogra, o jornal televisivo passou várias notícias seguidas sobre assassinatos dos mais diversos tipos. A cada notícia de morte seguia-se outra igualmente sangrenta. Foi bastante estranho, não me lembro de ter visto algo assim antes. Contei as notícias consecutivas de homicídios e mortes violentas. Foram seis entre um comercial e outro. Não se tratava do conhecido “Linha Direta”, cujo tema central gira Eric Campos Bastos Guedes 104 O Povo Cego e as Farsas do Poder

em torno de mortes violentas, tampouco era algum programa similar. Tratava-se de um jornal comum. Me enganei ao pensar que os intervalos proporcionariam coisa diversa. Eles também mostravam violência, como quando anunciaram "A Supremacia Bourne" no intervalo do telejornal. Pior para eles. Eu seria o agente Bourne que buscaria respostas e confrontaria o poder tirânico dos principados deste mundo. No dia seguinte, de manhãzinha, passou “A Família Monstro” na programação infantil matutina. Depois passou uma comédia onde o protagonista fazia o papel de um cadáver com uma faca cravada na cabeça. E assim eram os programas televisivos, todos eles, um após outro sem exceção. Não se tratava de alucinação ou delírio, pois naquela época eu estava bem medicado, com uma dose alta de haloperidol, medicação que tem a função de suprimir delírios e alucinações. Pelo menos é isso que afirma o saber médico e o as bulas das drogas psiquiátricas. Porém, minha experiência começara a indicar que os antipsicóticos – como o haloperidol – eram, na verdade, a causa dos delírios e alucinações. E quando elas ocorriam, uma dose maior era receitada. Após um período de remissão os delírios e alucinações voltavam e a dose era aumentada ainda mais, num círculo vicioso que levava à morte ou à imbecilidade de uma lobotomia química. *** Percebi que teria que fugir. Caso contrário me mandariam, mais cedo ou mais tarde, novamente para a CRIL. Além disso eu precisava me tratar, coisa que seria difícil se continuasse em Santa Maria. Nos dias que se seguiram saí da casa de minha sogra e voltei para a minha própria casa. Numa segunda-feira pela manhã fui ao local onde se compravam passagens, uma padaria. Ela estava fechada, entretanto. Talvez não abrisse nas segundas-feiras, pensei. Então me dirigi à casa de minha sogra e, perguntei se as padarias deixavam de funcionar nas segundas-feiras, como os bares (o bar de minha esposa não funcionava nas segundas). Dona Lúcia disse que não, a padaria deveria abrir mais tarde. Retornei a minha própria residência e recebi a ligação de minha sogra que disse ter desconfiado que eu queria fugir. Ela disse também que ligara para a padaria pedindo à funcionaria para não vender nenhuma passagem para mim. Então pensei "Ou vai ou racha, agora sim tenho que ir mesmo". Me dirigi a padaria sem saber bem o que fazer. Se a funcionária não me vendesse a passagem eu não poderia fazer nada. Se insistisse, poderia ser internado novamente. Mas se queremos algo, temos que nos arriscar para conseguir. Então fui para lá. Quando estava quase chegando na padaria surgiu, do nada, uma van indo para Bom Jesus do ltabapoana. “Passa na rodoviária de Bom Jesus?”, perguntei. “Passa perto”, respondeu o motorista. A passagem custava R$5,00. Quando chegamos a Bom Jesus ofereci mais R$2,00 para que o motorista me deixasse em frente a rodoviária. Foi o que ele fez, embora tenha recusado o dinheiro. Eram quase quatro horas da tarde e não havia nenhum ônibus que fosse para Araruama. Porém, havia um que ia para Cabo Frio, uma cidade próxima de onde poderia pegar outra condução para chegar a Araruama, onde residia minha mãe. Minha vontade era ter ido para Niterói, mas eu não tinha as chaves de minha casa lá. Também não sabia qual a situação do imóvel. Talvez ele tivesse sido alugado ou coisa assim. Comprei a passagem para o próximo ônibus que seguiria para Cabo Frio. Ele sairia às 16:30hs. Foi uma espera torturante. Lembrei que Ênio Pezão havia sido recapturado naquela rodoviária, tendo sido mandado para o inferno do pavilhão 4. Tive medo. Imaginava Márcia surgindo de repente, numa ambulância ou num carro de polícia, acompanhada por Eric Campos Bastos Guedes 105 O Povo Cego e as Farsas do Poder

brutamontes que me levariam de volta a CRIL. Pensei que seria desejável encobrir ainda mais meu rastro. Se dali eu fosse para outra cidade antes de ir para Araruama, ninguém me encontraria. Fui ao ponto de táxi e perguntei quanto cobrariam por uma viagem até Campos dos Goytacazes. Falaram em R$150,00, mas se pagasse tal quantia a eles, não teria dinheiro suficiente para chegar a Araruama. Reduziram para R$120,00, que também estava fora de minhas possibilidades. Só me restou esperar. O ônibus chegou e logo entrei. No inicio pensei que tudo seria bem mais fácil do que realmente foi. A medida que viajávamos notei pessoas estranhas no meu encalço. Uma das poltronas que estavam disponíveis para a viagem quando comprei minha passagem passou a ser ocupada por um sujeito suspeito. Num certo momento percebi que ele, falando ao celular, disse: “Eu estou aqui numa missão”; então fez uma pausa e completou: “Quatrocentos mil”. Parece que o preço por minha cabeça havia subido. Talvez a esposa dele quisesse saber onde ele estava, daí ele respondeu que estava numa missão; então ela perguntou o valor da missão e ele respondeu “Quatrocentos mil”. Dificilmente se poderia interpretar este trecho da conversa dele de outro modo. Fiquei apreensivo. Haviam agentes no ônibus e provavelmente outros me aguardavam em Cabo Frio. Talvez fosse bom descer em outra cidade, para despistar os agentes. No último ponto antes de Cabo Frio surgiu a oportunidade de saltar antes. Já havia escurecido e o ônibus parou numa rodoviária pequena e deserta. Eu não sabia se havia carros para Araruama partindo daquela rodoviária. Fui até a parte da frente do ônibus procurar me informar. Levantei esse questionamento a uma senhora e antes que ela pudesse responder, um sujeito próximo, com um sorriso estranho, forçado, logo sugeriu que eu descesse do ônibus ali mesmo, dizendo que seria muito fácil comprar uma passagem para Araruama naquela rodoviária. Um senhor um pouco mais velho logo apareceu reforçando tudo o que o sorridente disse: havia ônibus para Araruama, seria tudo muito fácil, eu poderia comprar a passagem ali pertinho etc. Então perguntei: “Mas qual é a rodoviária mais movimentada, essa ou a de Cabo Frio?” – meus interlocutores evitaram a pergunta saindo pela tangente e insistindo para que eu descesse ali mesmo. Então a senhora a quem eu havia me dirigido pouco antes disse : "É claro que a rodoviária de Cabo Frio é mais movimentada. Afinal, é a rodoviária de Cabo Frio!", disse ela como se tal fato fosse de conhecimento geral. Quer dizer, qualquer um sabia que a rodoviária de Cabo era mais movimentada. Somente uma pessoa que estivesse muito atenta e próxima da cena poderia imaginar que houvesse algo estranho com aqueles sujeitos. Eles não eram naturais. Estavam atuando, representando. A artificialidade ficou patente e eu percebi que corria perigo. Fiquei mais alerta. Voltei ao meu assento e desci em Cabo Frio. Fui ao ponto de táxi, certo de que não poderia pegar o primeiro carro da fila – seria previsível demais. O primeiro taxista que abordei pediu um adiantamento para pagar o combustível. Ele também disse que uma viagem até Araruama custaria entre R$60,00 e R$70,00. Decidi procurar outro táxi. No segundo carro a conversa foi a mesma, procurei outro táxi. Por fim, um taxista que atendia pelo nome de Pereira topou fazer a viagem para receber o pagamento no final. Ele era obeso e tinha pele branca. Conversamos durante o trajeto e fiquei sabendo que Pereira era Evangélico. Sintonizou uma rádio cristã e fomos ouvindo as palavras do bispo Edir Macedo durante a viagem. Isso foi na noite do dia 8 para o dia 9 de outubro de 2007. *** Ao chegarmos a Araruama, pedi a Pereira que aguardasse com o taxímetro ligado até que eu conseguisse entrar no prédio. Interfonei para o apartamento de minha mãezinha Eric Campos Bastos Guedes 106 O Povo Cego e as Farsas do Poder

querida. Disse que eu estava ali na entrada do prédio, sem ter para onde ir e com pouco dinheiro. Era meia-noite e meia e as ruas estavam desertas. A cristã exemplar desligou o interfone. Ela não parecia disposta a conversar. Liguei novamente, mas a competente professora havia posto o interfone fora do gancho. Então fui a um orelhão na esquina e liguei para ela com um cartão telefônico. A serva amada de deus atendeu a primeira ligação e desligou, ignorando as seguintes. Como Vanda recusava minhas ligações telefônicas, resolvi interfonar para ela novamente, dessa vez acompanhado do taxista Pereira. Conversamos, e finalmente ela desceu para falar comigo. Pereira estava próximo assistindo toda a cena ignóbil. Vanda não quis mandar o filho embora na presença de uma testemunha, então ela abriu o portão do prédio e eu entrei. A presença do taxista foi suficiente para fazer com que Vanda abrisse o portão do prédio, pois ela tem uma grande preocupação com o que vão dizer ou pensar dela. Seu catolicismo vazio, baseado em aparências, transformou-a numa criatura repugnante, uma serva legítima de Satanás. No térreo, Vanda tentou me convencer a ir para a casa de Diva – uma amiga dela – naquela noite. Definitivamente ela não me queria em seu apartamento. Insisti para que subíssemos, já que estava de madrugada e eu havia viajado a noite toda e precisava descansar. Ela ficou apavorada de um jeito que eu nunca tinha visto ela ficar em toda minha vida. O ser humano é mesmo uma caixinha de surpresas. Coração dos outros é terra que ninguém pisa. Vanda também mostrou-se agressiva e desesperada. Me fez orar por várias horas com ela e não pude negar, pois dependia totalmente dela na ocasião, e estava por isso sujeito a seu sacro-sadismo doentio. Não tenho nada contra orações. Até faço as minhas próprias regularmente. Mas, definitivamente, o momento não pedia aquelas 4 horas de oração que fizemos. Eu havia viajado a tarde inteira, a noite toda, tinha sido perseguido por pessoas que queriam me matar, estava exausto e faminto e mesmo assim minha mãe me obrigou a orar por várias horas antes que eu pudesse me alimentar, dormir ou tomar um banho. Não há limites para a maldade que as pessoas podem fazer se não forem punidas. Eu insistia em subir e Vanda ficava cada vez mais nervosa. Desnorteada, tropeçou num canteiro do prédio e caiu de boca no chão, machucando os beiços e as canelas. Fomos ao pronto socorro. Ela não quebrou nada e nem precisou de ponto, a médica só disse que deveria por gelo. Percebi a presença de PM's no local, o que me assustou. Afinal minha mãe era a dona do apartamento e poderia alegar que eu a estava coagindo. Afinal, não havia, perante qualquer PM truculento, um motivo legal que fizesse com que minha mãe tivesse que me aceitar em sua residência. Ela deu o número de telefone errado para a atendente, final 0508, quando o correto era o final 0501. Eu a corrigi de pronto. Uma conhecida dela que presenciou a cena e ficou desconfiada que algo estava errado. Note o leitor que o final 0508 poderia ser um código, afinal, 5x8=40, quer dizer, ferrou geral. Ao Voltarmos para o prédio ficamos orando e discutindo sobre se eu subiria ou não para o apartamento. Ela disse estar sem a chave do apartamento. Disse que meu padrasto é que tinha a chave e que ele não abriria a porta para que eu entrasse. Essa foi a desculpa dela até de manhã, quando seu esposo Alcemir Lourenço de Souza, meu padrasto, nos encontrou no térreo ao sair para sua visita etílica matutina ao bar mais próximo. Diante da cena ridícula, que beirava o absurdo, minha mãe permitiu que eu subisse para o apartamento. Eram cerca de 08:30hs da manhã do dia 09/10/2007 quando finalmente consegui adentrar na residência. Naquela manhã falei com meu irmão e com meu padrasto sobre as dificuldades pelas quais passei e sobre a presumível morte de Roberto. Tais colocações foram recebidas sem muito alarde por meu padrasto, e com a Eric Campos Bastos Guedes 107 O Povo Cego e as Farsas do Poder

total indiferença de meu irmão. Ele tinha uma fisionomia de arrogante desprezo, que nunca havia visto nele. No dia seguinte viajou sob o pretexto de estudar para um concurso público para o qual se preparava já havia alguns meses. *** No dia seguinte, após ter me alimentado, dormido e tomado um banho, visitei algumas farmácias procurando o vermífugo Cestox. Liguei para a UNIMED, meu plano de saúde, e me informei sobre a dose e frequência com que deveria tomar os comprimidos para tratar a cisticercose. Expliquei a situação para a atendente, falei sobre a maçã contaminada e ela confirmou que era possível preparar uma maçã desse modo, com ovos de tênia. Fiz uma tomografia computadorizada do crânio. O clínico verificou que a imagem de meu cérebro tinha um aspecto granuloso. Este era um sinal da cisticercose, conforme eu já havia me informado pela Internet. O médico foi confirmar com o especialista se havia algo de errado comigo ou não. Ele foi sério e voltou rindo e dizendo que eu não tinha nada. Fiquei com a pulga atrás da orelha. Porque a tomografia mostrava meu cérebro com um aspecto granuloso? Esta informação me foi negada. Decidi tomar 4 comprimidos de Cestox de 12 em 12 horas durante 3 dias, conforme as instruções da médica da UNIMED. Não sei se eu tinha alguma coisa, mas depois deste tratamento com o Cestox passei a me sentir melhor. É claro que isso poderia ser efeito placebo. *** Pouco tempo depois recebi o telefonema da UNIMED dizendo que eu não poderia pedir nenhum tipo de auxílio telefônico a eles, já que meu plano de saúde era de Niterói e eu estava em Araruama. Achei isso muito estranho. Porque se importariam em ligar para mim? E porque eu não poderia ter o auxílio médico pelo telefone? Aquilo não fazia sentido. *** Fiquei cerca de um mês em Araruama. Mas lá não era meu lugar e os donos do apartamento me lembravam disso com frequência, dizendo: “Você não está na sua casa”. Não me sentia bem com isso. Quem se sentiria? Ao mesmo tempo Vanda dificultava minha ida para Niterói. Ela se negava a me dar as chaves de casa, tanto as de Araruama quanto as de Niterói. Meu irmão tinha as chaves do apartamento, presumivelmente. Porque eu também não podia ter? Decidi pegar meu dinheiro no Banco do Brasil e voltar para Niterói. Descobri que ela sacara parte de minha pensão para uso próprio. Então pedi meu cartão do Banco do Brasil de volta, para que eu pudesse voltar para Niterói e pagar minhas próprias contas. Ela me devolveu o cartão e eu peguei o ônibus para Niterói. Mas não sem antes ouvir ela ameaçar me desinterditar, fazendo assim com que eu perdesse o benefício financeiro da pensão. *** A viagem para Niterói foi tranquila. Não identifiquei agentes no meu encalço. Uma imobiliária estava com as chaves de minha residência, a fim de alugá-la. Ao Eric Campos Bastos Guedes 108 O Povo Cego e as Farsas do Poder

chegar no terminal rodoviário, liguei para Vanda e pedi que ela entrasse em contato com a imobiliária para que eles me dessem a chave de minha casa. Ela se negou categoricamente. Fui até a imobiliária e expliquei a situação. Eles pediram que eu assinasse um documento para reaver a chave. Foi fácil. Então fui para casa. Ao chegar lá deparei com o cenário já aguardado. Não havia móveis nem lâmpadas, os interruptores não funcionavam e a casa estava muito suja. No primeiro dia comprei um colchão, coberta e lâmpadas. Depois tudo começou a ficar mais fácil. Eu ia me arrumando aos poucos, afinal, tinha o dinheiro da pensão. Pouco tempo depois reatei meu relacionamento com Márcia, que estava carente, isto é, sem dinheiro. Eu precisava dela, havia muitas coisas minhas em Santa Maria ainda: livros, computador, documentos etc. Banquei o estrategista e aceitei ela de volta. *** Desde que cheguei a Niterói passei a denunciar o assassinato de Roberto, mas sem nenhum sucesso. Fui a polícia federal e eles alegaram que não investigavam homicídios e me sugeriram ir à polícia civil. Foi o que fiz. Fui à 77ª DP na rua Lemos cunha, perto de onde moro, e eles falaram que a denúncia teria que ser feita no local onde ocorreu o crime. Mas isto foi em São Gonçalo – um lugar notoriamente perigoso, onde grassa a criminalidade. Seria muito fácil para meus oponentes me matarem a distância e dizer que foi bala perdida. Ou até mesmo simular um assalto. Ninguém ia estranhar ou se incomodar muito com uma morte lá por aquelas bandas. Já em Icaraí, onde moro, área nobre de uma cidade nobre, um crime dessa natureza poderia fazer os empreiteiros e construtores terem um grande prejuízo. Haveria uma desvalorização dos terrenos o que não combinaria com a atual onda de exploração imobiliária nessa região. Afinal, ninguém quer morar numa área onde há homicídios. Liguei para o disque denúncia, mas fui informado que eu teria que procurar uma polícia investigativa, e não eles. Fui até um orelhão e liguei para a polícia militar, no 190. Expliquei a situação e perguntei como proceder. A atendente informou que eu deveria fazer a denúncia no departamento de polícia mais próximo a minha residência. Fiquei feliz com isso e pedi para que confirmassem que eu tinha o direito de fazer a denúncia nas proximidades de minha residência, e não necessariamente na DP da localidade da ocorrência, mas tal confirmação me foi negada. A atendente disse, então, que eu deveria fazer a reclamação na delegacia de São Gonçalo, onde ocorrera o crime. Eu expliquei que não conhecia São Gonçalo e também não tinha carro e que por esse motivo seria difícil e perigoso para mim fazer a denúncia lá. Perguntei se eles poderiam me escoltar até lá, eles disseram que não e, sem me darem chance de argumentar, desligaram o telefone. Foi frustrante, mas não desisti. O absurdo da coisa toda não era nem o presumível homicídio ocorrido, mas a impossibilidade de denunciá-lo. Se não se pode denunciar o governo como autor de um assassinato, então o governo pode mandar matar quantas pessoas quiser, pois não sofrerá nenhuma punição. De fato, a grande mídia alardeia as falcatruas do governo o tempo inteiro. Nossos políticos roubam despudoradamente, sem punição. Mas a denúncia da mídia centra-se no desvio de dinheiro. Ora, caro leitor! Ladrão, ladrão e meio! Um assaltante é um homicida habitual, que não hesita em puxar o gatilho – quem rouba sem punição, também mata impunemente! E se a impunidade protege o político corrupto e ladrão, protege também o homicida. *** Eric Campos Bastos Guedes 109 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Naquela época eu era sacerdote da V.I.D.A., Verdadeira Igreja da Divindade Axiomática – uma comunidade no Orkut dedicada ao louvor do que acreditavam eles ser a grande deusa Matemática. Pedi uma ajuda para os demais membros da igreja. O líder, auto-intitulado Dr. Clandestino, me passou o link para um site onde eu poderia fazer a denúncia. Era o site do ministério público de São Paulo. Mandei a denúncia ao ministério público, com meu telefone, e-mail, endereço, telefone de pessoas próximas etc. Fui dormir bastante tarde aquela noite. De manhã fui acordado ao som de um helicóptero, que passou por cima de minha casa. Nos dias que se seguiram, pude constatar que a ocorrência rara e eventual de helicópteros sobrevoando minha residência transformou-se num fato que se repetia todos os dias, de modo perturbador. Diariamente passavam helicópteros por perto, e algumas vezes aviões a jato. O ministério público jamais me procurou. Isto traduz bem o quanto o governo está preocupado com a vida dos cidadãos. O comportamento é o espelho do caráter. *** No dia 4 de março de 2008 me separei de Márcia novamente, após uma terrível discussão. Ela não acreditava em mim quando eu falava no assassinato de Roberto, na perseguição que sofri, nos agentes no meu encalço etc. Por outro lado, eu pensava que ela estava escondendo algo. Nós brigamos por causa disso. O estopim daquela nossa separação ocorreu quando Márcia declarou desesperada “Eu vou me armar!”, indo em direção a cozinha, presumivelmente pegar uma faca. Fugi para a rua, desesperado. Chamei a polícia e tentei abrigar-me por alguns momentos na casa de Álvaro, um paraplégico com quem tenho alguma amizade já há muitos anos, mas ele se negou a me receber. Tive medo da polícia me conduzir para uma internação involuntária. Quando a PM chegou, eles garantiram minha segurança e a saída de Márcia de minha residência. Ela foi para a casa de uma vizinha amiga, Dona Marina Keller. É claro que eu não comentei a denúncia que tinha para fazer com aqueles policiais. Eu teria sido taxado de louco e internado. *** Nos dias que se seguiram, continuei não tendo êxito em tentar fazer a denúncia na polícia. Recorri ao Orkut, então. Postei o que sabia em algumas comunidades. Postei a denúncia numa comunidade que reunia a polícia de São Paulo e também em outra que tinha exatamente essa finalidade: fazer denúncias. Expus o caso aos amigos da comunidade “Entender a Esquizofrenia”. Nesta última, me disseram: “Mortos não falam”, acho que isso assustou alguns participantes, mas eu já tinha me acostumado com este tipo de coisa. A ideia da morte já não me assustava tanto. Na comunidade de policiais minha denúncia foi muito mal recebida. Inclusive com uma ameaça de morte postada na minha página de recados. Dei queixa desta ameaça na 77ªDP, que repassou o caso para a DRCI – Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática, localizada na cidade do Rio de Janeiro. Postei na Internet meu endereço completo e meu telefone mas ninguém apareceu para verificar minha história ou ajudar. Ao contrário, apareceram uns tipos estranhos nas proximidades de minha residência. Eles olhavam para mim como se me conhecessem. Deviam ser agentes da ABIN, pois caso contrário não me reconheceriam, já que minha foto não estava na Internet. Eric Campos Bastos Guedes 110 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Iniciei um pequeno relato diário, o qual transcrevo abaixo: 05/03/2008 – Quarta-feira, 10:57hs “Possivelmente, grampearam meu telefone. Talvez forjem gravações com minha voz a partir de trechos gravados de conversas minhas ao telefone. Aí eles podem “remendar” minhas falas e exibir na TV como se eu tivesse falado coisas absurdas, cometido crimes etc. Meu celular e meu telefone não são mais seguros. Possivelmente eles estão gravando minhas conversas. Parece-me que o orelhão próximo ao Centrocardio também está sendo vigiado. Existem pessoas estranhas rondando as proximidades. Falei com Álvaro, do prédio da Domingues de Sá 409, sobre o Esquemão. Perguntei a ele se poderia ficar com uma cópia do dossiê, ele disse que não. O Maurício Martins, irmão de um antigo amigo meu da UFF, Marlon, tem uma cópia do dossiê, mas parece que está com medo. Vou tentar divulgar, para minha própria segurança.” 10/03/2008 – Segunda-feira “Hoje tive uma consulta com Camila Cordeiro Donnola. Marcos Motta Murtha, o terapeuta ocupacional, participou da consulta, a pedido de Camila. Estão preocupados. Querem que eu me interne em Jurujuba. Eu concordei que um tal de Luiz fosse me buscar amanhã para que fôssemos ao hospital de Jurujuba para uma avaliação. Foi meio forçação de barra. É lógico que é uma armadilha. Vou dispensá-lo em alto estilo. O tal de Luiz vai sair “catando cavaco”, com “duas quentes e três fervendo” amanhã. Porém, tenho que estar preparado para tudo, talvez ele venha com reforços. Quando acabou a consulta, a chave de fenda que eu tinha sob a roupa, presa por uma fita crepe, escorregou e caiu no chão. Eu a peguei rapidamente, não sei se Camila e Marcos viram. Provavelmente, sim. É claro que não pretendia ferir ninguém. Essa era uma simples medida de proteção. Eu deveria ter me protegido mais, entretanto. Em vez disso achei que estivesse seguro e não levei mais a chave de fenda comigo. É claro que se tivesse levado, provavelmente teriam me matado com um tiro. Eles só precisariam que eu desse um motivo. Eu teria sido morto e a estória que iriam contar seria a que eles mesmos escolhessem. Está bastante difícil conseguir uma secretária. Ninguém quer o cargo. E quando aparece alguém fica por pouco tempo. Tive 3 secretárias. A que ficou mais tempo saiu antes de completar dois dias. A que ficou menos tempo, trabalhou menos de 30 minutos.” E este foi o fim do diário. *** Quando o tal de Luiz me procurou em minha residência, fingi cooperar, mas não fui com ele à Jurujuba, claro. Um dia, entretanto, fui à policlínica Sérgio Arouca conversar com o psiquiatra Luís Sérgio, que já me atendia há muitos anos. Sem fazer nenhuma pergunta nem me examinar, ele passou uma recomendação para que eu fizesse uma avaliação no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba. Isto não fazia sentido, pois ele mesmo poderia fazer essa avaliação. Além disso o Hospital de Jurujuba era só para casos de emergência, quando o paciente está descontrolado, quebrando coisas, batendo em pessoas e esse não era o meu caso. Um outro psiquiatra, que sequer me conhecia, reforçou o que Luís Sérgio disse. Eu argumentei racional e pacientemente que meu caso não atendia aos requisitos para uma internação em Jurujuba, além do que, precisava falar com algum Eric Campos Bastos Guedes 111 O Povo Cego e as Farsas do Poder

amigo de confiança sobre isso, pois não me sentia em segurança naquela situação. Liguei de meu celular para Petrucio, um professor amigo que me orientava na publicação de meus artigos. O telefone estava ocupado. Eles insistiram dizendo que a internação deveria ocorrer imediatamente. Dois trogloditas chegaram numa ambulância do SAMU para me levarem e me obrigaram a ir. Preferi não reagir, para mostrar que eu estava bem consciente e que não era violento. Mas a questão passava longe da saúde mental. Tratava-se de uma decisão política, pois claramente não havia necessidade de internação. Fui conduzido à Jurujuba. Enquanto aguardava minha vez de ser atendido tentei fazer uma ligação, mas o celular informava que não havia crédito. Isto era muito estranho, pois era um pós-pago e há poucos minutos eu ligara para Petrucio e o telefone estava funcionando. É difícil explicar isso sem recorrer à ideia de uma conspiração envolvendo empresas de telefonia celular. Ou isso, ou uma puta falta de sorte. Me tomaram o relógio, o celular, as chaves de minha casa, meu tênis além de minhas roupas. Passei uma semana em observação, e fui drogado contra minha vontade, quando a lei diz que todo paciente tem o direito de recusar medicação. Permaneci calmo durante todo esse período e também consciente. Havia pessoas lá que dormiam calçadas com tênis, gente com tiques estranhos e conversas despropositadas. Não era o meu caso. Mesmo assim aquelas pessoas foram postas em liberdade, enquanto eu fui considerado merecedor de “tratamento”. O Drº Raldo Bonifácio, um homossexual enrustido que é citado no Google pelo Grupo Gay da Bahia, me chamou para conversar e expus o caso. Falei do que vi e ouvi na clínica Santa Catarina, da perseguição que sofrera na Clínica Itabapoana etc. Ele me chamou de “seu pôrra” sem se incomodar com a presença da outra profissional que assistia a tudo. Permaneci calmo. Raldo disse que os poderosos jamais permitiriam que eu tivesse êxito e tentou me convencer de que seria mais seguro para mim que eu ficasse internado. Eu respondi que Jurujuba não garantiria minha segurança e que preferia morrer crivado de balas na rua do que envenenado numa clínica psiquiátrica. A decisão de me internar não teve legitimidade técnica, mas apenas motivação política. *** Fui conduzido ao SIM – Serviço de Internação Masculino. Estava calmo, entretanto, pois eles precisariam de minha assinatura para me manter internado. O que eu não desconfiava é que eles conseguiriam a assinatura de minha mãe autorizando minha internação. Porque ela se deu ao trabalho de vir a Niterói assinar um termo autorizando ato tão desumano e cruel contra seu próprio filho? Tal fato é absolutamente revoltante, mas também ilustra o conceito cristão de que a salvação é individual. Estamos todos sós na busca de nossa salvação. Ainda que Deus Jeová nos dê o paraíso, pode ser que dê o inferno para nossos pais. Vanda, minha mãe, assinou o termo sem falar comigo, colaborando cegamente com Raldo. Ela não se deu ao trabalho de verificar sequer meu estado de saúde, ou se eu necessitava de algo. Há um véu de ignorância do pior tipo encobrindo o conceito popular de “mãe”. Os filhos só convém aos pais enquanto lhes são úteis e convenientes. Perante a sociedade, as mães fazem o que tem que fazer para manter as aparências. E só. Elas pensam e se preocupam sim, com a opinião dos demais, mas não vai além disso. Hoje, diferentemente do que sempre pensei até os 35 anos, reconheço isso. Mas reconheço também que não fujo a esta regra. Se eu tivesse filhos e tivesse que escolher entre arriscar minha vida por eles ou sacrificá-los mortalmente, faria a escolha certa. Na hora da morte estamos completamente sós, ninguém pode morrer por nós, sequer se arriscar por nós. Não se pode ser Eric Campos Bastos Guedes 112 O Povo Cego e as Farsas do Poder

verdadeiramente sincero e humano sem reconhecer isso. As exceções estão nos em manicômios. Em quatro meses de internação não recebi mais de três vezes a visita de minha zelosa mãe. Falei a ela sobre a perseguição que estava sofrendo no hospital de Jurujuba e ela ignorou. Disse que se ela não me tirasse de lá, eu me mataria. Ela se zangou. Quando finalmente recebi alta, a infeliz chamou os bombeiros para me internar novamente no dia seguinte sem que eu tivesse dado motivo. Ela alegou que eu não quis tomar os remédios (drogas). Estou sem remédio há mais de 4 meses. Onde está minha mãe para pedir minha internação? Ela não precisa mais fazer isso, pois agora sim estou doente. Não consigo mais me concentrar em estudar para as Olimpíadas. Leio com dificuldade, tenho acessos inexplicáveis de fúria que não tinha antes de ser internado em Jurujuba. Ela só parou quando eu já havia perdido minha saúde. *** Nos primeiros dias de minha internação no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba fui tratado como um príncipe pelas psicólogas e atendentes terapêuticas. Mas logo a opinião delas se inverteu e aquilo se transformou num campo de concentração. Elas tinham extremo prazer em me agredir emocionalmente e frustrar minhas expectativas repetidas vezes. É o tipo de coisa difícil de explicar, mas que está bem documentado na Internet. Basta procurar pelos termos “alta emoção expressa” ou “agressão emocional”. Certa vez, enquanto a observava, a psicóloga Débora escreveu no quadro de avisos: “Inche”, quando deveria estar escrito “lanche”. Quem parava para ler poderia ficar em dúvida sobre o que ela escrevera. Débora referia o fato de que os antipsicóticos engordam o usuário e que ao causar hipotireoidismo tal ganho de peso poderia ser irreversível. Aquela era uma forma sutil de zombar de meu estado de saúde. Como alguém poderia sentir prazer em fazer tal coisa, meu Deus? Zombar da doença de outra pessoa? *** Eu havia feito amizade com um interno chamado Joseilton. Ele, eu e outro interno de quem não lembro o nome resolvemos bolar um plano para fugir. Não funcionou e fomos punidos exemplarmente, com altas doses de drogas. Semanas depois Joseilton disse que queria me mostrar uma coisa. Eu fui ver com ele o que era. Joseilton levava consigo um lençol branco. Chegamos num local onde nos encontrávamos sós. Então ele pôs-se a meter o lençol por uma fresta do tijolo da parede. Eu não sabia o que ele estava fazendo. Imaginei que era um sinal em código para que seus amigos da favela em frente viessem resgatá-lo. Em seguida ele atou o lençol no pescoço e apertou com força, abandonando o corpo à ação da gravidade. Eu entendi que ele queria se enforcar e comecei a gritar desesperado. O pessoal da enfermagem logo apareceu. A atendente terapêutica Raquel veio com um sorriso brilhante, acompanhada de um enfermeiro. Ela me disse: “Viu, Eric, como a enfermagem age rapidamente?” Só tempos depois entendi que era uma armação, algum tipo de teste ou algo assim. Quem seria perverso o suficiente para simular uma tentativa de suicídio a fim de levantar material de acusação contra um amigo? Joseilton era essa pessoa. Algum tempo depois, estávamos sós, assistindo TV à noite quando Joseilton, fingindo espontaneidade, pôs suas pernas sobre as minhas. Eu olhei para ele com estranhamento e disse: “Pode sair de cima de mim?”, ele perguntou: “Porque?” e eu respondi: “Porque eu não gosto disso”. Os testes continuavam. Joseilton era um maldito pervertido. E do pior tipo, aquele Eric Campos Bastos Guedes 113 O Povo Cego e as Farsas do Poder

que faz o que faz por escolha própria, e não pela imposição dos vícios adquiridos. Mas naquela época eu ainda não tinha entendido isso. O interno Joseilton foi cooptado por meus inimigos e passou a me ameaçar de modo velado. Certa vez me deu seu “telefone”, onde se lia a palavra “babacas” escrita com números. O “b” era um “6”, o “a” era um “0”, o “S” era um “5” e o “c” era o garrancho de um “0” mal desenhado. Embaixo lia-se: “Amigos dos Amigos”. Uma evidente referência a ADA, um grupo criminoso que se destacava pela crueldade e pelo grande número de cadáveres que deixava em suas ações. *** Após o incidente com Joseilton a atendente terapêutica Raquel ficara simpática à minha pessoa. Talvez eu tenha passado no teste, talvez minha sincera preocupação com o pequeno calhordinha do Joseilton tenha feito brotar algum amor no coração da atendente. Os agentes da ABIN logo perceberam isso e escreveram no quadro de avisos: RAQ U E LAT Ou, aquela at (aquela atendente terapêutica), uma referência ao bom tratamento que eu estava tendo de Raquel. Uma ameaça, claro. Raquel deixou de sorrir para mim. *** No início da internação conheci um interno chamado Carlos Andrade. Ou Carlos and raid, conforme sugestão fonética. Logo percebi que se tratava de um agente da ABIN. Numa de nossas conversas ele disse que eu poderia ir para Miame. Comentei que Miame era perto de Cuba e ele indicou com os dedos como o pessoal lá “corta os charutos”, referindo claramente a ideia de castração. Comentei com outro interno, de nome João Moraes, que Carlos Andrade era um agente secreto. Estávamos sentados no pátio de um lado e Carlos Andrade estava do outro lado do pátio. Ao levantarmos eu e João Moraes para irmos conferir se ele era mesmo um agente, Carlos levantou-se sorrateiramente e dirigiu-se à enfermaria. Nós o seguimos de perto, mas quando chegamos, ele fingia dormir tão bem que não o chamamos. Carlos Andrade logo teve alta e sumiu. *** Uma noite acordei com forte taquicardia. Fui até a enfermagem e medi por conta própria minha pulsação. Em 15 segundos me coração bateu 38 vezes; quer dizer, o número de batimentos por minuto era de 152. Disse isso à enfermeira e pedi a ela que confirmasse por si mesma. Ela mediu meu pulso durante 1 minuto e disse que estava normal, com cerca de 80 pulsações. Não havia nenhum meio de eu mostrar aos demais que ela estava mentindo, pois ela se encontrava só no posto de enfermagem. Como eu poderia provar o que dizia? Numa outra ocasião diante, de forte taquicardia, à noite, pedi a outra enfermeira que medisse minha pulsação e ela simplesmente se negou. A situação se repetiu uma terceira vez, quando chamaram um médico que nem olhou para mim, simplesmente me deu uma injeção para que eu dormisse. Se eu tivesse morrido teriam teriam alegado morte por problemas cardíacos ou qualquer coisa assim. Quem contestaria tal parecer? Eric Campos Bastos Guedes 114 O Povo Cego e as Farsas do Poder

*** Recebi a visita de minha tia Vera Lúcia de Campos algumas vezes. Certa vez ela me trouxe duas maçãs. Eu as comi e logo depois minha garganta começou a pegar fogo, como se estivesse querendo inflamar. Tive diarreia e depois de alguns dias minha garganta ficou coçando por dentro. É claro que tinha algo na maçã. Pedi ao clínico para fazer um exame de vermes e ele negou. Várias vezes pedi e várias vezes tal exame me foi negado. Então pedi para que fosse ministrado em mim o praziquantel, um vermífugo conhecido, pois eu desconfiava que a maçã estava batizada com ovos de tênia. Ele se recusou e disse que teria que falar com minha mãe antes. Isso seria impossível, entretanto, pois minha mãe vinha muito raramente no hospital e sequer residia na cidade e ele, o médico, também não tinha um horário fixo para aparecer lá. Não dava para combinar um encontro assim. Expliquei isso ao clínico e ele concordou em fazer os exames se eu conseguisse um pedido para tal, assinado por minha mãe. Eu consegui o pedido rubricado por minha mãe e mostrei a ele. Ele voltou a dizer que não poderia ministrar o praziquantel sem falar com minha mãe. Fiquei sem remédio num hospital psiquiátrico que é referência para o Brasil. Imaginem como é uma internação num hospital ruim, então. *** Desconfio que o Dr. Dimas, meu psiquiatra em Jurujuba, tenha recebido algum suborno para me deixar tanto tempo internado. Fiquei mais de 4 meses detido, quando haviam pessoas em situação bem pior que recebiam alta com duas ou três semanas. Houve um sujeito, um pedófilo, que puxara uma peixeira ameaçando ferir outra pessoa. Ele ficou menos de duas semanas internado. Não havia motivo para me manter tanto tempo detido. Meu comportamento era ótimo e apesar de estar sendo claramente injustiçado, não me rebelei, ainda que em certos momentos sentisse uma revolta muito grande, que preferi não exteriorizar. *** Uma noite acordei maravilhado. Tudo parecia muito bom. Até a morte. Cogitei fazer uma declaração autorizando a retirada de meus órgãos em caso de morte. E eu sabia que iria morrer, entretanto isto me pareceu, naquela noite, algo realmente muito bom. Eu estava em êxtase, nunca havia me sentido daquele modo em minha vida. Era muito bom, ou pelo menos eu pensei que fosse. Na noite seguinte acordei desnorteado, logo achei que havia sido envenenado. Levantei-me, perdi o equilíbrio e caí no chão. Vi o chão ir e voltar várias vezes, rápida e descontroladamente, diante de meus olhos. Não conseguia me levantar. Estava claro que tinha sofrido algum tipo de intoxicação. Na noite posterior, comecei a sentir uma raiva incomum, antes de dormir. Há dois anos não sentia uma raiva tão forte. Posteriormente um interno que chamavam de Haroldo, e que claramente trabalhava para a ABIN, disse algo como: “Esse papo de que neguinho se vicia em crack e não consegue mais parar e balela. Conversa de vagabundo safado. Sei de um caso que o filho disse isso para o pai, que era militar. O pai respondeu: 'filho, vou te provar que você pode parar de fumar crack. Vou fumar somente 40 dias com você.' O pai fumou crack durante 40 dias com o filho. Quando acabou o prazo o filho chamou o pai para fumar e o pai respondeu 'Não vou fumar, pois isso vai contra meu treinamento militar'”. Essa estória e eu saber que Haroldo era da ABIN, me fez acreditar que haviam baforado crack na minha cara, Eric Campos Bastos Guedes 115 O Povo Cego e as Farsas do Poder

enquanto eu dormia. Isso naquele dia em que fiquei maravilhado. Nos dias seguintes passei por uma espécie de síndrome de abstinência, pois o crack é altamente viciante. Houve outra estória que Haroldo contou, sobre uma mulher que viciou o esposo em crack, pondo todo dia, enquanto ele dormia, uma fumacinha de crack perto do ventilador. Como eu poderia me defender? O crack deve ter entrado lá do mesmo modo que entra nos presídios. A estória da mulher que viciou o esposo talvez tenha sido contada para me induzir a afastar-me de minha mulher. Na época eu não pensava em reatar com ela novamente, mas foi o que fiz quando tive chance. Hoje interpreto a estória que Haroldo contou sobre o pai com disciplina militar e seu filho viciado como uma tentativa de criar em mim uma curiosidade sobre drogas, em particular o crack. Se eu me viciasse, deixaria de ser um problema para eles. O que eles não sabiam, e que eu começava a descobrir, é que já estava me tornando um viciado, mas não em drogas, e sim em expor para toda a civilização suas absurdas contradições. Eu queria assombrar toda humanidade, ser um peso na consciência do canalha mais indiferente. Eu queria mudar o mundo. *** Chegou no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba, pouco depois de mim, um sujeito chamado Chianelo. Ele aparentava ser um criminoso. O modo como falava e agia, sua aparência, tudo sugeria isso. Quando chegou, tinha várias feridas pelo corpo. Contou que havia sido capturado correndo de moto na contra-mão da Avenida Brasil. Perguntei a ele se os ferimentos estavam doendo muito e ele respondeu: “Já doeram mais”, adivinhando, talvez, que eu estivesse incitando o sentimento de vingança pelo que fizeram a ele. Isto poderia fazer com que passasse para meu lado. Eu já sabia que a ABIN o havia mandado para Jurujuba, embora sob coação. “Foi você que escreveu tudo aquilo ou você tirou de algum lugar?”, ele perguntou a mim certa vez. Onde diabos ele havia lido textos meus? Na época pensei que ele se referia a um texto meu contendo denúncias e que eu remeti para os Direitos Humanos, na Suíça. Ou talvez Chianelo estivesse se referindo a poemas meus que estivessem sendo exibidos em Jurujuba numa exposição – que eu não visitei – denominada “Trabalhos dos Internos”. A tal carta para os Direitos Humanos que continha várias denúncias e que remeti para a Suíça, retornou o aviso de recebimento assinado como “NoNoNo Abreu” (sic), indicando claramente que a correspondência havia sido interceptada. Esse sobrenome “Abreu” eu já havia topado, na Clínica Itabapoana. O que ele significava? Talvez um ab-réu, um réu que não o era, ou não deveria ser réu. No meu entender eu não era réu, mas sim o governo; por outro lado o governo não se admitia réu, mas queria me transformar em um. Na ocasião em que indaguei a Chianelo sobre seus ferimentos, ele disse: “Quando chegar a hora, vou pedir seu apoio ao Lula... e também para quem manda nele!”. Presumo que quem manda no Lula é a ABIN e os generais das forças armadas. Somos uma ditadura mal disfarçada com eleições compradas. Quem teria cacife para competir com o bolsa-família? O bolsa-família é uma compra de votos. Pagamos 43% de impostos sobre tudo que produzimos. Esse montante, entretanto, é usado pelo governo em benefício dos próprios governantes e para garantir que tudo continue como está. Só sai perdendo quem não faz parte da máfia. *** Passei a ser o fiel escudeiro de um interno conhecido como Dom Bosco, cujo nome verdadeiro era João Bosco. Ele era puro e bom, alguém admirável. Tinha cerca de sessenta anos e todos gostávamos dele. Eu o auxiliava em seu banho matutino todos os dias. Ajudava-o a se enxugar e a se vestir, pois ele tinha dificuldade em fazer isso. Eric Campos Bastos Guedes 116 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Fiz amizade com sua mãe. Ela levou um jogo de damas para João Bosco e me pediu que tentasse fazer com que ele jogasse um pouco. Mas disse sobre o jogo: “Jogar damas é bom, mas não pode comer para trás”, disse ela. “Como assim?”, perguntei, “nas regras que usamos aqui no Brasil se pode fazer isso”, completei. “Não, comer para trás não pode”, insistiu ela. Fiquei assutado, com medo mesmo. E se abusassem de João Bosco em Jurujuba? Não. Não João Bosco. Para qualquer outro eu teria sido indiferente, mas não com aquele meu amigo. Eu teria que ajudá-lo, tentar impedir que fizessem mal para ele. Saí de minha enfermaria, uma das mais confortáveis, e fui para a de Dom Bosco. A única cama que havia livre lá não tinha colchão, nem lençol tampouco travesseiro. Procurei em toda parte um travesseiro, um colchão, um lençol. Ninguém tinha nada. Já de noite, sem opções, me deitei sobre a armação de metal da cama, esperando que o sono chegasse e eu dormisse logo. Tem gente que dorme até de pé nos presídios, porque eu não poderia dormir sem um colchão? A noite seria longa, mas eu estava disposto a enfrentar a situação. Não deixaria ninguém tocar em meu amigo. Alguém mais consciente, entretanto, entendeu – sabe-se lá como – o que estava acontecendo. Ao me levantar para ir ao banheiro, havia um colchão encostado na parede. Eu disse a mim mesmo que Deus mandara o colchão como incentivo ao meu bom trabalho. A noite não foi tão ruim e nos dias seguintes consegui o travesseiro e o lençol. João Bosco ficou bem. Um enfermeiro negro, culto e educado descobrira o que ocorria. Ele me disse: “Eu entendo o que você está fazendo, e acho nobre de sua parte. Algo louvável. Mas tem uma coisa: não é responsabilidade sua.” Talvez ele não entendesse que a partir do momento em que me sentia responsável, passava a ser responsável por Dom Bosco. Minha consciência jamais me deixaria em paz se eu negligenciasse a segurança de meu amigo naquela ocasião. E vou te dizer: quando traímos nossa consciência, deixamos de ser filhos de Deus para nos tornarmos escravos de Satanás. *** Certa noite fui acordado por Joseilton que conversava em tom tenebroso com outro interno que eu ainda não conhecia. Eles conversavam num tom amedrontador. Logo achei que este outro interno estava lá para matar-me. Percebi que falavam sobre mim e que eles sabiam o que havia acontecido na Clínica Santa Catarina. “Podemos conversar?”, perguntei a certa altura. “Não” foi a resposta categórica. A certa altura o cara que eu não conhecia perguntou: “O doutor João Henrique está bom para você?” como que me incitando a buscar vingança. Dava a impressão de que ele queria tratar comigo que apenas o Doutor João Henrique Pinho Maia fosse punido pelo incidente na Clínica Santa Catarina. Essa foi uma evidência clara de que ele era agente da ABIN – de outro modo, como saberia sobre o Dr. João Henrique? Após o susto inicial, levantei-me, fui ao banheiro e urinei de pé dizendo bem alto: “Eu estou determinado!”, como se quisesse dizer que iria até onde fosse necessário para fazer justiça. No dia seguinte a psicóloga Débora nos apresentou o sujeito na reunião conhecida como “Bom dia”. Esse mesmo infeliz me fez uma ameaça velada ao me passar o que ele disse ser o número da conta da Igreja Mundial (é claro que não era). O número da conta era “BB 253 0280-02”. O “253” fazia menção ao telefone de um grande amigo meu, o professor doutorado pela UFRJ Jorge Petrucio Viana, da UFF, que me orientou durante anos em minhas pesquisas em Matemática – o número telefônico dele começava com “2553”. Escrevendo o “5” uma vez só em vez de duas, ficava “253”. O bloco seguinte, “02”, fazia referência a Petrucio e Eric Campos Bastos Guedes 117 O Povo Cego e as Farsas do Poder

sua esposa (duas pessoas) que eram objetos da ação “80” ou 40+40 = 40x2, onde o quarenta fazia menção às 40 chibatadas da bíblia, ou, o que era muito pior, quarenta enrabadas, como consta no livro “Memórias do Cárcere” de Graciliano Ramos. O “-02” significava “menos dois”, que poderia significar que eu já não podia contar com eles. Cheguei a pensar que haviam matado Petrucio e sua esposa, mas na verdade eles estão bem, graças a Deus. Sequer foram ameaçados e nada sabem a esse respeito. O mesmo infeliz do golpe do número da conta bancária mostrou-me duas fotos: numa via-se o Cristo crucificado da cintura para cima, e na outra estavam suas pernas. A ideia sugerida era clara. Não me recordo o nome do infeliz, mas na falta do nome certo devo me referir a ele como “S1”, porque ao indagar o código CID de sua patologia, ele me dissera ser código S1 (toda doença conhecida, seja ela mental ou não, possui um código CID associado que permite aos médicos e pesquisadores referirem-se a ela em qualquer idioma ou país sem possibilidade de confundir uma patologia com outra – por exemplo, o código CID para a esquizofrenia é F20, enquanto o código para o subtipo paranoide é F20.0). S1 me dava arrepios. Ele tinha uns tiques que me faziam pensar que era usuário de drogas. E seu modo de falar e agir sugeriam que ele estava metido com o tráfico de drogas. E esse pessoal que trafica drogas é cruel a ponto de matar sob tortura até pessoas inocentes. Era por isso que eu o temia. Eu reencontraria S1 meses depois, e por isso voltarei a falar dele mais tarde (na parte 3 dessa obra). *** Um ponto que destaco é o fato de eu e os demais internos sermos obrigados a tomar os remédios (drogas), quando a legislação brasileira prevê que os usuários da saúde podem se negar a tomar os remédios, desde que desobriguem seus médicos de qualquer responsabilidade por essa decisão. Esse direito foi e tem sido violado despudoradamente pelos hospitais psiquiátricos. Fui drogado de forma vil durante minha estada em Jurujuba. A dosagem foi suficientemente absurda para comprometer minha memória e meu raciocínio. Coisas que antes memorizava com facilidade, agora retenho com esforço e dificuldade. Imediatamente antes de iniciar minha caminhada diária, eu sempre memorizava a hora em que começava a andar, para saber ao certo quanto tempo tinha caminhado. Isso sempre foi fácil de fazer. Agora, porém, esqueço essa informação em dois ou três minutos. Também não tenho mais prazer em estudar, em me exercitar ou escrever. Faço tudo com muito esforço e má vontade, e o resultado tem ficado sempre aquém dos que eu costumava ter. Sou hoje um homem frustrado e ansioso, devido às drogas que me ministraram em Jurujuba. Sofro de hipotireoidismo por conta dessas drogas, e talvez pelo crack que tenham baforado em meu rosto enquanto eu dormia no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba. Minha frustração também vem de saber que provavelmente tenho AIDS, sem ter tido comportamento de risco que justificasse isto. Nunca fumei, não bebo, nunca usei nenhum tipo de droga ilícita, com possível exceção para o crack supostamente baforado em meu rosto a revelia em Jurujuba. Não sou hemofílico, nem homossexual e nunca fiz sexo em troca de dinheiro, apesar de, no desespero de não ter comida em casa, ter anunciado meus serviços “somente para mulheres” nos classificados do Jornal “O Fluminense”. Além disso, sempre fui fiel à minha esposa. É revoltante o que fizeram comigo. Como disse Estamira: “A culpa é do hipócrita, mentiroso e esperto ao contrário, que atira a pedra e esconde a mão.”

Eric Campos Bastos Guedes

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*** Houve uma conversa que tive com o psiquiatra Dr. Dimas em que ele toca na questão do suborno. Ele questionou quanto eu poderia pagar para ter alta. Ele foi suficientemente discreto para não justificar uma denúncia, mas se fez entender. A questão era “quanto”. Das duas, uma: ou ele estava sendo pressionado para me manter internado, ou estava recebendo dinheiro para isso. A segunda possibilidade me parece mais crível. Fiquei chocado. Se um médico faz este tipo de coisa, que dirá um político ou um juiz! Não é o desejo de ajudar as pessoas que motiva os estudantes de medicina, mas sim a possibilidade de ter nas mãos a saúde de outras pessoas e poder decidir a quem ajudar, conforme o tamanho da propina. Eu começava a entender as piadas sobre médicos, como aquela em que um médico que acabara de morrer e estava diante das portas para o paraíso dizia a São Pedro: “Deixe-me entrar! Eu só estava fazendo meu trabalho...” Outro ponto é que o direito que todo paciente tem de ver seu prontuário me foi negado várias vezes, pelo terapeuta ocupacional Marcos Motta Murtha, pelo psicólogo John e por duas enfermeiras. Pedi a todas essas pessoas para ver meu prontuário e elas me negaram um direito que tenho por lei. Por conta dessa e de outras arbitrariedades cheguei à conclusão de que a legislação é uma estória da carochinha. Não há legitimidade nenhuma na legislação, do mesmo modo que não há legitimidade na representação do povo no congresso nacional. A esmagadora maioria dos políticos simplesmente acata as ordens do grande capital. A lei é uma ficção moral – um delírio coletivo. Pelo menos por enquanto. *** Conheci um sujeito chamado Marcelo Vicente em Jurujuba. Por sinal, ele foi internado um dia antes de mim. Pensei ter nele um aliado, um amigo. Estava enganado. Marcelo recusou a comida de Jurujuba e foi para o soro. Apesar desse mal comportamento, recebeu licença e alta uns três meses antes de mim. Certa vez, quando ele estava visitando o hospital pediu para que eu vigiasse uma maleta esverdeada que ele levava e foi para outro recinto. Como ele demorava a voltar, peguei a maleta pela alça e fui devolver para ele dizendo “Eu não posso tomar conta para você”, ao que ele diz: “Vitória!!”. Ele só queria minhas digitais na maleta. Comecei a me preocupar. O pessoal da ABIN poderia plantar a tal maleta na cena de um crime ou algo assim. Depois a culpa recairia em mim. Hoje penso que provavelmente eles só queriam minhas digitais mesmo, para o caso de eu tentar me vingar. Quando tive alta do Hospital Psiquiátrico de Jurujuba estava com os nervos em frangalhos. Um verdadeiro fantasma. Tinha uma rouquidão e apatia próprias de pessoas doentes. Julguei estar com sintomas da AIDS, que teria se desenvolvido rapidamente a partir de uma infecção absolutamente atípica. Intuí que a quantidade de vírus que meu corpo havia recebido deveria ser muito alta para que, em poucos dias, a doença chegasse num estágio tão avançado, que de outro modo levaria de cinco a sete anos para acontecer. Todos os meus exames anteriores deram negativo para todas as doenças venéreas, AIDS inclusive. Eu estava esperando o resultado do exame que fiz após a perfuração em meu pé esquerdo, entretanto. Para minha surpresa e contentamento o resultado também foi negativo, porém descobri que minha apatia e rouquidão decorriam do hipotireoidismo, o que podia significar que a quantidade de vírus que meu organismo recebeu era pequena o suficiente para não resultar num desenvolvimento rápido da doença. Menos mal. Minha mãe dizia não acreditar nas coisas que eu lhe falei. Ela Eric Campos Bastos Guedes 119 O Povo Cego e as Farsas do Poder

preferiu agir como se tudo fosse um delírio, alucinação e esse tipo de estória da carochinha que os donos do poder inventam para vender haloperidol, carbamazepina, risperidona e tantos outros psicofármacos. Comecei a perceber que todos agiam assim. Se eu falasse com o imbecil do Luís Sérgio, meu psiquiatra na policlínica Sérgio Arouca, que haviam me contaminado com uma agulhada no pé esquerdo ele me mandaria internar novamente. Eu já tinha falado por alto sobre isso com a Drª Camila Donnola, minha psicóloga na policlínica e ela praticamente ignorou a gravidade da denúncia. Riu-se a infeliz. Preferi não falar com mais ninguém sobre isso, pois era constrangedor ser suspeito de uma doença associada popularmente a comportamentos sexuais duvidosos. Como ninguém acreditava em mim e eu mesmo não tinha como provar o que dizia, e tendo a consciência tranquila de que eu não havia tido nenhum comportamento de risco que justificasse a suspeita, chamei minha namorada Márcia Regina para voltar a morar comigo. Antes dela chegar, entretanto, eu era corroído por pensamentos e dúvidas: o que eu estava fazendo era correto? Não seria melhor explicar a situação para Márcia antes? Se eu fizesse isso ela poderia não vir mais e espalharia a notícia infame. Ela chegou e fomos logo transar. E assim seguiam os dias, muitas transas, todos os dias, e sem camisinha, claro, pois eu queria ter filhos e sentia que meu tempo estava esgotando-se. Até que um dia a consciência, ou o medo de Márcia me culpar por sua eventual infecção, me fez recusá-la sexualmente durante algum tempo. Ela não entendia o motivo e eu dizia que em fevereiro de 2009 (seis meses após a suposta infecção) nós resolveríamos tudo. Ela continuou sem entender nada e passou a me provocar sexualmente. Não foi necessário muito tempo e eu logo caí em tentação. Ficamos juntos e depois disso, finalmente, contei a ela o que havia ocorrido. Isso foi menos do que nada. Ela ignorou totalmente meu relato, ninguém acredita em mim e quem acredita finge não acreditar. Márcia se encontra no primeiro caso e Vanda, provavelmente, no segundo. Desde então somos um casal como qualquer outro. Prefiro esperar para ver no que dá. Enquanto isso, escrevo esse relato. *** Sobre minha internação em Jurujuba há ainda outros acontecimentos notáveis. Um interno alto, pele parda, educado e inteligente, de nome João Moraes logo me chamou a atenção. Ele dizia coisas como: “Aqui dentro eu digo que sou deus, mas eu não sou Deus, eu sou O CARA, e se você disser que eu sou deus lá fora eu vou dizer que você come merda, rasga dinheiro e só fala bobagem”. Admito hoje, muito a contra gosto, que ele trabalhou para a ABIN – ou talvez para outro braço do poder, talvez para a mídia. Não era um secreta típico, entretanto. Não, João Moraes era especial, culto, inteligente e tinha uma conversa interessante. Essa frase que citei ele dizia sempre. Parece-me que ele pedia por silêncio no fim da frase e também mostrava o quanto as testemunhas são frágeis: ele não confirmaria nada e talvez fosse difícil alguém fazer isso. No início ele dizia que era deus, O CARA, e queria dizer com isso que ele tinha poder para decidir as coisas. Ele ter dito que era O CARA me fez pensar se ele próprio não seria o infeliz do filho-daputa que teria picotado Roberto com a motosserra. Não, João Moraes, não. Ele tinha carisma, liderança e a ABIN não correria esse risco, pois eles não sabiam se eu poderia reconhecê-lo. João Moraes tinha uma outra frase que ele repetia muito: “Quem parte e reparte e não fica com a maior parte é louco, trouxa ou está escondendo o Jogo”. Nessa aqui, penso que ele perdoava a roubalheira do governo, que deveria partir e repartir, reconhecendo que era natural que houvesse desvio de verbas, corrupção etc. Se não houvesse isso, aí sim, segundo o pensamento vivo de João Moraes, havia alguma coisa errada – loucura, idiotice ou uma trapaça ainda maior. No fim de minha internação ele me Eric Campos Bastos Guedes 120 O Povo Cego e as Farsas do Poder

mostrou uma capa do disco de Gonzaguinha, com o cantor com a cabeça partida ao meio, apenas um nó de arame farpado segurando as metades da cabeça. “Você parece mais com essa capa do que com aquela outra”, disse-me João Moraes. Na outra capa Gonzaguinha aparecia entre tons de verde (esperança) e vigilante de sua “capacidade de reprodução”. Eu estava dividido, realmente. Se por um lado eu procurava mostrar que ficaria quieto ao sair, que não faria denúncia alguma e que achava o governo Lula muito bom, por outro eu não podia concordar com os métodos hitlerianos que utilizavam. Ao sair, logo comunicaria as mazelas que presenciei, como de fato faço aqui. Algum tempo depois, agulharam meu pé, e isso talvez prejudicasse minha intenção de ter uma descendência fértil e com boas chances de sobrevivência. Era o contrário da “capacidade de reprodução”, de que João Moraes havia me falado algum tempo antes. *** Havia um interno com quem fiz uma boa amizade. O nome dele era César Prattes, uma grande pessoa, um bom coração. Ele sofria de epilepsia e eu cheguei a presenciar algumas de suas crises. Eu logo chamava os enfermeiros ou algum médico que estivesse por perto. E estranhava que ninguém mais fizesse isso. Uma boa alma ele era. Pelo menos foi o que me pareceu. César Prattes era paciente de Raldo Bonifácio. Conversávamos eu, César Prattes e um outro interno, chamado Cleber, que dizia não saber ler nem escrever. Cleber disse ser evangélico, mas mentia a respeito de ser analfabeto, sabe-se lá com que intenção. “Eric, eu não tive quem me ensinasse as letras”, lamentava-se numa farsa patética. Eu fingia acreditar, para não criar problemas. Certa vez César Prattes apontou para uma letra “E” e perguntou a ele: “Que letra é essa?”, ao que o infeliz responde: “Essa letra é o Ó”. Sim, fazia sentido, “E” de Eric e “O” de Otário. Esses camaradas tiveram alta muito antes de mim. Havia outro interno chamado Etevaldo Justino, alto, branco, calvo, de barba e que ficava indo e voltando com as mãos num movimento irritante e meio gay. Não falava com ninguém e ninguém falava com ele. Na maioria das vezes que puxei assunto com ele, não tive resposta. *** Num dos primeiros dias de internação fiz a denúncia da morte de Roberto na porta da enfermaria, diante de enfermeiros e pacientes. O psicólogo John sabia das denúncias e me perguntou: “Porque você está fazendo as denúncias aqui?”, respondi: “Para garantir minha segurança”. Algum tempo depois um enfermeiro apareceu para colher meu sangue, para, supostamente, fazer exames. Fui levado a uma pequena sala, onde estávamos somente eu e o coletor. Sentei-me, estendi o braço e permaneci imóvel. Entretanto, o coletor, ao furar minha veia puxou a agulha para cima, levemente, dizendo: “fica quieto... vai ser uma pena perder uma veia boa dessas” Estive imóvel durante todo procedimento. O coletor usou força suficiente para se fazer entender: eu teria que ficar quieto, de bico calado, caso contrário ele viria colher sangue novamente, e dessa vez poderia arrebentar minha veia de propósito. E eu não poderia fazer nada a respeito. Afinal, quem teria mais crédito? Em quem as pessoas iriam acreditar? Em mim, interno de uma clínica psiquiátrica deixado ao deus-dará pela família ou em um funcionário público trabalhador e pai de família? No dia seguinte, pela manhã, João Moraes me mostrou um jornal e perguntou: “Quer ler?”, “Sim”, respondi. A manchete era “Covardia assusta população” - tratava-se do caso do homicídio de Isabela Nardoni, muito comentado na época. De tal forma fui drogado na clínica que logo associei a “covardia” de que se falava na primeira página do Eric Campos Bastos Guedes 121 O Povo Cego e as Farsas do Poder

jornal ao medo que eu mesmo tive e que me impediu de continuar a denunciar. De repente entendi que a matéria falava de mim mesmo, tal era o grau de confusão em que minha mente ficou depois de tantas ameaças e drogas infligidas criminosamente. Comecei a associar o caso Isabela Nardoni ao problema que eu havia tido na Clínica Santa Catarina. Será que Aline e Isabela, de algum modo que eu não podia entender, eram a mesma pessoa? Talvez João Moraes só quisesse mostrar que crimes bem mais chocantes podem ficar impunes ou não serem punidos adequadamente. Será que Roberto era, na verdade, o padrasto de Isabela/Aline? Ninguém falou do padrasto de Isabela. Quem ele era? Qual sua aparência? Hoje entendo que essas questões provavelmente não estão conectadas desse modo. Seria uma mancada homérica da ABIN me deixar a par de todas as pistas do caso. Então minhas suspeitas deviam ser infundadas. *** Na hora do jantar percebi que havia um pedaço de carne que eu mastigava, mastigava e ele não era triturado. Tirei aquele pedaço de carne da boca e pus no canto do prato. Terminei de jantar e reclamei veementemente: alguém estava colocando coisas no meu prato que não faziam parte do cardápio. Guardei o pedaço de pele no bolso e falei com várias pessoas a respeito: com a psicóloga Débora, com o Dr. Dimas, com a nutricionista. Esta nos garantiu que se tratava de um tempero. Não era tempero, certamente, pois não tinha gosto de nada nem cheiro de tempero e era visivelmente um tecido animal. Algum tempo depois caiu a ficha: parecia muito com um pedaço de saco, o escroto mesmo, de alguém, cortado bem embaixo. Duvido muito, apesar da aparência, que se tratasse de tecido humano. Pensei em meu filho de consideração, Luiz Antônio, que morava em São Gonçalo, num lugar perigoso, não raro palco de assassinatos. Tive medo. Mas realmente fui inconsequente ao, no campo de futebol de Jurujuba, sem pronunciar uma palavra, e já para ir embora, pegar a bolinha infantil e colorida de futebol americano, amorosamente, e pô-la em lugar mais seguro. Pronto. A cagada estava feita. No dia seguinte o interno João Bosco, também conhecido como Dom Bosco, que era um dos únicos loucos de fato lá, puro, bom e ingênuo, me falou: “Companheiro, eu tô vivo companheiro. Eu tô vivo. Como é que eu tô vivo se ouvi uma voz dizendo 'você matou a criança, você matou a criança' e eu continuo vivo?” O pessoal da ABIN já sabia que eu sentia uma afeição de pai por Luiz Antônio. Culpa do Orkut: “Tem filhos? > Sim, me visitam de vez em quando”. Graças a Deus Luiz Antônio está bem, na casa de sua mãe, como verifiquei assim que saí de licença. Inclusive ofereci abrigo à ele e à sua mãe Greiciane, mas ela recusou, por não achar que houvesse necessidade. Não, eles não matariam Luiz Antônio comigo para denunciá-los à Deus e ao mundo. Sim, eles matam criancinhas. Sempre mataram e ainda matam. Em Esparta – cidade eminentemente militar – os bebês que não serviam para a guerra eram atirados de um precipício. Em tempos mais recentes, no Brasil, está documentada a “Operação Condor”, em que ficou clara a posição dos governos militares da década de 70 a esse respeito. Havia um conluio de caráter internacional visando a execução não somente de presos políticos, mas também de seus filhos – mesmo que fossem crianças. Procurando na Wikipédia do Brasil, há mais detalhes. Porque matar as crianças? Porque ao deixá-las viver corre-se o risco de que elas cresçam e venham a clamar por justiça ou a querer a vingança. Elas poderiam, no futuro, servir de testemunhas de acusação contra os antigos dirigentes num tribunal internacional que julgasse crimes contra a humanidade. É uma questão de “lógica”. *** Eric Campos Bastos Guedes 122 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Depois de meses de internação, já na expectativa de ter alta, ocorreu um fato curioso. Na reunião diária dos internos de Jurujuba, senti uma agulhada em meu pé esquerdo. Quando olhei para meu pé vi uma gota de sangue vermelho-escura emergindo no local magoado. Passei o dedo por cima para conferir. Era sangue mesmo. Eu não vi quem me fez isso, pois estava tão absurdamente dopado que movia-me com lentidão. Comecei a ficar preocupado. Assim que saí de Jurujuba fiz um teste de HIV e nada foi detectado, mas isso foi cerca de 3 dias depois de meu pé ter sido perfurado e não daria tempo do vírus ter se multiplicado. Planejei fazer novo exame em fevereiro de 2009. O objetivo de meus oponentes era triplo: desqualificar meu testemunho, uma vez que a AIDS é associada sempre a um comportamento promíscuo e sexualmente reprovado; matar-me, como já planejavam há pelo menos dois anos; dificultar a investigação que eu estava fazendo visando esclarecer a situação e punir os culpados. Todos os exames HIV que fiz até hoje sempre foram negativos. Não há um sequer que seja positivo. Como explicar que sei que tenho uma doença terrível e incurável? Não há outra explicação para a agulhada que deram em meu pé esquerdo no hospital psiquiátrico de Jurujuba. Ninguém faz isso sem ter um objetivo. *** Quando finalmente recebi alta estava acabado. Letárgico, sem vontade de fazer nada. Dormia o dia todo e a noite toda. Só saída da cama para me alimentar. Fui a um clínico geral de meu plano de saúde e ele me passou um hemograma completo, inclusive com o teste para HIV. O HIV deu negativo, mas eu estava com hipotireoidismo, pelo menos parecia que eu estava, pois o TSH se encontrava um pouco alto. Eu me sentia péssimo, depressivo, envergonhado, pensando constantemente na morte. Minha mãe disse que ficaria comigo, em minha casa, cuidando de mim. Em outra situação teria recusado, por saber o escorpião que ela é. Mas do jeito que eu estava não havia saída. Eu achava que provavelmente estava infectado com HIV, apesar dos exames mostrarem que não. Haviam agulhado meu pé a poucos dias, mas ninguém acreditava que eu estivesse com AIDS. Quando chamei Márcia para voltar para mim, ela veio. Não resisti e nós transamos já no primeiro dia, sem camisinha. Teve uma hora que a consciência bateu e eu decidi recusá-la sexualmente. Mas ela me provocava a cada dia. Eu dizia a ela que em fevereiro de 2009 – quando pretendia fazer o teste definitivo – nós voltaríamos a ficar juntos. Mas não me contive e passamos a nos relacionar sexualmente sem camisinha. Contei a ela então sobre a agulhada que tinham me dado em meu pé esquerdo quando eu estava no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba. Ela ignorou, não acreditou em mim. Continuamos a transar normalmente. Mas também ninguém acreditou e já que é assim, não preciso me preocupar. Que tudo seja considerado uma alucinação então. Posso até doar sangue. Ninguém vai perguntar no questionário: “Tem inimigos poderosos?”; “Te deram uma agulhada suspeita no pé esquerdo?”; “Você é um opositor do governo e tem talento (eu tinha) para ser reconhecido mundialmente e representar perigo?”; “Você já passou a língua no rego de alguma vagabunda que usava aparelho nos dentes e era casada com um militar de alta patente?”. Não, não iriam perguntar nada disso. Bem, é melhor escrever tais coisas que revoltar-me inutilmente e buscar uma vingança destrutiva. O sucesso é a melhor vingança, e o conhecimento correto, auto-disciplina e auto-confiança seus veículos eficazes. *** Eric Campos Bastos Guedes 123 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Apesar de todos os avanços tecnológicos e científicos, dos avanços da medicina e das comunicações, o ser humano continua o mesmo. Os militares, não todos, mas os de alta patente principalmente, são homicidas em potencial, visto prepararem-se para a guerra; e assassinos eventuais, em se tratando de manter o poder historicamente estabelecido. As forças armadas, que matam criancinhas com o apoio dos governos, com o respeito medroso da população e financiadas com o dinheiro suado do trabalhador, não devem continuar existindo. Enquanto houver exércitos, haverá terror. *** Após reatar com Márcia, ela entrou em contato com o suposto Roberto, que ela afirmava ser o mesmo Roberto que esteve na Clínica Santa Catarina, internado comigo. Foi muito estranho o modo como ela conseguiu o telefone dele. Ela simplesmente ligou para a Clínica Santa Catarina e pediu o telefone de Roberto. Eles não tinham obrigação nenhuma de dar o número. Ao contrário, deveriam ter negado a informação para proteger a privacidade do ex-paciente. Fizeram o contrário, e informaram o nome dele completo: Roberto dos Santos Gregório. Achei isso ainda mais estranho, já que o nome “Roberto Santos de Gregório” era justamente o nome de um grande amigo meu dos tempos de adolescência (o nome completo desse meu amigo era “Carlos Roberto Santos de Gregório” - já me referi a ele antes). Acabei achando que esta era uma piada da ABIN para me confundir e mostrar que eles conhecem minha vida inteira. Márcia foi ao trabalho deste Roberto e bateu duas fotos dele, mas não ficaram muito boas as imagens, pois as fotos foram batidas meio de longe. Se Roberto estivesse vivo, meu principal argumento para demonstrar o interesse que a ABIN tem de me matar cairia por terra. Porque os meganhas da ABIN estariam no meu encalço, então? Que motivos teriam? Duas coisas estão claras: o poder comunga com o poder e o poder quer minha morte. Acredito que minha conquista da sétima colocação na Olimpíada Iberoamericana de Matemática Universitária em 2006 foi o motivo para a perseguição que estou sofrendo. *** 07/11/2008 Fui ao Proderj, afinal, local de trabalho de Roberto. É mesmo o Roberto que trabalha lá, ele está vivo. Ele me disse que havia tido uma crise na noite em que o vi caído no chão, devido a alta ingesta de água com consequente baixa do sódio no organismo. Mas isso não explica o barulho da motosserra que ouvi pouco depois naquela noite. Isso também não explica a forte taquicardia que tive na Clínica Santa Catarina, beirando um ataque cardíaco. Nem o fato de ter sido perseguido na Clínica Itabapoana e no ônibus que ia para Cabo Frio. O fato de Roberto estar vivo só piora minha situação, pois perdi um grande trunfo que tinha contra meus algozes. Pelo menos agora sei que não é por este motivo que estão me perseguindo. Qual o motivo, então? Talvez minha premiação na Olimpíada Iberoamericana de Matemática Universitária em 2006, após ter suspenso a medicação psiquiátrica, tenha sido o motivo. Há uma indústria bilionária em torno do mito da doença mental. Os ditos “remédios” antipsicóticos são drogas terríveis que tolhem o indivíduo de tal forma que o impedem de ter sucesso na vida. O tamanho do cérebro de alguém que toma antipsicóticos é menor do que deveria. A memória é prejudicada pelos tranquilizantes, o raciocínio torna-se impreciso e lento. O paciente fica “imbecilizado”, torna-se uma sombra. Passa a descuidar da higiene e da aparência, transformando-se Eric Campos Bastos Guedes 124 O Povo Cego e as Farsas do Poder

num sujeito frustrado. E uma pessoa frustrada e drogada está muito mais suscetível a cometer agressões e crimes que alguém satisfeito e de cara limpa. Quem nunca ouviu falar de alguém que se tornou violento e agressivo depois de beber? E o sujeito idiotizado pelo consumo habitual de maconha? E os crimes cometidos por pessoas que fizeram uso de cocaína? Não é tão diferente com os neurolépticos e demais drogas psiquiátricas. Elas são drogas como quaisquer outras. Causam forte dependência psicológica e quem tenta parar sofre de síndrome de abstinência. Em 95% dos casos, a desvantagem de um paciente psiquiátrico em relação à alguém sem diagnóstico decorre somente do dano neurológico causado pelo uso prolongado ou excessivo de medicação psiquiátrica. Dizem que não há nenhum tipo de exame que possa ser feito para confirmar, cientificamente, um diagnóstico de esquizofrenia, bipolaridade ou mesmo TDAH – embora isso possa não ser inteiramente verdadeiro, reforça a ideia de que a autoridade médica psiquiátrica é a única que pode, com o aval do poder, julgar se alguém é esquizofrênico ou não. Isto dá margem às maiores arbitrariedades. A chamada “doença mental” é um artifício criado para estigmatizar, punir, prender, anular e matar as pessoas que discordam do sistema ou do governo. Na antiga União Soviética diversas pessoas foram mantidas presas por muitos anos em instituições psiquiátricas por motivos políticos. Isso continua acontecendo em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil. Atualmente, na China, muitas pessoas estão sendo mantidas presas em manicômios por terem um modo de pensar que incomoda o governo. Essas pessoas estão sendo drogadas compulsoriamente com o pretexto de serem “doentes” e estarem sendo “tratadas”. Eu mesmo fui ameaçado por minha psicóloga Camila Cordeiro Donnola: ela me disse numa consulta que teria que me prescrever a Eletroconvulsoterapia. E ela tinha poder suficiente para isso. A conclusão é que a psiquiatria é um instrumento de coerção utilizado pelos mais fortes para silenciar os mais fracos. Não há como contestar um laudo psiquiátrico, pois ele é totalmente baseado na autoridade do médico. E os médicos tendem fortemente a concordarem uns com os outros quanto a laudos psiquiátricos. Até porque os empregos deles dependem disso e, afinal de contas, ninguém quer entrar em conflito com outros profissionais do ramo. Atualmente a voz dissonante dentro da Psiquiatria é o Dr. Thomas Szasz, que está denunciando estes abusos. *** Revoltado com minha situação – doente, perseguido, caluniado e detido sem motivo por meses – passei a não procurar mais meu próprio desenvolvimento. Queria apenas curtir a vida. Porém, passei a ter muita raiva do pessoal de Jurujuba e do posto de saúde Sérgio Arouca. Fui seviciado durante meses sem necessidade alguma, sai doente de Jurujuba e as pessoas ainda torciam o nariz para mim, como se eu fosse um grande mentiroso, como se eu tivesse inventado toda história. Aquilo me indignou. Certo dia resolvi ir até a policlínica Sérgio Arouca e pedir uma cópia de meu prontuário, que, afinal de contas eu tinha o direito de ter. Pedi a secretária para ver meu prontuário. Ela disse que pegaria para mim e falou para que eu aguardasse. Esperei o suficiente e então perguntei a ela novamente pelo prontuário. Ela disse que o havia dado ao Drº Luís Sérgio. Eu me dirigi ao consultório dele e pedi para ver meu prontuário. Ele disse que eu teria que esperar. Encrespei. Porque o prontuário não foi entregue a mim? Porque o diabo da secretária deixou a entender que entregaria a prontuário a mim quando na verdade não tinha intenção de fazê-lo? Derrubei uma pilha de papeis da mesa de Luís Sérgio. O diabo da secretária disse: “Vou chamar a patrulhinha!”. Então me desesperei e dei um empurrão Eric Campos Bastos Guedes 125 O Povo Cego e as Farsas do Poder

nela. Saí do posto a passos rápidos. Os funcionários me perseguiram até minha casa. Entrei em casa e tranquei a porta. Mas tive azar. Minha mãe estava por perto e abriu a porta para que o corpo de bombeiros entrasse em minha casa. Eu estava trancado em meu quarto e o corpo de bombeiros conseguiu abrir a porta sabe-se lá como. Conversamos. Eu expus o caso. De nada adiantou, acompanhei-os até o hospital de Jurujuba. Fui levado para a emergência. Disse que não tomaria nenhuma droga, que era um direito que tinha por lei. Inútil conversar com os capangas do governo. Quatro enfermeiros mais fortes que eu me agarraram com violência e me amarraram com força na cama. Fui drogado e imediatamente comecei a sentir muita sede. Pedia água e tinha que pedir muitas e muitas vezes para um pequeno copo d’água chegar a minha boca. Demorava séculos. Pedi água para o próprio Joseilton, que perguntou com cara de pouca amizade: “Você ainda se lembra de mim?”. Não respondi e aceitei a água. Até que comecei a ter vontade de urinar. Eu estava amarrado e pedia para me desamarrarem para que eu fosse ao banheiro. Eles não me desamarraram, entretanto. Entrei em desespero. Era como se eu estivesse a dias amarrado na cama. Uma verdadeira tortura química. Não resisti e acabei urinando ali mesmo. Fui terrivelmente injustiçado o tempo todo. A enfermeira parecia ter prazer em me ver sofrer. Era uma sádica. Mas só comigo. Ela fazia questão de mostrar estar sendo justa com outros internos. Fiquei amarrado de tarde até a noite. Já estava achando que ia começar tudo de novo, quando tive a notícia de que minha mãe e minha esposa iriam me levar para uma clínica particular, a clínica Saint Roman, da qual eu tinha boas referências de Cláudio, um amigo meu que sofre de distúrbio bipolar. Fui desamarrado da cama, tomei um banho e pus um uniforme de Jurujuba. Puseram minha roupa urinada num saco plástico e me mandaram numa ambulância para a Casa de Saúde Saint Roman. Minha mãe e minha esposa foram nos bancos da frente da ambulância. Fiquei um mês em Saint Roman. Eu havia feito as provas do vestibular para a UFF novamente nesta época. Passara em 7ª colocação para cursar matemática nessa faculdade. Foi a quarta vez que prestei vestibular para UFF e a quarta vez que fui aprovado nas primeiras colocações. Eu teria que fazer a matrícula e a inscrição em disciplinas, entretanto. Uma vez na Saint Roman, alertei minha psiquiatra, os enfermeiros e coloquei essa questão na reunião semanal dos internos. Pedi ao corpo de enfermagem para falar a respeito com a direção da Saint Roman, mas eles sempre colocavam algum obstáculo. Ou os diretores estavam em reunião, ou já tinham ido embora, ou qualquer coisa do gênero. Minha esposa me garantiu que faria minha matrícula e fiquei menos preocupado. Tentei por muitas e muitas vezes falar com minha mãe pelo orelhão situado nas dependências da clínica. Não é um exagero dizer que devo ter ligado para ela cerca de 150 vezes. Consegui falar duas. Ela nunca atendia, me evitou o tempo todo. *** Nessa época chegou à Casa de Saúde Saint Roman uma uma garota chamada Thábata. Branca, sapeca, ousada – tinha 21 anos e se vestia de modo provocante, com shorts que realçavam suas curvas. O papo dela era insinuante. Ela dizia coisas como “Eu fiz massagem mas mereço respeito”. Procurei me aproximar dela, manifestei interesse. Tudo que ela queria eu fazia uma forcinha para conseguir. Thábata gostava de jogar dominó e eu sempre jogava com ela. Certa noite, no dia 15/01/2009 aproximadamente às 22:00, estávamos jogando xadrez (eu a estava ensinando) quando ela disse: “Posso te perguntar uma coisa?”, “Claro! O que é?”, disse eu. “Não, nada”, respondeu ela. Continuamos a aula e então ela tomou coragem e disse: “Eu quero te dar um beijo!”. Eu enlouqueci. Levantei-me, nos Eric Campos Bastos Guedes 126 O Povo Cego e as Farsas do Poder

beijamos, ela mordia meus beiços, eu metia a língua em sua boca molhada. Ela pôs minha mão sobre seus seios, que passei a acariciar. Foi ótimo. Isso nunca acontecera comigo – uma garota dar um mole desses para mim. O mais perto que eu chegara disso foi com minha esposa Márcia Regina. Mas ficamos nisso. Somente outra vez a cerquei na escada roubando um beijo. Ela me disse “Acabou”. Eu beijei Thábata como nunca tinha beijado alguém antes. Segundo suas próprias palavras ela era uma drogadicta. Com aquela mulher de 21 anos aprendi o que é o amor entre duas pessoas descoladas. Passei a acreditar mais no meu potencial de atrair mulheres. *** Também escrevi alguns textos e pesquisei sobre farmacologia na biblioteca da Clínica Saint Roman. Transcrevo alguns destes textos aqui. “Carta Aberta aos Direitos Humanos No Brasil muitas pessoas estão sendo mantidas em cárcere sem que tenham cometido crime algum. Alega-se que se tratam de doentes mentais, quando na verdade essas pessoas não tem doença alguma, excetuando as doenças causadas pelas próprias drogas que lhes são ministradas em caráter compulsório. Essas pessoas vivem completamente alienadas, pois lhes é negado o acesso à cultura, à informação de bom nível, ao estudo e ao desenvolvimento enquanto seres humanos. Cito o caso do interno Wilson Madeira do Hospital Psiquiátrico de Jurujuba, vítima de drogadição e, possivelmente, de abuso sexual por parte de funcionários do HPJ e de outros internos. Menciono também meu próprio caso: após obter a sétima colocação na Olimpíada Iberoamericana de Matemática Universitária em 2006 sofri diversas internações absolutamente sem necessidade médica e sem que se cumprissem as condições para tanto. Nessas internações tentaram, por diversas vezes, matar-me provocando um enfarte via mistura de medicações. Não sei porque tentaram fazer isso, tudo que imagino a esse respeito é mera conjectura. Cito também o caso de Geraldo Lousada que é mantido em cárcere contra a própria vontade já há mais de dez anos na Casa de Saúde Saint Roman, na cidade do Rio de Janeiro. Geraldo é meu companheiro de quarto e manifesta constantemente o desejo de retornar ao lar em definitivo. Não percebo no comportamento dele nenhum motivo que justifique sua internação por tanto tempo. Há, ainda, o caso de Bruno Guimarães da Fonseca que é inteligente e não tem nenhuma doença mental, como se pode constatar conversando com ele. Bruno é culto e inteligente, mostrando que quer se desenvolver como ser humano. A despeito disso ele é mantido preso (internado) e se torna um verdadeiro escravo dos caprichos da família. No contexto geral essa situação é mantida por dois motivos: I. A necessidade que os governos tem de uma opção para silenciar opositores políticos. De fato, para se internar alguém em um hospital psiquiátrico no Brasil basta que a força bruta do corpo de bombeiros seja amparada pela palavra de um psiquiatra, normalmente com a conivência da família, que toma para si as posses e a eventual pensão que o internado ganhar. II. O fortalecimento da indústria da psiquiatria, que engloba a industria das drogas psicotrópicas. Essas indústrias movimentam cerca de 1 trilhão de dólares por ano em todo o mundo. Mortes suspeitas pelo uso de drogas psicotrópicas ocorrem e algumas delas são Eric Campos Bastos Guedes 127 O Povo Cego e as Farsas do Poder

noticiadas pela imprensa. A mais comentada foi a do campeão de Jiu-jitsu Ryan Gracie que foi morto devido à administração dessas drogas. Também houve o caso de minha avó Dermontina da Silva Campos, que, aos 91 anos de idade foi submetida à drogadição por sua filha Vera Lúcia de Campos que, amparada por médicos inescrupulosos e pela cultura da impunidade e do favorecimento do status quo, ministrou à sua mãe Haloperidol e Neozine, levando-a a morte ao cabo de alguns meses. Então forjaram um laudo em que Dermontina teria, supostamente, morrido em decorrência do Mal de Alzheimer, doença que sequer foi cogitada enquanto minha avó ainda estava viva e parcialmente lúcida. Ora, os traços marcados de senilidade e degeneração mental avançada somente surgiram após a administração de haloperidol, razão pela qual somos levados a natural conclusão de que seus aparentes sintomas de Alzheimer foram, na verdade, causados pela ingesta de haloperidol. Em psiquiatria chamam isso de “psicose tóxica” ou “confusão de pensamento”, quando os sintomas da doença são causados pelos próprios medicamentos que deveriam combatê-la. Tal informação consta do livro “Fundamentos de Farmacologia”, editado por John A. Bevan – editora Harbra, 1979. Tenho medo de morrer do mesmo modo. Parece haver um exame neurológico – ressonância com espectroscopia – que determinaria se alguém sofre de esquizofrenia ou não. Tal exame mediria a atividade dopaminérgica no cérebro do indivíduo, que no caso dos esquizofrênicos, seria aumentada. Entretanto tal exame é feito muito raramente e geralmente a autoridade de um psiquiatra é suficiente para que uma pessoa seja considerada portadora de esquizofrenia. A autoridade de um psiquiatra é tomada como a verdade por todos, inclusive pelos demais médicos, sem que seja exigido o exame comprobatório. Isto dá margem às mais absurdas arbitrariedades no que tange à diagnósticos psiquiátricos de esquizofrenia. Tenho corrido risco de morte a cada nova internação a que sou submetido. Provavelmente tenho sequelas das drogadições a que fui submetido contra minha vontade desde 2007. Lesões neurológicas que quiçá hoje eu tenha são devidas às drogadições a que fui submetido, e não a nenhuma doença pré existente. Há casos de indivíduos que permanecem 10, 20, 40 ou 50 anos internados, mesmo após terem recebido alta, devido à exigência descabida de que algum parente teria de “aceitar” a alta do paciente, vindo buscá-lo no hospital. Ora, até por tais pacientes terem recebido alta, deveriam ser considerados inteiramente aptos a deixar o hospital psiquiátrico por conta própria, sem depender de parentes que muitas vezes não os querem por perto para poderem (os parentes) continuar a gastar ao seu bel prazer as pensões dos familiares internados em instituições psiquiátricas. Essa situação vai contra os princípios básicos dos direitos humanos, e por isso escrevo essa carta.” *** No livro “Fundamento de Farmacologia” de John A. Bevan, editado pela editora Harbra, tive a confirmação de que a síndrome conhecida como “psicose tóxica” foi, possivelmente, a responsável pela morte de minha avó. Segundo o livro essa síndrome leva o paciente à morte fazendo com que o psiquiatra receite doses cada vez maiores de drogas antipsicóticas e anticolinérgicas que aumentam os chamados sintomas extrapiramidais e fazem, assim, com que mais antipsicóticos e mais anticolinérgicos sejam receitados. Esse círculo vicioso pode levar a morte. O mesmo livro nos informa que “o tempo frequentemente mostra que o remédio é pior que a doença” (capítulo 7: Reações Adversas a Drogas) e que “Nenhuma droga está livre do estigma de causar doenças” capítulo 74: Doenças Induzidas por Drogas). Então, porque ingerir antipsicóticos? E, em Eric Campos Bastos Guedes 128 O Povo Cego e as Farsas do Poder

particular, porque ingerir cada vez mais antipsicóticos com o avanço da idade? Sim, porque a função do antipsicótico é diminuir a atividade do neurotransmissor dopamina, cuja produção em nosso corpo diminui naturalmente com o passar dos anos e a chegada da idade madura e da velhice. Porque os psiquiatras são, então, aconselhados pelos manuais a aumentar a dose dos antipsicóticos com o passar dos anos e aumento da idade do paciente? Eu respondo: para anular o paciente e evitar que ele perceba o engodo em que o fizeram acreditar, a armadilha que é a psiquiatria e a canalha que está por traz dela. Eu percebi essa farsa e passei a ser perseguido. Se um único paciente que percebe a verdade causa tantos problemas, que dirá vários. Acrescente a isso a reputação de matemático competente e está armada uma guerra. *** De um lado a verdade, consubstanciada na pessoa de alguém que a descobriu por si mesmo e que tenta passar essa verdade adiante; do outro lado um monstro imenso, de cujo corpo milhões de pessoas participam e em cujas veias correm 1 trilhão de dólares por ano. Esse monstro é essa farsa vil em que a sociedade se encontra mergulhada. Nunca tantos ganharam tão pouco para que tão poucos ganhassem tanto. Considere o advento da Internet e seu desenvolvimento, os vídeos do YouTube – muitas vezes reveladores de assuntos proibidos na grande mídia; os diálogos francos de gente como a gente no Orkut, que fogem dos parâmetros ditados pelo grande capital; as respostas de populares a perguntas de populares no Yahoo!Respostas, que democratizam o conhecimento. Tudo isso tem contribuído para que a verdade chegue ao grande público de modo cada vez mais isento. Antes, a verdade nos chegava em forma de fábula – os filmes, como THX 1138, que toca no ponto da drogadição numa perspectiva futurística e surreal – agora, com os sites de relacionamento, Orkut, Yahoo!Respostas e os sites de vídeos caseiros a verdade tem-nos chegado crua, como deveria ser desde o início, sem a censura do poder tirânico. Antes era necessário que intuíssemos a verdade por traz de um filme como THX 1138, sem que pudéssemos ter certeza sobre o que o autor – George Lucas – estava realmente falando; agora essa mesma verdade nos chega em vídeos claros, em diálogos francos em respostas contundentes através da Internet. Os poderosos querem manter a fraude. Mas a verdade costuma encontrar um meio de aparecer, ainda que demore muito, abafada pela força do poder econômico. A farsa é a arma do poder injusto; a ignorância da população é seu objetivo. O príncipe deste mundo mantém seu poder pela força do medo e do ódio imposto pela mídia à população. A grande mídia, por sua vez, é aliada do poder. Ela criou o ódio pedofóbico – no sentido de um ódio a relacionamentos entre pessoas legalmente menores de idade e indivíduos que já atingiram a maioridade legal; criou a degradante farsa homofóbica e o medo na população, que é mantida refém da TV e da grande mídia. Quando eu ainda acreditava que Roberto havia sido morto liguei para várias revistas e constatei atônito que a mesma pessoa que atendia telefonemas para a revista “Veja” também atendia as ligações para a revista “Isto É”, de linha editorial diametralmente oposta. Liguei também para vários jornais constatando o mesmo fenômeno. As mesmas pessoas atendiam as ligações direcionadas a veículos de mídia diversos. Isso é antidemocrático, uma vez que faz com que um número muito grande de assuntos e denúncias fique na dependência de um número muito reduzido de pessoas. As pessoas que atendiam sempre pegavam meu telefone e diziam que ligariam caso a história interessasse. Nunca ligavam, apesar de a história ser fantástica e de eu ter um nome na Internet como matemático premiado em Olimpíadas. Isso foi meses antes da grande mídia noticiar os grampos da ABIN. Não existe opinião pública, existe opinião publicada. Eric Campos Bastos Guedes 129 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Do lado esquerdo do ringue o ser humano, pesando duas medidas de carne, sangue e ossos em um metro e tanto de altura; idade suficiente para lutar, esforçado, inteligente e com um futuro promissor. Alguém que descobriu as farsas do poder, alguém que descobriu a verdade, alguém que descobriu que a verdade tem várias faces e várias fontes – sejam elas bíblicas, sejam acadêmicas, teológicas, pessoais ou tecnico-científicas – é sempre a mesma verdade. A verdade somente pode se conciliar com a verdade. Não há contradição na verdade. Há paradoxos na verdade – parecem contradições, mas não o são. Verdades aparentemente contraditórias o são apenas superficialmente – tem caráter paradoxal, uma aparência de serem coisas irreconciliáveis – porém não são. A verdade tem várias fontes aparentes – os livros, a TV, os jornais, a Internet, a meditação, a reflexão – mas apenas uma fonte no coração humano: Deus – que está além de qualquer sentimento falso de religiosidade, além de qualquer ideia falsa pre-concebida, além até mesmo do arraigado ateísmo que costuma habitar os corações de pessoas verdadeiramente cultas e inteligentes que foram afastadas da ideia de Deus – porém não de Deus – pela inevitável observação de gente que, sob o pretexto de levar a palavra de Deus às pessoas, somente o faz para manipular as massas e tirar proveito próprio sem se importar com a situação delas, dizendo perversas mentiras sob o manto de uma falsa religiosidade. Os frutos do mal são sempre maus e os frutos do bem são sempre bons. Os frutos do bem provém do amor e os maus frutos do rancor. Isso pode não parecer verdadeiro, se fizermos uma reflexão superficial, mas se trata de uma grande verdade. Pelos frutos conhecemos as coisas boas e más. A bíblia está cheia de ideias poderosas, para o bem e para o mal. A rigor tais ideias não estão na Bíblia, mas podem ser sugeridas por ela. A Bíblia é um veículo para despertar certas ideias que estão adormecidas na mente dos homens. Ela é toda para ser interpretada, não é um livro para ser seguido de modo literal. Quando a Bíblia afirma que Adão foi feito de barro está apenas constatando de modo intuitivo o que os pesquisadores descobriram séculos depois de modo racional: a vida veio de uma espécie de “sopa de matéria”, que a Bíblia disse ser barro, ou seja, a sopa de matéria inanimada. O grande dramaturgo Nélson Rodrigues afirmou que Deus está no detalhe. Eu acredito que não. Deus é percebido pelo hemisfério direito do cérebro, a porta para o inconsciente que enxerga tudo num contexto geral. Então Deus não está no detalhe, mas na ideia geral, na essência, não na substância. Deus é espírito, não matéria; essência, não substância. Por isso a Bíblia deve ser toda interpretada, ela nos fala de um mundo espiritual, que não enxergamos com nossos olhos, mas cuja existência intuímos, uns de modo mais forte, outros nem tanto. Um mesmo trecho bíblico pode ser muito bom se corretamente interpretado ou visceralmente mau se mal interpretado. Um exemplo: o trecho que fala que é melhor que percamos um olho do que o corpo inteiro caso nosso olho corrompa o resto do corpo. Esse trecho pode ser interpretado como a necessidade que alguém tem de livrar-se de algo que lhe é muito caro, mas que lhe fará mal mais adiante, como maus hábitos – bebida, cigarro, sexo sem segurança, apostas, ou uma namorada ruim – ou pode ser interpretado como uma ordem para cortar fora o pênis e a mão direita no caso de masturbação – o que efetivamente foi feito por pelo menos um indivíduo. Tal atitude grotesca não teve origem nem no amor nem em Deus, certamente, embora a Bíblia pareça ter sido a fonte da motivação. O problema não está na Bíblia. Em que trecho a bíblia condena a prática da masturbação de modo claro e sem margem para outra interpretação? Desconfio que não há tal coisa na Bíblia. Acredito, inclusive, que a ciência mostrará que tal prática faz bem a saúde. O tema tem sido evitado, ao que parece é um tabu. Mas logo vai cair, pois a verdade encontra um meio de aparecer. O leitor pode estranhar que nos dias de hoje, quando se fala tão abertamente em sexo, haja silêncio sobre a prática da masturbação. A verdade é que enquanto o sexo Eric Campos Bastos Guedes 130 O Povo Cego e as Farsas do Poder

entre duas ou mais pessoas é um importante mecanismo de controle das massas, a masturbação não permite tal manipulação. O sexo é fator de contaminação por doenças venéreas, mas a masturbação é higiênica; o sexo torna as pessoas dependentes umas das outras, a masturbação as torna livres; o sexo pode ser comercializado, a masturbação não; o sexo pode, dependendo das leis de um país, levar uma pessoa para a cadeia, mas a masturbação é inócua; o sexo está restrito aos fatos e à realidade, mas não há limites para a imaginação quando nos masturbamos. Tendo em vista tantas vantagens, só se pode atribuir a pecha infame que pende sobre a prática masturbatória à influência insidiosa do poder que nos quer ver todos escravos, doentes, dependentes e anulados. Do outro lado a mentira, cruel, desumana, fria, medindo muitos quilômetros de extensão, pesando milhares de toneladas e sendo mais antiga que palavra; semeando o medo, o ódio, o desejo de vingança, o desânimo e a violência. Com um trilhão de dólares por ano na conta bancária, com uma miríade de soldados absolutamente fieis, bem pagos e com um coração de pedra. Suas armas são a ignorância, arrogância, a drogadição involuntária, a imposição artificial de comportamentos e a tirania. Há cerca de uns 10 ou 15 anos atrás, na década de 90, ouvi falar de um super computador que teria informações pessoais sobre cada ser humano da face da Terra. Isso me foi contado por minha tia Vera Lúcia e por minha mãe Vanda Campos. O nome desse projeto era 666 e segundo minha mãe este era o projeto de dominação de Satanás sobre a humanidade, conforme a Bíblia relata. Cada pessoa teria em sua mão direita um microchip que permitiria a ela fazer compras, sendo que o débito seria feito de modo imediato, direto na conta do comprador. O nome do microchip é mondex, mom de monetário e dex referindo seu uso na mão direita. Todas as pessoas com o microchip poderiam ser localizadas a cada instante por um sistema de satélites. Isso poderia evitar sequestros, por exemplo. Na época acreditei que seria uma boa ideia, porque, em teoria, se todos nós tivéssemos este microchip e somente realizássemos operações financeiras com ele, isso acabaria, por exemplo, com o tráfico de drogas, com os sequestros e com a corrupção. Pelo menos em teoria. Por tudo que passei, entretanto, não creio mais nisso. Essa é somente uma arma muito poderosa para criar um governo totalitário a nível mundial. O tirano será, como tem sido já há muito tempo, o grande capital. Notem que a recente crise financeira internacional não é coisa recente de fato. Já aconteceram várias outras, como a grande depressão de 1929. Nessas crises o capital migra das mãos de muitos para a mão de poucos. Tais crises são criadas com o rigor de fórmulas matemáticas e obedecem a regras bem conhecidas da economia. Primeiro é feito, pelo grande capital, uma oferta crescente de crédito. O mercado interpreta isso como um bom sinal e começa a fazer empréstimos e a gastar, comprar imóveis a prestação, fazer gastos para pagar a perder de vista etc. Depois, de repente e sem avisar, o grande capital retira todo o crédito que estava oferecendo e passa a cobrar os empréstimos que fez. De súbito o dinheiro some da praça. Bancos pequenos começam a quebrar, empresas vão a falência e pessoas são demitidas. Como pagar os empréstimos feitos? Somos forçados a vendermos tudo que temos, nossos bens reais – não bens imaginários, a moeda podre sustentada unicamente por uma ficção legal e que chamamos dinheiro. Que faremos se o governo decidir confiscar nosso dinheiro nos bancos e cadernetas de poupança? Somos reféns do governo que pode, com a ajuda da mídia, criar a ideia, psicológica e tecnicamente construída de que precisamos fazer a nossa parte, de que o dinheiro e os bens confiscados teriam que ser realmente confiscados para evitar um mal maior. O governo não luta mais para conseguir mais dinheiro. Ele já tem o suficiente. Luta para que o cidadão comum não tenha dinheiro e tempo suficientes para preocupar-se com as questões realmente importantes que estão sendo deliberadamente omitidas pela grande Eric Campos Bastos Guedes 131 O Povo Cego e as Farsas do Poder

mídia. Por exemplo: a questão da água. Já há alguns anos o governo federal vem veiculando uma campanha publicitária nas emissoras de TV para alertar sobre a importância da economia de água. Querem nos fazer crer que o Brasil precisa economizar água. Nada mais falso. O Brasil e o povo brasileiro tem água suficiente. Por enquanto. A campanha veiculada nas emissoras de TV sobre a importância da economia de água está, na verdade, preparando psicologicamente o povo para um aumento absolutamente abusivo no custo da água. Este aumento atingirá, principalmente, as classes mais pobres e a classe média. Quando a serpente der o bote lembre-se deste texto e de quem o redigiu. Estou lançando minha campanha à presidência da república baseando-a na ideia da democracia direta, exercida de modo direto pela população. Dificilmente vencerei a disputa, mas julgo que minha candidatura é importante por lançar a ideia da democracia direta. O mote pode ser: “na década de 80 o povo gritou: diretas já! No novo século o povo gritará: democracia direta já! – democracia direta: o cidadão no controle do país” Se o governo governa em prol de si próprio, o povo governará, também, em prol de si próprio. Nada mais justo – esse é precisamente o objetivo da ideia de democracia: um governo do povo pelo povo. Sou avesso à ideia do comunismo. Ele sempre resultou em tiranias, nunca em governos democráticos, conforme nos mostra a história. Ao contrário, gosto da liberdade do capitalismo, das ideias do livre mercado e da concorrência, da livre oferta de mercadorias e serviços e da competição. Porém, a forma como concebemos o capitalismo hoje foi pervertida pelo grande capital. Nada contra o grande capital em si, porque ele também é natural e desejável. Porém, ele tem usado seu poder de influenciar as decisões políticas para impedir que as massas também tenham acesso livre ao capital e a livre concorrência; à livre oferta de produtos e serviços – conceitos básicos no capitalismo. Senão, vejamos. Há uma burocracia sem medida quando se tenta abrir uma empresa de fundo de quintal; a legislação não protege o microempresário porque não é o micro empresário que faz a legislação; a carga de impostos que incide sobre a população é brutal e não se justifica diante da baixíssima qualidade dos serviços públicos: pudera, quem faz a legislação não é o povo, mas sim o governo, que não utiliza o serviço público, mas o particular. Há que se alertar para a necessidade da democracia direta, exercida de modo direto pelo próprio povo. Meu governo se ocupará de discutir e implementar os mecanismos que tornem a democracia direta uma realidade. Ou o meu governo, ou o governo de alguém que está para vir depois de mim. Essa ideia é tão boa que vingará por si mesma. Só há dois meios de impedir que a democracia direta seja implementada nos próximos 20 anos em caráter mundial: o estabelecimento de ditaduras ou a imbecilização do povo. As pessoas de poder sabem disso, e tentarão a todo custo nos impor uma dessas duas condições. *** Porque o banco quando empresta dinheiro exerce seu papel social legítimo permanecendo dentro da lei e o particular que empresta dinheiro a juros é taxado de marginal, e chamado pelo nome pejorativo de agiota? Ora, se os particulares pudessem, com o amparo da lei, emprestar dinheiro a juros, isso resolveria o problema de juros altos que o país enfrenta atualmente. Também seria uma fonte de renda para boa parcela da população. A maior oferta de crédito derrubaria o juro bancário e estabilizaria o mercado. Com o mercado estável não haveria mais as grandes crises do capitalismo. O problema é que não é o povo que legisla, não é o povo que faz as leis. Quem faz as leis são os grandes banqueiros internacionais, a quem não interessa que o particular possa, também, Eric Campos Bastos Guedes 132 O Povo Cego e as Farsas do Poder

emprestar dinheiro a juros (com o amparo da lei e sem precisar recorrer a jagunços para garantir o recebimento do empréstimo ora feito), pois isso criaria uma concorrência que, por sinal, é uma das bases do capitalismo e está sendo evitada de modo iníquo pelo grande capital. Outra questão é a prostituição. Vamos entender como era esse problema no passado e como ele é hoje em dia. No passado distante há dois mil, três mil anos, as pessoas não tinham a noção da existência de seres microscópicos que causavam e espalhavam as doenças. Os homens e mulheres que se relacionavam com vários parceiros morriam com as entranhas podres. Sem saber como ocorria isto a sociedade atribuía tal fato a algum tipo de castigo divino. Procurou-se com isto, naturalmente, evitar relacionamentos sexuais transitórios e sem um compromisso maior, pois tais relacionamentos pareciam trazer o castigo divino. A existência da figura da prostituta era abominada por tal motivo. Ela era um ser disseminador de doenças, que eram interpretadas como castigo divino. Hoje em dia a maior parte das doenças venéreas está controlada e seus sintomas são tratáveis. Elas não nos causam tantos problemas como ocorria há milhares de anos. A despeito disso a figura da prostituta continua a ser fortemente combatida. Porque? O motivo não existe mais, como vimos. Alega-se motivação religiosa, bíblica, mas a humanidade cresceu, evoluiu. A prática do sexo livre era negada e combatida na infância da humanidade, como talvez o deva ser na infância do ser humano; porém a humanidade hoje é adolescente, cheia de hormônios e com maturidade suficiente para a prática do sexo. Uma mãe amorosa naturalmente evitará passar as ideias do sexo para uma criança, porém não fará o mesmo com um filho ou filha adolescente. A mãe é a mesma, Deus é o mesmo, porém sua atitude com uma humanidade adolescente é inteiramente diversa da com uma humanidade infantil. No passado o combate à prostituição e ao amor livre se justificava para o próprio bem do ser humano. Hoje em dia não há mais tal justificativa. Então, porque a mídia combate tanto a ideia da prostituição? Ora, a mídia está a serviço de quem? Do grande capital, conforme se sabe. Então a ideia da prostituição está sendo combatida pelo grande capital. Porque a popularização da prostituição assusta tanto o grande capital? Simples! Há o conceito de exército industrial de reserva que ampara a iniquidade do grande capital perante o pequeno. O exército industrial de reserva seria fortemente abalado se a prática da prostituição se tornasse mais popular e fosse regulamentada. O exército industrial de reserva se compõe da massa de pessoas que podem e querem trabalhar, mas que estão desempregadas devido a uma menor oferta de vagas para trabalho. A existência desse exército industrial de reserva faz com que o trabalhador procure a todo custo manter o emprego, pois se ele se negar a fazer o que o patrão lhe manda, mesmo que seja algo indigno e até contra a lei, haverá muitas outras pessoas tão qualificadas quanto ele que estarão desempregadas e que poderão vir a ocupar sua vaga. Além disso, a disputa de várias pessoas por uma mesma vaga num emprego possibilita que o patrão pague um salário menor, pois quem quiser ganhar mais terá seu desejo inibido pelo fato de muitas pessoas que até então se encontram desempregadas poderem vir a ocupar aquela vaga para ganhar até um salário menor. Imagine quantas mães deixam de alimentar os filhos para engrossar as fileiras do exército industrial de reserva. Novamente, aqui, o culpado não é o capitalismo, mas sim a degeneração do capitalismo pelo grande capital via interferência nas decisões políticas. Somente quando a ideia da democracia direta vingar o povo se verá livre do jugo do grande capital. Poderemos, então, escolher nossos próprios caminhos, sem medo de ser feliz e sem sermos enganados por nenhum rato barbudo. Imagine quantas mães passariam a alimentar os filhos com dignidade se o conceito de prostituição fosse incorporado à lei como um modo lícito de se ganhar a vida. O Eric Campos Bastos Guedes 133 O Povo Cego e as Farsas do Poder

conceito de exército industrial de reserva ficaria capenga, com a perna torta, pois a qualquer mãe seria dado o direito de prostituir-se com dignidade. Partindo do pressuposto que (quase) todas as crianças tem mãe, elas teriam sempre uma opção para alimentar os filhos, sem depender do grande capital e sem praticar a verdadeiramente má prostituição de sua dignidade e liberdade de pensamento e ação. Não entenda o leitor que defendo a prostituição em si. Não. O que defendo é a liberdade do ser humano. E defender a liberdade é, principalmente, defender a liberdade de quem pensa diferente de nós. Nossa própria liberdade estamos sempre defendendo, pela defesa inerente contida em nossas próprias ações. Quando faço algo, o que faço é a própria defesa de minha liberdade – minha atitude defende a liberdade que tenho de ter aquela mesma atitude. Defender a liberdade vai além, portanto. Por isso há também o dizer, devido a Voltaire se não me engano: “Posso não concordar com uma só palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o direito que tem de dizê-las”. A liberdade de expressar uma opinião é algo básico, necessário à democracia. Do mesmo modo, a liberdade de qualquer um, seja pequeno ou grande, aliado ou adversário, bom ou mal, para oferecer um produto ou serviço, com a garantia dada pelo Estado de que receberá pelo serviço ou produto que oferta, é requisito básico para a democracia e para a prática salutar do verdadeiro capitalismo. Assim, o grande capital não deve oprimir o pequeno, emprestando dinheiro a juros e impedindo que o pequeno faça o mesmo; não deve oferecer produtos e serviços e dificultar, via influência na legislação, que o pequeno faça o mesmo. Todos devem poder emprestar dinheiro a juros, não somente os bancos; todos devem poder oferecer produtos e serviços e ter a garantia dada pelo Estado de que, segundo os princípios do capitalismo, receberá pelo produto ou serviço que oferta. O futuro é uma incógnita em seus detalhes. Porém consigo divisar coisas bem fantásticas que poderão acontecer. Disse numa ocasião anterior que a verdade é uma só e que a verdade concorda com a verdade. Que dizer do conceito de vida eterna? No meu entender é algo plausível e vou explicar o porquê. Cientificamente. Em Física o tempo não é algo fixo para todos. A passagem do tempo ocorre em taxas variadas conforme a velocidade em que uma porção de matéria – que os físicos chamam corpo – se encontra. Teoricamente sob determinadas circunstâncias um corpo poderia retornar no tempo, por exemplo, se ele adquirisse uma velocidade superior a da luz. Portanto a ideia de voltar no tempo é concebida pela Física atual. No futuro certamente haverá grandes avanços científicos e técnicos. Disso ninguém duvida. Inclusive tais avanços parecem ocorrer de modo cada vez mais rápido, numa taxa geométrica de crescimento. Portanto, a ideia de retornar no tempo não deve ser ignorada como um disparate. Pelo menos não no futuro. O que há de mais valioso em nosso passado? Nossa infância e entes queridos que já se foram, certamente. Quem que pudesse retornar ao passado não buscaria rever um pai já falecido, ou uma mãe? E que dizer da taxa de mortalidade? O ser humano vive cada vez mais e morre cada vez mais velho. Haverá um dia, no futuro, onde as pessoas não morrerão mais, a julgar pelo aumento da expectativa de vida que cresce no mundo inteiro. Logo a medicina e a ciência terão avançado o suficiente para garantir uma vida sem fim. Uma vez que não haverá mais morte na Terra, poderemos, se dominarmos as viagens no tempo, buscarmos nossos entes queridos que já faleceram para vivermos com eles uma eternidade sem morte e uma vida plena num paraíso terreno que ainda está por vir. O requisito para vivermos neste paraíso seria deixarmos boas obras que nos fizessem ser queridos pela posteridade ou por algum filho ou filha que fosse querido por ela. Isso é muito mais fácil do que parece. Se eu educar meus filhos com amor e correção, a possibilidade de que ele volte ao passado para me resgatar para o paraíso por vir é muito grande. Basta que ele tenha uma descendência fértil e útil para a posteridade, ou que seja ele próprio muito útil para o desenvolvimento do mundo. Coisas que deveríamos evitar Eric Campos Bastos Guedes 134 O Povo Cego e as Farsas do Poder

para merecer o paraíso por vir são óbvias: não devemos ser tiranos impiedosos, como Hitler ou Stalin, não devemos deixar maus exemplos, tais como suicídio ou homicídio. Pessoas que fossem julgadas como sendo realmente más teriam uma chance bem menor de vir a reviver numa terra paradisíaca do futuro. O grande democrata Sólon teria grande chance de ser revivido, pela contribuição que fez à democracia ateniense. Por sinal pretendo dar o nome Sólon a meu primeiro filho, pois minha esposa está grávida, o que vem a ser uma benção nessa altura dos acontecimentos. A ideia é bastante interessante, ao mesmo tempo crível e teologicamente aceitável. Como bom matemático e como bom cristão não acredito que Deus faça mais mágicas além do grande milagre que já é a própria existência. Não entendo como essas ideias ainda não surgiram com força no campo da Teologia. *** Como no filme Falcão – meninos do tráfico, digo: não sou mais nem menos que ninguém. Se me matam hoje, nascem três, sete, dez para fazer o meu trabalho, levar minha palavra. Sou um veículo que Deus encontrou para dizer o que digo, para pensar o que penso, para fazer o que faço. Cada um de nós é assim. Ninguém é melhor ou pior. Fazemos a cada instante o melhor para nós mesmos, ou pelo menos o melhor que nossa mente concebe. Se eu morrer hoje, tenho a esperança da vida eterna num mundo democrático, amoroso e bom que venha a ajudar a construir para meus filhos e netos. Tenho a certeza de deixar boas obras, enquanto meu coração disser sim para Deus e para o Bem. Na medida em que acredito que fazer o bem vale a pena, passo a significar mais para a eternidade e para as pessoas que amo e que virei a amar. Luto pela liberdade, pela democracia verdadeira, pela justiça. Minhas palavras encontraram voz na minha voz; sou a imagem dos sentimentos que carrego em meu coração e que escolheram minhas mãos para renascerem como atitudes e ações. Em mim não há apenas um, nem dois. Sou outro Yoñlu: tenho o anseio de ser vários e a necessidade de ser único. Não vou me matar se não conseguir. Sei que esse é não é o caminho. Não me calo, não ficarei quieto num canto, sem atuar, sem exercer meu papel; não sou um perdido nem um perdedor. Gritei do alto do penhasco e do cume da montanha. Serei ouvido? Tenho certeza de que tenho uma chance. Se não vencer nesta vida sei que do alto dos séculos futuros meu eco me sustentará.

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Parte IV
(Indução ao suicídio, indução ao homicídio e infestação por cisticercose)

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Soronegativo Eu havia feito pelo menos uns três testes para verificar se estava ou não infectado por HIV. Ou por qualquer outra doença venérea. Para meu alívio, todos os testes indicavam a ausência de qualquer vestígio de HIV, sífilis, hepatite, HPV e tudo o mais. Meu sangue estava tão puro quanto o de um bebezinho. Precisava repensar o episódio da agulhada em meu pé que ocorrera no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba (HPJ). Talvez o sangue se devesse a picada de um borrachudo, um mosquito especialmente forte e que fosse capaz de picar com tal intensidade a ponto de fazer o sangue aparecer. Saber que eu não tinha AIDS me fez ficar bem menos transtornado e furioso. Minha situação não estava tão ruim assim, afinal. *** Após a saída de Saint Roman Depois que tive alta de Saint Roman tratei de parar logo com as drogas psiquiátricas que me obrigaram a tomar. Depois, tentei retomar as rédeas de minha vida. A primeira grande providência foi reiniciar meu curso de matemática na Universidade Federal Fluminense. Eu havia passado na sétima colocação para o curso de graduação em matemática e estava animado. Resolvi ganhar algum dinheiro com matemática e ao mesmo tempo incrementar meu currículo visando aumentar minhas chances de obter futuramente uma bolsa de mestrado na UFF. Com esse objetivo, concorri a três vagas para trabalhar como monitor auxiliando alunos da UFF. Prestei provas para trabalhar como monitor de álgebra, análise real e geometria. Em álgebra e análise tive a maior nota e em geometria tive a segunda maior nota do concurso. Depois disso iniciei meu trabalho como monitor do curso de geometria. Eu trabalhava como monitor e assistia as aulas na UFF. *** O bote da serpente Eu me sentia muito bem. Entretanto, havia algo de errado. Tive uma estranha dificuldade ao fazer minha inscrição nos concursos para monitoria. A funcionária responsável disse que meu nome não constava na lista de alunos matriculados na UFF. Eu retorqui dizendo que havia passado na sétima colocação para o curso de matemática da UFF e que minha mãe havia feito minha matrícula. Apesar da funcionária não encontrar meu nome entre os matriculados, acabou atribuindo isso a uma falha do sistema informatizado e efetivou minha inscrição para que eu pudesse fazer as provas para concorrer a monitoria. Comecei a ficar preocupado, mas segui adiante. Dias depois, verifiquei se meu nome já constava no computador entre os alunos matriculados. Não constava. Minha preocupação se acentuou, e depois de um tempo entendi que minha mãe e minha esposa não haviam feito minha matricula na UFF. Indaguei a Vanda se ela realmente havia feito minha matrícula na UFF e ela sempre disse que sim. Até aquele momento, ela afirmava e confirmava ter feito minha matrícula. *** Repugnância

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O Povo Cego e as Farsas do Poder

O que mais uma vez eu constatava era que existem seres tão absolutamente repugnantes que sua própria existência é posta em dúvida quando nos referimos a eles. Minha mãe não havia feito minha matrícula na UFF, mas até aquele momento afirmava ter feito. O objetivo da perversa talvez fosse fazer com que eu perdesse o controle e tivesse um acesso de fúria descontrolada. Assim, todos teriam uma “prova” de que eu realmente era um louco e que precisava tomar os meus “remédios”. Porque tanto interesse em fazer todos acreditarem que eu precisava de drogas psiquiátricas? Passei a me indagar a respeito e concluí que se as pessoas do entorno social de Vanda se dessem conta de que eu havia me curado ao interromper as drogas psiquiátricas, corria-se o risco de Vanda ser desmascarada. A verdade é que nunca precisei de drogas psiquiátricas. Eram essas drogas as responsáveis por meus acessos de fúria, por minhas frustrações, por minha dificuldade em me relacionar com mulheres e tudo o mais. Se eu fosse usuário de tóxicos ilícitos, minhas ações violentas e anti-sociais seriam atribuídas ao uso desses tóxicos. Como eu era usuário de drogas psiquiátricas, regularmente receitadas por médicos, minhas atitudes violentas e de agressividade tosca eram atribuídas a esquizofrenia. E, supostamente, teria que tomar tranquilizantes para controlar os sintomas de minha doença. Fraude terrível! Eram justamente as drogas psiquiátricas que me transformavam em alguém violento, frustrado e anti-social. A estrutura biológica de nossos corpos não está nem aí para a legalidade das drogas que usamos. Drogas são sempre drogas. Destroem nossa saúde, nos tornam incapazes e dependentes delas. E se isso ficasse mais ou menos evidente aos conhecidos de Vanda, eles estariam aptos a concluir que minha mãe Vanda sabia o tempo todo da verdade. Ela perderia muitos amigos e seria execrada na mesma igreja onde tem hoje tanto nome e tanto respeito. Muitos meses depois Vanda tornou a aprontar e tive tanta raiva dela que compreendi como bem poucos as palavras atribuídas a Jesus Cristo pela bíblia sagrada: Muitos entregarão os seus próprios irmãos para serem mortos, e os pais entregarão os filhos; os filhos se voltarão contra os pais e os matarão. (Mateus 10, 21) Isso explica muitas coisas! Quando deparei com esse versículo bíblico, tive uma surpresa reveladora: eu não estava só. O que ocorria comigo já estava a suceder por séculos e séculos. A própria bíblia indicava isso! Minha ira contra os desmandos de minha mãe e meu desejo repulsivo de vingança contra ela começaram a fazer sentido. No versículo seguinte, Jesus prossegue sua pregação dizendo: Todos odiarão vocês por serem meus seguidores. Mas quem ficar firme até o fim será salvo. [grifos meus] (Mateus 10, 22) Que coisa maravilhosa! O próprio Jesus Cristo reconhece nesse versículo que eu sou um de seus seguidores. Também afirma que há uma chance para mim quando diz que “quem ficar firme até o fim será salvo”. O que esses versículos querem realmente dizer? Ora, por ter eu vivido a situação referida no versículo anterior (Mat.10, 21), eu estava capacitado a interpretar a passagem bíblica. Aqueles que foram entregues nos braços da morte por seus pais e irmãos são os seguidores de Jesus. Os que se voltarão contra os próprios pais, matando-os, são os que, antes disso, serão traídos por seus familiares mais amados e, devido a essa mesma terrível traição, cometerão o abominável parricídio. Mas quem sobreviver à traição de seus familiares e não revidar assassinando-os, será salvo. Quem, tomado de revolta diante da insídia de seus familiares, cometer parricídio, será condenado a sofrimentos diabólicos. Algumas questões pertinentes ocorrem de modo natural. Uma delas diz respeito ao motivo para pais e irmãos entregarem um familiar a Eric Campos Bastos Guedes 138 O Povo Cego e as Farsas do Poder

morte. Que motivo seria este? A resposta é que uma tal família se baseia em aparências. Falta nela o mais importante: amor. Quem observar essa família verá muitos motivos para elogiar seus chefes. A mãe, muito religiosa, é devota respeitadíssima e querida por todos em sua paróquia. Só que ela tem um filho meio desajustado que vive brigando e fazendo bobagens. O que é muito mais difícil de ver é que o motivo para a revolta do filho é a hipocrisia da mãe, o fingimento do irmão e toda perversidade dissimulada deles. Embora o filho revoltado nem sempre o perceba com clareza, sua mãe não o ama, mas finge muito bem. Não há amor pelo filho naquela mãe, mas sim a obrigação moral de passar a melhor imagem possível de si mesma. Ela fará o mais perfeito papel de mãe zelosa, será uma atriz impecável que enganará a quase todos. E encenará seu teatro porque quer o respeito das pessoas que a conhecem; porque arroga elogios e reconhecimento de que não é digna. Mas precisa manter a fraude para garantir que continuará a ser bem quiista pelas pessoas que pensam que a conhecem. Não estou negando a existência de mães zelosas ou de pais e irmãos amorosos. O que estou dizendo é que uma preocupação excessiva em manter aparências que não tem correspondência com o que há de fato acaba por sufocar o amor verdadeiro e decepcionar grandemente quem acreditou no teatro. E isso pode redundar em crimes terríveis que, em geral, ficam sem serem bem esclarecidos. Dizer que fulano matou a mãe porque era desequilibrado, esquizofrênico ou louco não explica nada realmente. Aceitar uma tal explicação para um matricídio é fazer o que a civilização tem feito por milênios: varrer a sujeira para debaixo do tapete. O problema em fazer isso é que ao teimarmos em ignorar o que verdadeiramente tem acontecido, não nos tornamos capazes de evitar que outros crimes desse tipo venham a ocorrer. É necessário entender o problema para que possamos resolvê-lo. *** Abandono das aulas Era inútil assistir as aulas não estando regularmente matriculado na faculdade. E eu suspeitava seriamente de que não fora matriculado. Então parei de frequentar as aulas e passei a me concentrar na monitoria. Eu era um bom monitor e gostava bastante de meu trabalho. Estar ganhando meu dinheirinho também era bom. Isso fazia eu me sentir útil e aumentava minha auto-estima. Planejava cumprir bem meu trabalho como monitor e depois de um ano fazer novamente o vestibular para a UFF. Aí sim, poderia voltar a assistir as aulas e estudar para as provas. *** Mãe iníqua O pagamento de minha bolsa de monitoria estaria sendo depositado numa conta de minha mãe, pois ela havia bloqueado meu acesso a minha antiga conta do Banco do Brasil. Além disso, eu estava impedido de abrir contas bancárias, pois Vanda havia sujado meu nome na praça. Ela fez isso ao embolsar o dinheiro de minha pensão em vez de pagar minhas dívidas com esse mesmo dinheiro. Na ocasião eu estava impedido de pagar minhas contas por ter sido preso no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba e mantido lá com a conivência de Vanda. A situação toda é revoltante, tal a degradação a que tenho sido submetido por Vanda. A iniquidade mora nos corações dissimulados. *** Eric Campos Bastos Guedes 139 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Perda da monitoria Um dia me chamaram na sala de uma professora que exercia um cargo de chefia referente aos monitores das disciplinas de geometria. Ela me disse que eu não tinha nenhum vínculo com a UFF, pois não estava matriculado. Logo, eu teria que deixar a monitoria. Então pediu para que eu assinasse um termo de desistência do cargo, o que me neguei a fazer. Na verdade, o documento que ela pediu que eu assinasse continha uma afirmação falsa, de que não me lembro agora. E se eu assinasse aquele papel isso me tornaria um mentiroso, coisa que não quero ser. A falha não havia sido minha, mas da UFF. Quando me deixaram participar das provas seletivas para as bolsas de monitoria eles cometeram um erro. Essa falha deles me fez perder dois meses de minha vida, gastos debalde na dedicação à monitoria. Também há a questão do dano moral, da injustiça. Definitivamente eu havia sido injustiçado. Não fizera minha matrícula na UFF por ter sido preso em hospital psiquiátrico e quando a UFF permitiu que eu concorresse a vagas de monitoria, estava implícito que eu havia sido matriculado e que poderia exercer a monitoria normalmente, o que não ocorreu. Então o erro foi deles. Depois que me neguei a assinar o tal papel abandonando a monitoria, continuei meu trabalho na UFF. Mas fui chamado novamente na mesma sala. Então juntaram duas testemunhas que trabalhavam na UFF e me coagiram a assinar o tal papel. Eu não assinei nada e a professora pediu às testemunhas que atestassem que eu havia sido informado da decisão dela em me desligar da monitoria. Foi muito constrangedor e desagradável passar por aquilo. *** Pensamentos destrutivos Após ser dispensado da monitoria, passei a odiar profundamente aquela mulher. Vanda era a imagem perfeita da mãe desnaturada. Se a examinarmos superficialmente, o demônio que habita em sua alma não se revela. Para concluir isto, basta lembrar que as irmãs Vanda e Vera enganaram a própria mãe por cerca de 60 anos, tal foi a mestria que ambas alcançaram na arte da dissimulação. Fico imaginando como minha avó Dermontina se sentiu ao ser seviciada por Vera com o consentimento de Vanda. A ingratidão que demonstraram pela mãe que lhes educou; o coração perversamente dissimulado que tinham; o matricídio impune que então executavam. Tudo isso deve ter sido uma imensa decepção para minha avó. Como ela poderia encarar toda essa injustiça pelo viés espiritual? Teria Dermontina perdido a esperança? Talvez, tal como Cristo na cruz, ela tenha dito a si mesma: “Pai, porque me abandonaste?” e “Está consumado”. Em vista de minha avó, que em termos morais era uma força da natureza, eu era realmente muito fraco. Desesperado, não podia mais contar com ninguém. Minha mãe me queria ver morto e minha esposa era fraca e ignorava os pressupostos básicos necessários para entender o que estava acontecendo comigo. No raciocínio de minha esposa Márcia Regina, se o governo quisesse me ver morto, já teriam mandado um assassino me executar a tiros. É claro que não é assim que as coisas funcionam no Brasil. Não estamos vivendo na China, em que o governo pratica um verdadeiro genocídio ao executar sumariamente um número elevado de cidadãos e depois manda aos pais do morto a conta pelo custo da execução. Se eu tivesse nascido na China, já estaria morto há muito tempo. No Brasil o governo precisa manter a fraude, precisa manter a aparência de democracia, de integridade, de respeito. E quando eu disse “governo”, quis me referir Eric Campos Bastos Guedes 140 O Povo Cego e as Farsas do Poder

não somente aos políticos atuantes em cargos públicos, como também a toda a mídia que o ampara, bem como a todas as partes articuladas desse Leviatã que operam em sinergia para manter o povo mergulhado no estrume de suas ilusões. O desespero me fez caminhar até a janela de meu quarto e pensar “vou pular pela janela”. Mas fui racional o suficiente para entender que isso só aumentaria meus problemas, pois ninguém se compadeceria comigo nem passaria a entender meus problemas. Esse prazer eu não daria de mão beijada a minha mãe. *** Fofoca na academia Impedido de estudar e de trabalhar na UFF, passei a me dedicar a prática da musculação e da caminhada em esteira eletrônica. Eu me sentia realmente muito bem fazendo academia. No início, exigia muito pouco de mim mesmo. Passava, em média, menos de duas horas por vez na academia. Mas depois que criei gosto pelo culto ao corpo, ficava cerca de cinco horas malhando direto. Era ótimo. Foi uma das minhas melhores épocas. Estava já começando a ter resultados visíveis em meu físico. Meu psiquiatra Drº Eugênio Lamy percebeu que meus músculos estavam mais desenvolvidos, sem que eu tivesse dito a ele que estava praticando musculação. Infelizmente, a maledicência de minha tia Vera, ou de minha própria mãe Vanda, acabou por me alcançar. O instrutor e uma mulher que malhava comigo, antes sempre simpáticos, passaram a agir de modo agressivo comigo. O instrutor começou a me repreender por coisas absolutamente insignificantes e a tecer comentários hostis. Uma mulher da academia, que costumava sorrir para mim, passou a me dirigir olhares hostis e a me criticar. A mudança de comportamento deles para comigo era patente. Houve uma vez em que o instrutor, presumivelmente, falou mal de mim a uma funcionária da academia – a atendente que ficava na entrada, uma mulher alta e de pele branca. Eu estava próximo e ouvi a conversa. A atendente respondeu ao instrutor dizendo que não falasse mal de mim, pois eu havia escrito um livro importante (não me lembro se ela usou a palavra importante ou algo similar); então o instrutor redarguiu: “só se for um livro sobre crime!” Então entendi que o demônio que habitava em meus familiares havia encontrado um meio de me atingir a distância: a maledicência. *** Ação a distância Os piores demônios nos atingem a distância. Fazendo assim, evitam que sejam expulsos dos corpos que habitam. Ora, sendo o diabo o pai da mentira, ele tornará seus filhos mentirosos exímios. A mentira, quando parte de um filho do diabo, é tão bem contada que a esmagadora maioria das pessoas a consideram uma verdade. O demônio precisa dar esse talento ardiloso a seus seguidores, pois se a mentira é descoberta logo, isso mancha de tal modo a reputação do mentiroso que tudo o mais que ele disser será considerado uma outra mentira. Alguém que tenha se entregado à prática da dissimulação acaba por tornar-se um mentiroso tão hábil a ponto de poder cometer os crimes mais imundos e encobri-los tão bem que ainda será elogiado, admirado e confortado pelo crime que cometeu. Alguns exemplos disso seguem-se: minha tia Vera, que matou a própria mãe com drogas psiquiátricas e foi confortada pelos amigos devido à perda da mãe; um outro caso foi o de uma mulher que tendo se casado e engravidado, asfixiou seu filho recémnascido – tendo ido a julgamento, disse que não o fez (afinal, porque ela faria isso?) e um Eric Campos Bastos Guedes 141 O Povo Cego e as Farsas do Poder

perito médico alegou que o bebê sofria de uma doença muito rara, e que fora essa doença que matara a criança; essa mãe-monstro engravidou novamente e mais uma vez asfixiou o filho recém-nascido; e ainda uma terceira vez o fez. Mas todos ficaram com muita pena dela, pois julgavam-na uma infeliz. Então deram todo conforto e atenção a ela. Após cerca de vinte anos, uma policial se aproximou da monstra e jogou verde para colher maduro: “Estou aqui para prendê-la. Já sabemos que você matou seus filhos.” A serva de satã caiu no choro e confessou diante de testemunhas. Foi presa e, até onde eu soube, teve câncer na cadeia. O marido e os filhos que ela não assassinou a perdoaram totalmente, tamanha era a sedução da beleza outorgada por lúcifer a sua serva parricida. *** Saindo da primeira academia Preferi deixar aquela academia. Eu já não me sentia mais bem lá. Imagino que este tipo de coisa é o que torna dificílima a recuperação de um ex-presidiário. Ao tentar se reintegrar a comunidade, dedicando-se a atividades benéficas, tais como exercícios em academia, cursos, empregos etc, passa a ser alvo de críticas e insultos no ambiente que frequenta, o que o faz abandonar a busca pelo sucesso legítimo e, então, a voltar ao mundo do crime. Depois o povo se queixa do índice de criminalidade! E intensifica mais ainda o repúdio ao ex-detento, que não deve ter sofrido tanto na cadeia. Afinal, lá ele tinha comida e teto de graça. Ora, se a vida no presídio fosse tão boa, todo mundo iria querer ir para lá, e não é isso que ocorre. Abandonei aquela academia e passei a frequentar uma outra, bem mais distante, na qual, supunha eu, as fofocas demorariam muito mais para me alcançarem. *** Na outra academia A maledicência me alcançou muito mais rápido do que imaginara. Nessa outra academia passei também a ser vítima de um dos instrutores e de uma mulher que malhava lá. A mulher me dirigia olhares ameaçadores e o instrutor me tratava com desprezo. Certa vez um rapaz pediu para alternar comigo o uso de uma máquina em que eu estava me exercitando. Eu faria um grupo de repetições e teria de parar um pouco para relaxar a musculatura. Então ele faria o grupo de repetições dele enquanto isso, e quando terminasse, eu voltaria a utilizar a máquina. Isso é muito comum em academias. Eu consenti. Cada vez que eu parava para descansar, ele aumentava a carga – isto é, o peso ou força de resistência da máquina umas três vezes. A mulher que me era hostil soltou uma gargalhada, zombando. As agressões emocionais já estavam me dando nos nervos. Então, fiquei sem dinheiro para pagar a academia e não quis pedir nada a Vanda, pois era terrivelmente humilhante ter de pedir a ela que me desse o meu dinheiro – não era o dinheiro dela, mas sim o meu, proveniente de minha pensão. A maldita ladra não me dava o que era meu por direito, mas gastava rios de dinheiro para sustentar o pinguço de meu padrasto, um chupim ordinário. Basta dizer que o infeliz do marido de Vanda não contribuiu com um centavo sequer para pagar as prestações do apartamento em que ele vive. Ele costumava trabalhar como corretor de imóveis, mas passava muito mais tempo é no bar mesmo, se embebedando. Em toda minha convivência com ele, só o vi trabalhar uma vez, por cerca de 5 minutos, tempo em que atendeu um possível cliente, mas não fecharam negócio. Ademais, meu padrasto Lourenço sequer tem o CRECI – registro que Eric Campos Bastos Guedes 142 O Povo Cego e as Farsas do Poder

permitiria a ele trabalhar como corretor de imóveis. Quem tem o CRECI é a esposa dele, que muito dificilmente vende alguma coisa. Por tudo isso, é muito difícil imaginar que Lourenço tenha pago metade do valor do apartamento que ocupa. Mais: ouvi rumores de que Vanda havia presenteado Lourenço com o imóvel. Então, talvez ele seja o único dono do apartamento, sem que tenha pago nada. Isso não me incomodaria se eu não fosse herdeiro direto de Vanda. A maldita não vai me deixar nada quando morrer. Ela está em paz, entretanto, pois sua consciência é plenamente satisfeita nas orações, missas e reuniões religiosas. Basta a ela contar com o favor dos padres e das beatas, pois tendo isso, tudo o mais pode ser feito sem medo – incluindo-se aí conivência com o assassinato da mãe, furtos diversos, mentiras, maledicência e o abandono do filho em clínica psiquiátrica. Não me sentindo em condições de pedir nada ao verme, preferi parar de fazer academia. *** Sobre a difamação No Dicionário essencial da língua portuguesa, de Luiz Antônio Sacconi, há a seguinte definição: difamação s.f.(a) Tentativa leviana e maldosa de destruir o bom nome ou o prestígio de alguém, alardeando a grande número de pessoas fato ofensivo à reputação. Segundo a definição supra, uma difamação não é necessariamente uma mentira descarada. Ela pode conter muitos elementos verdadeiros. Apesar disso, considerada como um todo terá, essencialmente, um caráter mentiroso. Ao depararmos com uma acusação grave, devemos nos fazer uma pergunta muito simples: “o que eu ganho com isso?” Se o único efeito de uma difamação é nos indignar e nos fazer odiar o acusado, descarte-a como inútil, pois seu efeito será o de disseminar o ódio e o rancor. A verdade ou falsidade de uma difamação deveria, via de regra, ficar muito bem estabelecida antes de darmos qualquer crédito a ela. Se não verificamos nós mesmos a veracidade de uma acusação grave, ou se a aceitamos sem refletir o suficiente sobre sua veracidade, corremos o risco de estarmos a divulgar uma mentira e cometermos injustiça com o alvo de difamação. O que ocorre é que uma grande parcela das pessoas fia-se na boa reputação de um conhecido para concluir que a ofensa a outrem proferida por esse conhecido é verdadeira. Esse é um erro muito comum, conforme nos sugere a grande rapidez e alcance de boatos e fofocas. É com base nesse erro que se fundamenta o uso da difamação com a finalidade de eliminar opositores político-religiosos. Não vejo outra explicação para o povo ter preferido poupar Barrabás e desprezar Jesus Cristo. O grande mestre também foi vítima de difamação. A perda de seu bom nome o levou a morte. Transpondo o ocorrido a Cristo para nossa realidade hoje, percebe-se que o uso da difamação tem a principal finalidade de fazer com que o povo não dê ouvidos aos argumentos dos verdadeiros líderes, aqueles que trariam a paz e o amor ao mundo. Se não nos contentarmos com o exemplo de Cristo Jesus, podemos considerar o exemplo historicamente bem estabelecido de Hipátia de Alexandria. Ela foi a primeira grande cientista mulher de que se tem notícia. Em muitos pontos a vida e a morte de Hipátia se assemelham às de Cristo. Jesus era um homem perfeito; Hipátia foi criada por seu pai para que fosse perfeita; Jesus se distinguiu por ter sido um grande instrutor, alguém que ensinava às pessoas; Hipátia idem; Cristo se opôs às lideranças Eric Campos Bastos Guedes 143 O Povo Cego e as Farsas do Poder

político-religiosas de seu tempo; também Hipatia o fez; Cristo tinha grande conhecimento teológico; Hipátia não ficava atrás; Supostamente, Cristo fora caluniado por seus inimigos; também Hipatia; Cristo morreu de forma cruel, numa cruz; Hipátia morreu de modo ainda pior, esquartejada; Cristo buscava fazer o bem; igualmente Hipátia; Cristo se absteve de relações sexuais; Hipátia procedeu do mesmo modo. Fica assim bem determinado o modus operandi eficaz para eliminar grandes líderes cristãos: difamar o líder para que ele seja morto pelas mesmas pessoas que ele defende. Em suma: se não podemos nos certificar com um alto grau de certeza de que uma difamação é verdadeira, não podemos também usar o critério da veracidade para considerar seriamente tal difamação. Se fizermos isso, estaremos cometendo o mesmo erro que levou Cristo e Hipátia à morte. E se você ama a Cristo, tem aí um bom argumento para não divulgar tais insultos. O mesmo digo aos que amam Hipátia. Em se tratando de difamações, não precisamos nos perguntar “isso é bom?”, pois toda difamação é sempre má. O filósofo grego Sócrates apregoava que, antes de assimilarmos uma informação, deve-se separar o que vale a pena saber do que é puro lixo. Sócrates sugeriu que valeria a pena assimilar uma informação se ela passasse em pelo menos uma das três peneiras: (1) a peneira da verdade (pergunte-se: “A afirmação é, com certeza, verídica?”) (2) a peneira da bondade (pergunte-se: “É uma boa afirmação?) (3) a peneira da utilidade (pergunte-se: “É útil essa afirmação?) Nenhuma afirmação que não passe em pelo menos uma dessas peneiras deveria ser levada a sério. Nenhuma difamação passa no critério (2), pois difamações são sempre más; o critério (1) pode ser utilizado mas, em geral, é difícil ter certeza de que uma difamação é, de fato, uma verdade. Resta-nos o crivo (3): a difamação é útil? Resolverá algum problema meu? O que tenho observado é que o único problema que uma difamação resolve, momentânea e enganosamente, é o de nos vangloriarmos achando que somos gente muito boa, pois afinal, ao presumirmos que é verdadeiro o insulto a outrem, isso nos faz pensar que “existem pessoas horríveis no mundo” e que nós, graças a Deus, não estamos entre elas!... ao mesmo tempo, não nos julgamos propaladores de mentiras, porque apenas “ouvimos falar”, isto é, não inventamos nada. E se há algum mentiroso, foi aquele que nos transmitiu o falso, não nós, claro! Afinal, nunca foi nossa intenção denegrir a imagem do outro, mas de tal indignação fomos tomados que repassamos a mentira e ajudamos a destruir o bom nome de outrem. Esse erro, bem o demonstrei, a civilização o comete repetidamente a milênios. Errar é até humano, mas persistir no erro é diabólico. *** Acusação: arrogância versus utilidade O valor de uma acusação está no bem que poderá advir se ela for confirmada mediante investigação e apuração dos indícios. Normalmente esse bem consiste em evitar dano causado pelo objeto da acusação. Assim, quando eu exijo que o governo e a ABIN sejam investigados por tentativa de homicídio contra minha pessoa, estou fazendo uma acusação muitíssimo útil, pois sua apuração dificultará a execução de outras pessoas nesse sistema de coisas. Ademais, divulgar ao público o que realmente o governo brasileiro tem feito, capacitará a população mundial a entender que todos os países do mundo tem um governo iníquo e desprezível, pois é esta a consequência da divisão entre Eric Campos Bastos Guedes 144 O Povo Cego e as Farsas do Poder

governantes e governados. Os governantes arrogam para si o direito sobre a vida e a morte de qualquer governado, pois podem agir sem serem punidos, amparados pelo segredo de justiça, pela dissimulação, pela fraude midiática e por “blindagens” de acusados. Por outro lado, que utilidade poderia ter uma acusação contra mim? Poder-se-ia argumentar que, supondo ser eu um criminoso, deveria ser confinado para não causar mais dano às pessoas. Ora, se eu fosse realmente um criminoso, seria preso por isso, fosse na cadeia ou no manicômio, porque não tenho “costas-quentes”, não tenho nenhum parente achegado que seja influente a ponto de impedir minha prisão ou julgamento pela justiça dos homens. Ademais, se eu fosse o monstro psicopata enfurecido que a difamação que sofri tenta demonstrar, já teria cometido crimes bastante graves nos últimos 10 anos de minha vida, e teria sido preso e condenado (afinal, não tenho costas-quentes!), o que não ocorreu. Logo, eu não devo ser tão mau assim. Concluo que não há utilidade na acusação que me dirigiram, e portanto fica demonstrada a arrogância de meus acusadores ao denegrirem meu bom nome sem que disso resultasse qualquer bem à comunidade; exceto o “bem” de se sentirem satisfeitos ao não mais invejarem minha inteligência e talento por terem eles destruído minha vida. Eu entendo bem o que é isso, mas compreendo também que o melhor modo de superar a vilania de meus detratores é buscar o sucesso ao ter uma vida guiada pelo conhecimento e motivada pelo amor. *** Tentativa de superação Naquele mesmo ano de 2009, voltei a me inscrever no concurso vestibular da UFF para estudar matemática lá. As drogas psiquiátricas que me obrigaram a usar em Saint Roman haviam abalado muito minha saúde. Principalmente as injeções intramusculares de Zuclopentixol. Após sair de Saint Roman, passei a ter tiques nervosos que me faziam parecer um legítimo doente mental. Não conseguia permanecer quieto quando me sentava, começava a mover as pernas em movimentos rítmicos e involuntários. Quando passei a controlar melhor os movimentos indesejáveis de minhas pernas, percebi que o descontrole de movimentos passara para braços e mãos. E ao readquirir parcialmente o controle de meus braços e mãos, percebi que eu passara amiúde a morder meus lábios de modo involuntário. Minha esperança era que tais sintomas se abrandassem com o passar dos meses, desde que eu buscasse a melhoria de minha saúde. Também por isso havia me dedicado à prática da musculação e da caminhada em esteira eletrônica. Após ser vilipendiado nas academias que frequentei, eu simplesmente passei a aguardar os dias das provas do vestibular. Era chato. *** Retorno aos braços das prostitutas Minha esposa Márcia Regina me recusava na cama e tendo o irmão dela vindo passar alguns dias conosco, pedimos a ele que dividisse nossa casa na rua Domingues de Sá n.422 em duas partes, separadas por muros. Nos meses que se seguiram, adorei morar só. Não havia sentido em conviver na mesma casa com Márcia se ela me negava fogo. Nesse caso, nossa coabitação seria simplesmente um fator de estresse; brigaríamos e nos maltrataríamos inutilmente. Eric Campos Bastos Guedes 145 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Morar só praticamente fez desaparecer minhas brigas com Márcia, mas não resolveu meu problema com o sexo. Marcinha ainda estava grávida quando resolvi recorrer aos serviços de uma profissional do sexo. Eu não poderia pedir que uma garota de programa viesse em minha casa, pois Márcia certamente saberia de minha infidelidade. Então voltei a rua Marechal Deodoro n.160, mas não havia mais um prostíbulo lá. Atravessei a rua até o número 177, onde antigamente havia outro prostíbulo. De fato havia uma casa de massagens ali, mas fui informado de que ela só funcionava à noite. Eu não queria esperar e, então, me disseram que havia um prédio na Avenida Amaral Peixoto, ao lado da agência da Caixa Econômica Federal, em que cada apartamento havia algumas garotas de programa. O preço era de R$15,00 por 15 minutos de sexo ou de R$30,00 por meia hora. Fui até lá. Eu estava um pouco nervoso, talvez por estar prestes a ser infiel pela primeira vez, ou por ter sido sequelado por drogas psiquiátricas. Mas fui adiante. Escolhi uma linda mulher de pele parda e corpo miúdo. Foi ótimo. É claro que usei camisinha. Depois desse retorno às minhas práticas de putanheiro, decidi que era o que eu queria. Uma semana depois, retornei ao prédio das meninas. Fui até o apartamento onde eu conhecera a mulher miúda, mas ela não estava. Perguntei por ela para uma outra garota, mas me respondeu que sequer conhecia a menina que eu procurava. E disse isso tomada de alguma indignação, como se minha busca por uma meretriz em particular soasse como uma afronta. Talvez ela pensasse: “Ora, porque ele não fica com qualquer uma de nós?” Não era essa minha intenção, entretanto. Não gostava de ideia de transar uma garota diferente a cada vez. Essa prática sempre me pareceu favorecer imensamente o contágio por doenças venéreas. Ademais, é muito mais prazeroso transar sempre com a mesma menina, porque isso cria laços afetivos e emocionais que multiplicam o prazer do sexo. É uma grande bobagem querer ficar cada vez com uma mulher diferente. Muito melhor é encontrar uma bela puta que te respeite enquanto cliente e pela qual tu sintas muito T. Com o tempo haverá um carinho e uma confiança entre vocês que tornará a relação muito mais prazerosa. Apesar de ser avesso a ideia de ficar com uma mulher diferente a cada vez que transasse, foi exatamente o que fiz. Sempre que ia no tal prédio da Amaral Peixoto, não era capaz de encontrar nenhuma das garotas com quem eu havia ficado antes. Ou elas trabalhavam em horários aleatórios, ou estavam num apartamento diverso do que aquele em que havíamos nos conhecido. E eram muitos apartamentos, mais de vinte. *** Contaminação por HIV: o viés conspiratório Eu procurava me proteger e sempre usava camisinha lá. Mesmo assim, eu sabia que o uso do preservativo não tornava o sexo absolutamente seguro. De fato, todo preservativo é passível de ter micro-rachaduras pelos quais o vírus da AIDS pode passar. Além disso, a retirada do preservativo do pênis após o gozo é uma etapa muito pouco esclarecida. O que se diz é que a camisinha deve ser retirada com o membro ainda entumescido, enrolando-a pelo pênis em direção à glande (cabeça do pênis). Mas quem fizer isso, rapidamente chegará a conclusão de que há um risco considerável de as secreções vaginais ou anais da mulher entrarem em contato com a fina membrana que cobre a glande. Pode-se concluir, portanto, que mesmo com o uso do preservativo alguma secreção da mulher acabará chegando ao pênis do homem. Existe uma evidência ainda mais forte de que simplesmente utilizar o preservativo numa relação sexual – ou em todas elas – não garante proteção total contra a contaminação por DST, particularmente a AIDS. Eric Campos Bastos Guedes 146 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Essa evidência é a seguinte: a camisinha masculina que usualmente é encontrada à venda em farmácias costuma – ainda que isso seja raro – se romper, e deixar toda a glande em contato com as secreções da parceira. O rompimento da camisinha pode vir a ocorrer mesmo que ela tenha sido colocada corretamente no pênis, logo não há como atribuir o fato de a camisinha rasgar-se exclusivamente ao sua colocação errada. Dizer que o eventual rompimento da camisinha se deve sempre a ela ter sido mal colocada é culpabilizar o usuário para tentar proteger os verdadeiros responsáveis pela verdadeira epidemia de AIDS que assola o mundo. Se nem a população organizada, nem nossos líderes políticos tomarem providências realmente eficazes para diminuir drasticamente a taxa de novos casos de contaminação por HIV até 2040, seremos uma espécie doente e mui sofredora, cheia de remorso por preferir não acreditar na conspiração mundial que quer a morte da maior parte dos seres humanos. *** Transando putas com mais segurança Certa vez fui de manhã ao prédio da Amaral Peixoto em busca de uma boa trepada. Tive sorte duplamente. Em primeiro lugar encontrei uma garota de programa lá muito gostosa e sensual. Ela era perfeita. Bonita, gostosa, sensual, liberal e seu modo de vestir-se era altamente sexy. Era alta, tinha cabelos longos e pretos, pele parda e usava botas pretas de cano longo e uma calcinha cavada e preta como as botas. Seus seios eram fartos e sua voz denotava um carinho sensual que dirigia a todos, indistintamente. Não bastasse tudo isso, eu ainda gostei dela como pessoa; e quando ela percebeu isso ficou toda envergonhada. Transamos. Ela propôs que fizéssemos anal, e me cobraria R$10,00 por isso. Topei, porque tinha dinheiro e ela era muito boa. Perguntei se ela tinha um número telefônico para que eu pudesse contata-la a fim de nos encontrarmos novamente. Ela disse que não tinha um número, mas passou para mim o telefone celular de uma amiga. A transa foi muito boa, mas assim que deixei o prédio das meninas, minha consciência começou a pesar. “E se eu pegar AIDS? E se eu me infectar sem saber e passar AIDS para Marcinha? E se eu já tiver AIDS e já tiver contaminado minha esposa? E meu filho que ela carrega no ventre? Ele pode nascer doente, meu Deus!” Esses raciocínios me torturavam. No entanto, privar-me de sexo naquele momento de minha vida era algo que eu dificilmente conseguiria. Então, orei a Deus pedindo que eu não estivesse contaminado com nenhuma doença venérea e prometi a mim mesmo que dali por diante só faria sexo com absoluta segurança, uma segurança ainda muito superior a da proporcionada pela camisinha. *** As nove regras do sexo super seguro: 3S Iniciei uma pequena pesquisa para determinar como, exatamente, se dava a contaminação por DST, particularmente AIDS. Todas as informações sobre o contágio por HIV de que eu me lembrava diziam que, para haver contaminação, a secreção proveniente de alguém infectado deveria chegar até a corrente sanguínea de seu parceiro sexual. Então, deduzi corretamente que para zerar completamente o risco de contágio por HIV, bastava impedir totalmente que os fluídos corporais de minha amante-prostituta chegassem até meu corpo. Para impedir completamente que qualquer secreção de uma garota de programa que eu transasse chegasse até meu corpo, estabeleci nove regras de Eric Campos Bastos Guedes 147 O Povo Cego e as Farsas do Poder

segurança sexual no contato com prostitutas: (1) O sexo deve ocorrer sem qualquer tipo de penetração, quer seja ela pênis-vagina, pênis-ânus, pênis-boca, dedo-vagina, dedo-ânus ou dedo-boca; (2) Nem minha boca deve tocar o corpo da prostituta, nem a dela deve tocar o meu – o mesmo com respeito à língua, evidentemente; (3) Não devo tocar em nenhuma parte da profissional do sexo que sabidamente contenha secreções – boca, língua, ânus e vagina, também não devo ter contato com a saliva, a urina ou as fezes da amante; (4) Se a relação for se dar num prostíbulo ou num motel, leve uma colcha para forrar a cama – não se deite diretamente sobre a roupa de cama do lugar. (5) Antes da relação, devo pedir para a profissional tirar toda a roupa e, estando ela nua, devo examinar seu corpo sem tocá-lo, procurando por feridas e sinais indicativos de doenças venéreas. Caso haja algum sinal inequívoco de doença, a relação deve ser abandonada. Se houver sinais dúbios, com possibilidade de se tratar de outra coisa, o sexo deve ser feito, mas da próxima vez, procure outra mulher; (6) A prostituta deve tomar um banho completo com sabonete bactericida (tipo Protex) antes de ter sexo comigo – eu devo tomar um banho completo com outro sabonete bactericida imediatamente após o sexo e os sabonetes devem ser descartados no lixo após seu uso; eu devo ter providenciado antecipadamente duas toalhas de banho, uma para mim e outra para a menina. Depois da transa essas toalhas devem ser esterilizadas com água fervente e deixadas de molho em água misturada com um pouco de água sanitária; (7) Não devo encostar meus genitais diretamente no corpo de minha amante profissional, pois se ela tiver alguma ferida que tenha passado despercebida no exame ou se ela não tiver se lavado direito, poderá haver contágio; (8) Excetuando-se o caso em que o corpo da mulher tem alguma ferida de significado dúbio e também o caso em que minhas mãos tenham qualquer tipo de ferida, no início da transa, devo excitar-me tocando com as mãos nuas o corpo da amante-profissional. Durante e após esse contato não devo tocar com as mãos em nenhuma parte de meu corpo, nem fechar as mãos ou me coçar com elas, mas sim, imediatamente após o contato, esterilizar minhas mãos com gel anti-séptico do mesmo tipo daquele utilizado durante o reboliço da gripe suína; (9) Após eu ter acariciado o corpo dela, a profissional deve vestir luvas cirúrgicas pré-adquiridas por mim em farmácias em tamanhos variados e masturbar-me após ela ter besuntado meu pênis com gel lubrificante tipo KY. E se o gel tornar-se menos úmido, perdendo sua qualidade lubrificante, devo pedir a moça que aplique um pouco de água mineral sem gás e a temperatura ambiente que devo eu mesmo ter providenciado com antecedência – pode-se usar uma garrafinha de água mineral com a tampa fechada e com um furo feito com faca ou garfo aquecidos no fogo na tampa plástica. A princípio, concebi somente as três primeiras regras como suficientes para impedir totalmente minha contaminação por DST. Inclusive, marquei consulta com um infectologista que me garantiu que bastaria obedecer as três primeiras regras da lista supra para que não houvesse nenhuma chance de contaminação. Entretanto, após uma pesquisa no site Yahoo!Respostas e também nas comunidades do Orkut, chegaram ao meu conhecimento dados que indicavam a insuficiência das três regras como meio eficaz de evitar contágio por DST. Com base nisso, acrescentei as seis regras seguintes. A Eric Campos Bastos Guedes 148 O Povo Cego e as Farsas do Poder

pesquisa sobre a eficácia das nove regras para eliminar o risco de contágio por AIDS e DST ainda está em curso. O que sei até agora é que é perfeitamente possível ao homem ter prazer com uma prostituta obedecendo às três primeiras regras, ainda que, teoricamente, haja algum risco de contaminação por DST/AIDS. Sei disso porque eu já me relacionei com duas profissionais de obedecendo estritamente as primeiras três regras. De acordo com minha experiência, o êxito da relação dependerá fortemente da firmeza do adepto do 3S (ou SSS ou Sexo Super Seguro, ou ainda Super Safe Sex, como batizei essa minha técnica de segurança sexual); além disso, o êxito da relação também dependerá fortemente da atitude da amante-profissional diante da nova forma de praticar o sexo com segurança. Se a mulher tiver má vontade, fará o serviço tão mal que a mão dela parecerá pesada como a de um pugilista. Nesse caso, o gozo poderá não ocorrer, ou ocorrer num tempo muito maior que o desejável. Nada há o que fazer nessa situação, não há como convencer a profissional de que ela está fazendo a coisa errada, pois afinal, ela se julga tão experiente e conhecedora do sexo que não concebe estar falhando em algo tão básico como a masturbação. Minha experiência me diz que há também as boas profissionais, que serão fontes seguras de prazer intenso para seus clientes praticantes de 3S. *** O nascimento de meu filho Sólon A gestação de Márcia Regina transcorreu sem problemas. Sólon Ribeiro Junger Campos Guedes nasceu no dia 19 de junho do ano de 2009, entre 1 hora e 2 horas da tarde. O parto foi numa pequena maternidade em São Gonçalo, uma cesariana. Pedimos a uma enfermeira para que ela filmasse a cesariana, e foi o que fez. Meu filho nasceu perfeito, cheio de saúde. Após ficar um dia em observação junto com os demais bebês recém-nascidos, nos foi dada a missão de cuidarmos dele nós mesmos, eu e Márcia. Sólon passou a ocupar nosso quarto no hospital, onde dormia em seu bercinho apropriado para recém-nascidos. Mamava em Márcia e era bem cuidado. *** Presença de Vanda no nascimento de Sólon Vanda também esteve na maternidade para nos ajudar com nosso recém-nascido Sólon. Pudera: ela se considerava uma intercessora, isto é, alguém que deveria gozar de credibilidade e influência para, no momento certo, canalizar o sentimento de seus aliados na direção indicada por sua moral perversa. E para gozar de credibilidade e influência, aproveitava ao máximo qualquer boa oportunidade de fazer com que todos se tornassem seus grandes devedores de eterna gratidão. Por isso a infeliz estava lá. Entretanto, quem tem um conhecimento insuficiente sobre as técnicas sofisticadas dos demônios e sobre a camuflagem que utilizam para preservar seu hospedeiro, seria facilmente enganado pelo demônio. A esmagadora maioria da população não sabe reconhecer nem mesmo demônios toscos e com poucos artifícios. Deus Jeová será sempre superior a todos eles, mas a inteligência e o poder dos demônios está sendo tão subestimado pela populaça que, por desconhecer a natureza e o modus operandi demoníaco, não entende a gravidade da situação e se torna presa fácil para os muitos demônios que habitam entre nós.

Eric Campos Bastos Guedes

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*** A descoberta de minha infidelidade Um dia, em agosto de 2009, uma conhecida de minha esposa me viu entrar no prostíbulo e avisou Márcia. Por sorte, naquele dia eu não tinha dinheiro suficiente para uma transa, e constatando isso fui logo embora, inclusive à pé, do centro de Niterói até Icaraí. Mas Márcia não sabia disso e foi até o local com sua irmã Suenne me trazer de volta, enfurecida. Fez um escarcéu lá, chamou o dono e, me descrevendo, perguntou se eu estava nas dependências da casa. Eu já havia saído há quase meia hora e Márcia, percebendo que não estava lá, voltou para casa de ônibus ou táxi. Quando eu já estava a menos de 50 metros de casa, vindo a pé do centro, encontrei Márcia e Suenne. Minha esposa estava furiosa e me deu uma tremenda bronca. Eu disse que não a havia traído, o que se poderia passar como verdade, pois pelo menos não naquele dia eu não havia ficado com ninguém. Mas, como péssimo mentiroso que sou, acabei contando tudo para minha esposa. Disse a ela que tinha ficado com outras garotas por nós estarmos fazendo sexo com uma frequência muito abaixo do que eu considerava razoável; disse que não havia possibilidade de me contaminar, pois não rolava penetração com as garotas de programa, nem boquete, nem beijo na boca. Márcia não aceitou nenhum de meus argumentos e depois desse dia comecei a considerar seriamente a possibilidade de parar de me encontrar com prostitutas. A ideia de perder minha esposa me deixava muito preocupado, pois ela era minha aliada mais fiel. Se eu não pudesse contar com seu amparo, seria uma presa fácil para meus inimigos. *** Traição: pesquisando o 3S Em setembro de 2009, Márcia começou a viajar com muita frequência para Santa Maria de Campos. Ela sempre levava nosso filho Sólon consigo e isso me preocupava um pouco. Eu não achava que isso fossem suficientemente seguro, pois nosso filho tinha só três meses e cada viagem que Marcinha fazia com Sólon de Niterói a Santa Maria de Campos demorava entre cinco e seis horas. Devia ser muito cansativo para nosso filho, além do que a grande frequência das viagens – cerca de uma a cada dez dias – fazia a probabilidade de não haver nenhum acidente diminuir geometricamente. No final de setembro ou no início de outubro de 2009, viajei com Márcia e nosso filho Sólon para Santa Maria. Antes de partir eu estava tentando descobrir quando e onde ocorreria a XXXII Olimpíada Iberoamericana de Matemática Universitária e como eu deveria proceder para participar dela. Deixei para fazer isso depois de voltar de viagem e fui curtir minha estadia na casa de minha sogra. Márcia quis ficar mais tempo com seus familiares lá e sugeriu que eu voltasse para Niterói antes dela. Foi o que fiz. Ora, eu estava já há duas ou três semanas sem manter relações sexuais e, no ônibus, durante a viagem de volta para Niterói, decidi que transaria uma meretriz o quanto antes. No dia seguinte, já em Niterói, peguei meu dinheiro e fui ao centro da cidade. Havia ali um bordel, o mesmo em que Marcinha tinha ido me buscar e não me encontrou. Dessa vez eu tinha dinheiro suficiente para ficar vinte minutos com uma garota. Entrei no salão e procurei uma garota que eu achasse bacana. Uma delas meteu a mão em meu órgão e segurando-o, me chamou para irmos transar. Percebi que talvez eu não pudesse realizar meu intento com ela de modo satisfatório. Eu queria me ater as três primeiras regras do 3S, mas o furor daquela mulher poderia por tudo a perder se ela quisesse realmente ter prazer comigo na Eric Campos Bastos Guedes 150 O Povo Cego e as Farsas do Poder

cama. O 3S havia sido concebido para dar prazer ao homem, especificamente, ao putanheiro, e não à mulher – afinal, do ponto de vista da mulher, deveria ser uma relação meramente profissional em que ela buscasse tão somente o ganho monetário. Disse a ela que eu queria conhecer um pouco mais a casa e que transaria depois. Então encontrei uma garota de quem me simpatizei e a convidei para irmos para a cama. Na recepção paguei R$40,00 por vinte minutos no quarto com ela e fomos transar. Ela era bonita e fez muito bem o que eu lhe pedi. Eu acariciei seu corpo nu, mas não rolou penetração, beijo na boca, nem sexo oral. Entretanto, se dependesse dela, teria rolado penetração e sexo oral, pelo menos. Sei disso porque ela quis me instigar a ir mais longe, dizendo “Acho que você está um pouco nervoso e indeciso”, mas respondi: “Estou um pouco nervoso porque não gosto de trair minha esposa e porque você é muito gostosa. Mas não sou indeciso, ao contrário, sei muito bem o que quero e o que não quero. E eu não quero perder minha saúde nem fazer minha esposa perder a dela. E se eu fosse indeciso teria me deixado levar pelo papo da primeira garota que quis ficar comigo no salão, e não estaria com você aqui e agora. Tendo-a acariciado e já com o membro entumescido, pedi a ela que me masturbasse. Foi um dos melhores gozos que tive em toda minha vida. Um ou dois minutos depois, bateram na porta avisando que meu tempo havia acabado. Foi bom ter controlado bem meu tempo pelo meu relógio. Ela foi embora, mas antes me disse que eu poderia encontrá-la no salão depois. Fiquei sabendo que ela atendia naquele lugar às quintas, sextas e sábados, sempre à noite. “Voltarei aqui com certeza, para ficar com ela de novo”, foi o que pensei. *** Mãos de homem: o ataque da mídia A prostituta que havia me atendido tinha uma particularidade: suas mãos assemelhavam-se a mãos masculinas. Isso não me incomodou e não era um entrave a uma nossa relação mais íntima que pudesse vir a ocorrer. O que certamente me preocupou foi a mídia ter ventilado, poucos dias depois, o caso de um homem que teve o pênis quebrado. Não procurei saber mais detalhes, mas fiquei apreensivo. Um agente da ABIN poderia convencer a puta com mãos de homem a me aleijar, coisa perfeitamente factível para alguém que estivesse manipulando meu órgão duro enquanto eu estivesse sem defesas. Fui até uma clínica cardiológica num prédio em Icaraí, próximo ao Campo de São Bento, pegar os resultados de uns exames que lá fizera. Eram exames caros e sofisticados que só pude realizar por ter um plano de saúde. O motivo para ter feito tais exames cardiológicos eram os ocasionais acessos que passara a ter após minha primeira internação no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba, quando me deram uma injeção de flufenazina. Imagino que essa injeção tenha sido a grande responsável pela perda de minha saúde. Depois dela, passei a, vez por outra, perder o controle de minha respiração, que ficava profunda e forçada à noite ou de madrugada, quando eu já estava na cama. Esse descompasso respiratório, era acompanhado por uma exacerbação cardíaca, a qual me fazia parecer que meu coração estava a bater com mais força. Até então eu nunca havia tido tal sintoma, mas após minha estada no HPJ isso veio a acontecer algumas vezes. Também, nos primeiros meses após minha saída de Jurujuba, minha pressão arterial ficou um tanto descontrolada e passei a ter dores de cabeça com uma frequência muito maior do que antes de minha internação no HPJ. Numa noite medi minha pressão no Centrocardio e ela estava alta; no dia seguinte voltei a medi-la pela manhã, numa consulta a um clínico geral e ela passara a ficar baixa. Em outra ocasião, voltei ao Eric Campos Bastos Guedes 151 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Centrocardio e o médico que estava lá a me atender me fez uma série de perguntas: se eu bebia, se eu fumava, se fazia uso de tóxicos, se me exercitava, se tomava medicações controladas etc. Após ter eu lhe respondido, ele disse que muito dificilmente haveria uma alteração em minha pressão arterial, mas quando ele a mediu, ela estava baixa. Antes de ser seviciado no HPJ, minha pressão arterial auferida jamais havia estado fora do nível de perfeita normalidade. Ela nunca fora mais alta ou mais baixa do que devia. Por tudo isso, eu fora a uma cardiologista que pedira exames detalhados. Tendo eu os realizado, estava na clínica para pegar os resultados. Isso foi menos de uma semana após meu encontro com a puta de mãos de homem. Na sala de espera da clínica havia uma TV sintonizada na Globo. Estava passando o programa chamado TV Globinho e exibiam um episódio do desenho animado Três Espiãs Demais. Nesse episódio específico havia uma vilã chamada Mãos de Homem, que tinha mãos masculinas incomumente grandes... coincidência? Eu acho que não, pois a frequência de tais “coincidências” já estava por demais alta. Não só por parte da Rede Globo, como também algumas outras emissoras faziam esse tipo de coisa, inclusive o SBT e a Rede Record. Esse altarzinho luminoso onipresente nos lares da população mundial é o veículo que Lúcifer tem para instruir seu exército de demônios. Não por acaso Lúcifer é o anjo de luz, um demônio que seduziu a maior parte da populaça convencendo-a de que seu altarzinho de luz era tão somente um meio de comunicação prático. Considerando os ataques midiáticos, julguei que não fosse suficientemente seguro continuar a ter relações com prostitutas. Desde então não mais procurei os serviços de nenhuma profissional do sexo. *** Seguindo um inimigo Eu estava a passear por Icaraí quando avistei o Drº Rui Cutrim, um psiquiatra que tinha um cargo de chefia no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba na época em que eu fora torturado lá. Rui Cutrim contribuiu com minha tortura. Certa vez, após eu ter sido vítima de tentativas de homicídio no HPJ, Rui me disse com um sorriso perverso: “Depois que você tiver alta, vou te chamar para fazer um lanche no Rei do Mate.” Ora, o Rei do Mate é uma espécie de lanchonete que há em Niterói, mas é claro que sua afirmação não deveria ser entendida no sentido literal. A palavra “Mate” na expressão “Rei do Mate” é justamente o verbo “matar” conjugado no imperativo. A ideia da morte estava implícita, e o fato de Rui Cutrim a ter evocado me fez pensar que talvez ele já soubesse que estavam tentando me matar. Na época achei que estava liquidado, pois até alguém da chefia do HPJ se mostrava conivente com as tentativas de homicídio que praticaram contra mim. Rui Cutrim estava de mãos dadas com uma menina que não tinha mais que 9 anos de idade. Presumivelmente, tratava-se de sua filha. Ele não me viu e passei a segui-lo para descobrir onde iria. Eu queimava de ódio por dentro e queria vingança por ter ele permitido que me ministrassem flufenazina injetável, o que me deixou com sequelas bastante desagradáveis, entre elas a própria ira que me acometia ao vê-lo. Se naquela ocasião eu o tivesse agredido fisicamente, ele teria sido um dos artífices de seu próprio dano. Entraram ele e a filha num prédio da Rua Paulo César, em frente de uma pracinha do bairro de Santa Rosa, acho que no número 77. Sem mais nada que pudesse fazer, voltei para casa. ***

Eric Campos Bastos Guedes

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O Povo Cego e as Farsas do Poder

O vestibular UFF 2010 A prova da primeira fase do vestibular UFF 2010 foi tranquila. No dia da prova da segunda fase, Marcinha havia viajado com Sólon e eu estava só em casa. Acordei um pouco atrasado e após fazer um desjejum rápido, peguei o material necessário para realizar a prova e fui procurar um táxi. Fui aos três pontos de táxi mais próximos de minha casa na direção do local da prova, que era no Ingá, acho. Não havia nenhum táxi disponível que pudesse me levar lá. Decidi ir à pé para o local da prova. Entretanto, devido ao meu atraso, eu não poderia ir caminhando até lá. Então me pus a caminho do local da prova alternando corrida com caminhada. Não havia garantias de que eu fosse conseguir chegar dentro do horário, porque apesar de saber o número e o nome da rua do local da prova, além de um ponto de referência, não me lembrava exatamente do caminho para chegar lá. Então, a medida que me aproximava, ia me informando com os transeuntes sobre que caminho tomar para chegar ao local da prova. Graças a Deus, tive êxito. Quando cheguei, os portões ainda estavam abertos, mas todos já haviam entrado. Devo ter sido um dos últimos a entrar lá antes da prova. Um funcionário me viu ofegante e eu disse a ele que havia vindo a pé, correndo. Durante a prova algo estranho aconteceu: fui tomado por uma fúria incomum que atrapalhou minha concentração, mas não explodi em raiva. Também as pernas da vestibulanda ao lado adquiriram para mim um fascínio inédito. Com todos os problemas, fiz o melhor que pude dentro de minhas possibilidades. Então voltei para casa. *** Vingando-me de Rui Cutrim Apesar de ainda não ter saído o resultado do vestibular, sabia que muito provavelmente eu tinha sido aprovado no concurso. Em vez de ficar feliz com isso, indignei-me com a situação precária de minha saúde mental. Eu, que outrora havia experimentado o sabor da grandeza de ser mentalmente superior a todos que me rodeavam, agora me lastimava pela degradação mental causada pela tortura química a que fora submetido no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba. A flufenazina injetável, e talvez também o haldol decanoato, são drogas que sabidamente causam uma rápida degradação das funções psíquicas, tais como linguagem, raciocínio lógico, memória e atenção. Mesmo após meses sem usar nenhum psicofármaco, os efeitos da flufenazina injetável persistem, pois uma única dose de flufenazina IM é capaz de deixar sequelas na mente de seu usuário. Se um psiquiatra for questionado quanto a isso, provavelmente negará que haja um tal efeito por parte da flufenazina ou do haldol decanoato. O motivo é que se um psiquiatra admitir que certas drogas psiquiátricas são sequelantes, que tornam seus usuários mentalmente incapazes, isso faria desse psiquiatra um vilão, pois ele provavelmente já receitou tais drogas ou já fora favorável ao uso delas ou foi conivente com algum colega de profissão que receitara tais drogas. Além disso, se um psiquiatra admitisse que a flufenazina IM é danosa a mente, isto o transformaria num inimigo da indústria farmacêutica – e ninguém quer fazer inimizade com um gigante que movimenta cerca de um trilhão de dólares por ano, a menos que seja muito corajoso e que fique indignado com as arbitrariedades da psiquiatria. Um exemplo de uma tal coragem e luta pelos direitos humanos nos é dada pelo psiquiatra Tomaz Szazs, um dos baluartes da antipsiquiatria. Eu havia experimentado por alguns meses uma sagacidade inédita e um altíssimo rendimento intelectual. Essa sagacidade e esse alto rendimento intelectual se tornaram evidentes para mim após meu tratamento contra cisticercose em Araruama e duraram até Eric Campos Bastos Guedes 153 O Povo Cego e as Farsas do Poder

a perda de minha saúde por ter sido drogado no Hospital Psiquiátrico Jurujuba. A perda de minha grande inteligência após a injeção de flufenazina me tornou alguém extremamente frustrado, pois mesmo depois de meses não a recuperei. Após receber alta do HPJ, passei um período depressivo, depois um período comendo descontroladamente, depois uma época fazendo muito mais sexo e depois uma época em que me consumia em explosões de fúria cega. Nunca mais recuperei a inteligência de outrora. Quis que houvesse justiça, então liguei para o 190, o telefone da polícia militar. Eu disse à atendente que fora drogado a força no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba e que isso me deixou sequelas graves. Eu não estava preparado para lidar com uma atendente desonesta, entretanto. Ela, usando de má-fé, e aproveitando o fato de eu estar exaltado – exaltação esta advinda exatamente da sequela – me perguntou: “então você usou drogas no Hospital de Jurujuba?” – eu interpretei o “usou” como um abuso de linguagem que deveria significar, no entender dela “usaram em você”, então respondi “sim!”, donde ela disse “esta ligação está sendo encerrada” e desligou na minha cara. É claro que ela usou de malícia e má-fé, se aproveitando de minha exaltação. Eu a odiei profundamente. Como haveria de existir justiça, se a própria polícia está ao lado dos inescrupulosos? Como conceber atendente telefônica da polícia que age de má-fé? Antes que alguns de meus leitores estranhem eu ter respondido “sim!” à pergunta da policial, e levantem hipóteses erradas por acharem essa minha resposta improvável diante do que aqui expus, quero dizer que o uso de flufenazina IM, ou de haldol decanoato pode, perfeitamente, levar pessoas inteligentes a esquecerem se se diz “aforismo” ou “aforisma” (isso aconteceu comigo); pode fazer pessoas com inteligência normal escrevam “eziste” no lugar de “existe” (isso ocorreu com um outro interno tratado com flufenazina IM e haldol decanoato); logo, exemplificada a desorganização da linguagem decorrente do uso de flufenazina, torna-se plausível que interpretações claramente equivocadas da linguagem acabem ocorrendo vez por outra. E foi uma interpretação equivocada do que perguntara a policial que me fez responder “sim!”. O pior é que uma tal resposta, tendo sido gravada, depunha contra mim e livrava a cara de meus algozes. Eu precisava fazer alguma coisa. Fui até o edifício onde Rui Cutrim entrara e perguntei ao porteiro qual era seu apartamento, pois eu gostaria de falar com ele pelo interfone. O porteiro me informou que Rui morava no apartamento de número 1101. Em seguida, interfonei para ele dizendo: “E então, Rui? Aqui é o Eric Campos, lá do Hospital Psiquiátrico de Jurujuba. Lembra de mim?” Ele disse qualquer coisa que fez parecer que não se lembrava, então, tomado de revolta pela injustiça que me haviam feito, respondi: “Você tem uma filha, não é? Eu também tenho um filho agora e estou aqui para dizer que vou aceitar seu convite para fazer um lanche contigo no Rei do Mate”, então desliguei o interfone e fui embora, furioso. Mais tarde, me arrependi de ter posto meu filho recém-nascido no meio da história e também de ter agido do modo impulsivo e muito pouco racional, mas a bobagem já tinha sido feita. Eu não tinha intenção real de agredi-lo fisicamente nem à sua filha, apesar de, nos momentos de fúria, ideias terríveis passarem pela minha cabeça. Não me dedicava – e não me dedico – a engendrar nenhuma vingança violenta de modo frio e racional. Se sou acometido pelo descontrole da fúria, não fui eu que busquei isso, pois se trata mesmo de um descontrole. Mas engendrar uma ação violenta ou uma vingança ardilosa é, ao contrário, algo pelo que não me desculparia. A inteligência é dádiva de Deus, usá-la a serviço do diabo é mostrar ingratidão para com nosso criador e desrespeitar o ideal norteador de toda pessoa de gênio: contribuir com o progresso da humanidade. *** Eric Campos Bastos Guedes 154 O Povo Cego e as Farsas do Poder

A viagem de Márcia, meu desespero e minha saída de casa Em dezembro de 2009 Márcia quis passar o Natal com sua mãe e irmãos, em Santa Maria de Campos. Eu não queria viajar, entretanto. Achava que essas viagens deviam estar estressando muito nosso filho Sólon e que não era prudente fazer tantas viagens com uma criança de menos de um ano de idade. Combinamos que ela passaria o Natal em Santa Maria, mas voltaria para passar o ano novo comigo. Naquela época os falsos boatos a meu respeito estavam tão disseminados que cheguei a ser moralmente seviciado numa lanchonete ao parar para comer um salgado nela. Foi um episódio absolutamente revoltante e quando cheguei em casa passei a praguejar em voz alta e repetidamente algo como “VAI TOMAR NO CENTRO DO MEIO RAIO DO C*”. Fiquei repetindo isso várias vezes, em voz alta. Não havia, na ocasião, ninguém com quem eu pudesse conversar e que pudesse me entender. Nem mesmo Deus, pois o sentimento de revolta e indignação nos afasta da presença de Dele, ainda que momentaneamente. Em minha experiência quotidiana, ainda não vi alguém exaltadamente revoltado e verdadeiramente indignado orar a Deus e conseguir entrar na presença Dele. O descontrole emocional corta nossa conexão com Deus. Eu não me sentia seguro na rua com tantas pessoas me fustigando. Esse sentimento de insegurança se intensificou com a ausência de Márcia, que fora passar o Natal na casa de sua mãe. “Se me derem um tiro ou uma facada na rua, Marcinha não estará por perto para me socorrer”, raciocinava eu. Preferi evitar a todo custo sair de casa. O problema é que alguns itens alimentares básicos acabaram: o açúcar e a água mineral de garrafão. Também não havia mais feijão e passei alguns dias me alimentando mal. Bebia água retirada da torneira, mas cismava de fervê-la antes; depois a colocava na geladeira para resfriá-la. Tinha um gosto horrível aquela água, não sei bem porque. Talvez a caixa d'água estivesse suja. Márcia voltou para casa após o Natal e antes do ano novo. Ela chegou em casa acompanhada de sua irmã Suenne, de madrugada. A necessidade de adquirir gêneros alimentícios era premente. Então Márcia e eu pegamos o ônibus 49 até o supermercado Sendas, pertinho da praia de Icaraí. Eu não sabia que as Sendas ficavam abertas até aquele horário. Já devia ser, pelo menos, umas duas horas da manhã. Um ou dois casais aproveitavam o lugar para namorar e se beijar despudoradamente. Fiquei imaginando se nesse horário o supermercado seria frequentado por pessoas a procura de uma transa. Compramos o que queríamos e fomos para casa de táxi. Eu me sentia posto de lado por Márcia, entretanto. Passei a ter pequenas crises nervosas em que eu fazia um certo barulho. Apesar de estarmos morando em cômodos separados e de as tais crises não serem tão graves, Márcia ameaçou chamar os bombeiros para me internarem em Jurujuba. Foi a gota d'água. No dia 30 de dezembro de 2009 saí de casa. Arrumei algumas de minhas coisas numa bolsa grande de viagem e numa mochila e parti para o centro de Niterói disposto a ficar em algum hotel por tanto tempo quanto conseguisse. Fiquei no Hotel Ibéria, que tinha declaradamente um ambiente familiar. O senhor que atendia na recepção era bem velhinho. Havia um mural na recepção com muitas figuras da religiosidade católica. Isso me fez ter uma ideia errada do lugar. Eu achava que haverem tantas imagens de Nossa Senhora, de Jesus Cristo e de alguns Santos do catolicismo no lugar, era um indício forte de que aquele hotel era gerido com base no respeito à pessoas. Eu estava enganado. ***

Eric Campos Bastos Guedes

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No Hotel Ibéria 30/12/2009 O velhinho da recepção me perguntou se eu fumava e se eu bebia. Quando disse que nem uma coisa nem outra, ele pareceu ter gostado. Me deu a chave de um quarto com TV e fui arrumar meus pertences lá. Depois, voltei a minha casa para pegar mais coisas minhas e aproveitei para cortar eu mesmo meu cabelo com uma máquina. Então, retornei ao hotel. Fui comer algo na rua. Sabia que provavelmente a ABIN havia mandado algum agente me seguir. E foi sem grande surpresa que deparei com Etevaldo Justino no barzinho onde decidi fazer um lanche. Etevaldo havia estado no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba na mesma época em que eu estive lá, como vocês devem lembrar. Ele pareceu não ter me visto e eu também não lhe dirigi a palavra. Ainda bem, pois provavelmente Etevaldo estava trabalhando para a ABIN, ou fazendo algum tipo de serviço de espionagem relativamente a minha pessoa. O fato dele estar naquele barzinho não era coincidência, mas sim uma armadilha. Se eu lhe tivesse dirigido a palavra, teria caído na armação. Voltei ao hotel, tomei um banho e em seguida fui para meu quarto onde fiquei assistindo TV até a noite. Então, tive sono e fui dormir. E assim transcorreu meu primeiro dia no Hotel Ibéria. 31/12/2009 Eu tinha receio de ser morto por algum criminoso que agisse conforme a ABIN queria, como que um fantoche obedecendo seu dono. Por isso, no segundo dia escrevi um bilhete numa folha de papel explicando o porque de meu (possível) assassinato, indicando quem estaria por trás de minha morte, falando um pouco de minha história e de quem eu sou. Dobrei o bilhete e escrevi por fora: “a minha verdade saúda a sua verdade”. Então, deixei-o sobre o criado-mudo. Em seguida, saí de meu quarto, tranquei a porta com a chave do hotel, deixei a chave na recepção e fui fazer um lanche na rua. Ao retornar ao Hotel Ibéria tive uma surpresa: haviam entrado em meu quarto e mexido no bilhete que eu deixara sobre a mesinha-de-cabeceira. Botaram o bilhete de volta no lugar de cabeça para baixo. Não pareciam ter mexido em nada mais, felizmente. Procurei compreender os motivos para terem entrado em meu quarto sem minha permissão. Pensei que talvez eles quisessem se certificar de que eu não era algum tipo de criminoso, marginal ou degenerado sexual. Me felicitei por não ser nada disso e acreditei erroneamente que tal fato não se repetiria. Não dava para acreditar que era gente mal-caráter, pois, afinal, os donos do hotel eram super-religiosos! Eu ainda não tinha aprendido a lição com os exemplos de minha mãe e de minha tia... Queria ganhar eu mesmo meu dinheiro, para poder pagar minha estadia no hotel sem ter de pedir nada à minha mãe. Então decidi por em prática meu talento para curar enfermidades mentais, porque se eu tinha curado minha esquizofrenia, conseguiria muito bem curar os outros. Iria ganhar dinheiro aliviando o sofrimento psíquico de outrem. Naquela noite haveria uma grande multidão na praia de Icaraí e resolvi aproveitar o fluxo de pessoas para tentar conseguir clientes para meus serviços de psicoterapia. Meu plano era cobrar um preço irrisório (R$1,00) na primeira consulta e, a medida que os clientes fossem aparecendo, aumentaria o preço rapidamente. Eu só precisava pegar a prática da coisa, depois o resto seria fácil. Num pedaço de papelão escrevi “TERAPIA R$1,00” e fiquei de pé com o cartazinho na mão, aguardando aparecerem clientes. Mas isso não deu certo, ninguém quis fazer a tal terapia que, na falta de um consultório, ia rolar na mesa de uma lanchonete próxima mesmo. Acho que a ideia da terapia não estava bem Eric Campos Bastos Guedes 156 O Povo Cego e as Farsas do Poder

explicada no cartazinho. Eu deveria ter escrito “PSICOTERAPIA” no lugar de “TERAPIA”. Passei toda noite anunciando a psicoterapia, mas ninguém se predispôs a se tratar comigo. Uma garota, entretanto, se compadeceu de minha situação e me deu R$1,00. Fiquei animado e quis guardar aquela moeda como um símbolo de minha persistência. Mas logo abandonei essa ideia e resolvi juntar aquele R$1,00 com os 20 centavos que tinha no bolso para comprar uma garrafinha d'água. Devia ser umas três horas da manhã quando desisti de ganhar algum cliente naquele dia. Não quis voltar para o Hotel Ibéria, pois se tratava de um ambiente familiar e talvez eles não quisessem me receber naquele horário. Fui para minha casa e lá dormi. Estava encerrado o segundo dia. 01/01/2010 Acordei mais ou menos as oito horas da manhã. Fiz meu desjejum e peguei R$50,00 com minha esposa Márcia. Ela ficou com os outros R$50,00 de um dinheiro que Vanda havia dado a ela. Márcia me disse que Vanda nos daria mais R$100,00 em breve e me tranquilizei um pouco, pois estava com pouco dinheiro para pagar minha estadia no hotel Ibéria. Arrumei mais uma bolsa com coisas minhas e fui para o hotel, resolvido a ficar lá o máximo possível. Deixei minhas coisas no quarto e gastei os R$50,00 pagando a diária referente àquele dia e ao seguinte. Então, me dirigi a lugares onde eu deveriam haver advogados para me auxiliarem em minhas denúncias contra o governo e a ABIN. Fui a dois ou três prédios no centro de Niterói, mas não haviam advogados atendendo lá. Pelo menos não no horário em que os procurei. O motivo para isso era o recesso da justiça, que iria até o dia 3 de janeiro. Decidi esperar no hotel até que o recesso acabasse. Nesse ínterim, resolvi ir até o prédio das meninas ver se alguma delas me emprestava um dinheiro ou se comprava alguma coisa de mim a baixíssimo preço. Chegando ao prédio das garotas, subi um ou dois andares e logo me dei conta de que era uma ideia absurda. Nenhuma delas me emprestaria nada, certamente. Se Hilda Shanna trabalhasse lá, eu teria boas chances de conseguir um pequeno empréstimo. Lamentei ter perdido o contato com ela. Voltei ao hotel e depois fui almoçar num estabelecimento próximo. Ao retornar, fiquei um pouco na sala de estar do hotel, que tinha uma TV. Os helicópteros que sobrevoavam minha residência na Domingues de Sá, agora passeavam ruidosa e insistentemente sobre o hotel Ibéria. Suspeitei que o voo dos helicópteros visava algo mais do que me amedrontar. Talvez o governo quisesse avisar alguém de que eu estava ali. Talvez a polícia estivesse subindo o morro toda hora para irritar traficantes em razão de querer algo deles. As coisas estavam começando a se encaixar. Lembrei de uma reportagem que havia visto em casa, na Domingues de Sá 422: um traficante falava a repórter que o que eles queriam era que a polícia parasse de subir o morro toda hora. Achei um pouco estranho. Não parecia ser a política da mídia dar voz a um traficante para que ele pedisse algo desse tipo. Preferi não comentar o barulho dos helicópteros, pois fazer isso seria admitir que a polícia fustigava o crime organizado por minha causa. E tal coisa me levaria a uma morte horrenda nas mãos do tráfico. Então, tentei me distrair um pouco, pois começava a ficar seriamente preocupado. Para me distrair, passei a assistir TV. Estava passando um filme na sessão da tarde: a estória de um leitãozinho que foi colocado pelo dono num concurso para conduzir ovelhas. O destino do leitão deveria ser a panela, mas acabou como porco-pastor de ovelhas. Depois fui fazer um lanche na rua e resolvi comprar algo para comer. Entrei num supermercado e dois sujeitos passaram carregando um grande porco abatido cuja carne talvez fosse vendida naquele estabelecimento. A figura do simpático leitãozinho do filme parecia referir a mim ao colocar um animal próprio para o abate guiando outros cujos destinos não seriam muito diferentes. Se eu fosse o leitãozinho, as ovelhas que ele guiava seriam as pessoas do Eric Campos Bastos Guedes 157 O Povo Cego e as Farsas do Poder

povo que eu pretendia guiar ao lançar minha pré-candidatura à presidência do Brasil. Contudo, o filme era uma fábula improvável, enquanto o porco abatido que eu vi sendo carregado era bastante real. Ora, eu estava no Centro de Niterói e pessoas eram mortas o tempo todo em lugares não muito distantes. Que garantias eu tinha de que não seria abatido como um porco? Afinal, eu ameaçava causar transtornos seríssimos ao governo brasileiro. As cifras envolvidas deveriam ser da ordem de várias dezenas bilhões de dólares, haja visto o grande esforço que faziam para chegar até mim, arriscando -se a ter toda a operação denunciada por algum secreta arrependido. Afinal, eram muitas pessoas envolvidas. Comprei uma garrafa de iogurte e voltei para o hotel Ibéria. Naquela noite fiquei um pouco preocupado. Criminosos poderiam invadir o hotel de madrugada e me matar. A ideia da morte por si mesma não era tão perturbadora quanto a ideia de morrer sob tortura. Liguei a TV – eu tinha uma em meu quarto – e fiquei assistindo um pouco. Passou um programa em que um pregador falava sobre uma casa desarrumada. Ele contou que um dos dos fieis o procurou para reclamar da esposa que não arrumava a casa. Esse fiel levou o tal pastor em casa e o mostrou como ela estava desarrumada. O pastor tratou logo de fazer o fiel perceber que era ele mesmo quem deveria consertar a situação. Eu me lembrei de que minha casa também estava bastante desarrumada e naquela noite resolvi que arrumaria eu mesmo minha casa. 02/01/2010 No dia seguinte falei com Marcinha por telefone. Disse a ela que em breve eu voltaria para casa e tudo ficaria bem. Eu disse também que deveria passar em casa para pegar o resto do dinheiro com ela, pois estava precisando. Márcia Regina me disse que Vanda não havia lhe repassado mais nada e que, portanto, não poderia me dar dinheiro algum. Eu respondi que teria que passar em casa assim mesmo e ela me disse que eu poderia passar lá, mas não a encontraria porque ela passaria um tempo fora. Fiz algumas coisas no Centro e quando retornei ao Hotel Ibéria a porta de meu quarto estava escancarada. Certamente haviam mexido em minhas coisas. Aquilo foi inadmissível, ainda mais em se tratando de uma pensão declaradamente familiar cujos donos eram religiosos a ponto de ornar a recepção com tantas imagens de Jesus Cristo e Nossa Senhora. Acabei por ficar seriamente desconfiado de que tinham me descoberto. Sim, talvez eu fosse o motivo para os meganha subirem tantas vezes mais o morro do que o que era de costume. Talvez eu fosse o motivo da prisão de um agiota para quem pedira dinheiro emprestado umas semanas antes (ele se negara a emprestar para mim, impedindo que eu entrasse na maior encrenca – a notícia da prisão dele saiu no jornal). Se esse pessoal do mundo do crime mata sob tortura até o pessoal deles mesmos, o que é que iriam fazer comigo, meu Deus? Fui acometido por um terror silencioso que me levou a cometer um erro. Deixei o hotel só com minha carteira e as chaves de casa a fim de voltar para a Domingues de Sá. Menos de 40 metros depois de por os pés para fora do Hotel Ibéria um ambulante gritou alto em minha direção: “Mata o rato!”. Presumivelmente ele vendia o veneno conhecido como chumbinho, utilizado por muitas pessoas para livrar suas residências de ratos. O chumbinho também era bastante utilizado por suicidas. Por um ou dois segundos, considerei a possibilidade de adquirir um pouco de chumbinho, porque, apesar de não demonstrar, estava aterrorizado com a possibilidade de morrer sob sofrimento intenso. Voltei para casa. Precisava pegar o resto de minhas coisas no hotel e decidi que iria lá de táxi, para entrar e sair rapidamente, reduzindo assim, ao meu ver, a possibilidade de ser capturado. Eu precisava de dinheiro para o táxi, entretanto, não tinha esse dinheiro, porque gastara quase tudo que tinha contando com a outra remessa de R$100,00 que não veio. Eric Campos Bastos Guedes 158 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Liguei para minha mãe e pedi que ela me desse o dinheiro do táxi, mas ela se recusou. Ela disse que não havia como ela me dar esse dinheiro, pois os bancos estavam fechados. Eu disse a ela que era um caso de vida ou morte e que por isso ela deveria vir de Araruama a Niterói (duas horas de viagem não é tanto assim) para me dar o dinheiro. Vanda perguntou o que tinha acontecido para eu precisar tanto assim de dinheiro. Ora, eu estava num telefone público e tinha gente escutando minha conversa. É claro que eu não podia falar do que se tratava exatamente. Se eu dissesse a verdade, corria o risco de ser identificado como o motivo de tantos ataques policiais às favelas – e se essa notícia chegasse ao tráfico, eu seria morto, pensava eu. Vanda se negou a me dar meu dinheiro. O motivo para eu estar num telefone público é que meu celular estava sem créditos e o que eu tinha era um cartão telefônico para orelhões. Eu havia tentado ligar a cobrar para Vanda, claro, mas ela simplesmente se recusou a receber minha ligação; também havia ido ao orelhão antes, rapidamente, e pedido a ela para que ligasse para meu celular; ela disse que sim e eu voltei para casa (eu achava arriscado ficar na rua) e esperei sua ligação. E esperei. E esperei. E esperei. Ela não ligou, mas isso condizia perfeitamente com a natureza do demônio que tragara sua alma. Então voltei ao orelhão e liguei eu mesmo para ela, tudo ocorrendo como o descrito no parágrafo anterior. Decidi que teria de conseguir o dinheiro para o táxi de outro modo. Naquela ocasião eu não sabia onde minha esposa Márcia estava. Não me lembro se eu não perguntei onde ela iria ou se ela se recusou a dizer, mas eu acreditava que Márcia estaria logo de volta. E quando Márcia voltasse, eu pediria o dinheiro de que precisava a ela, pegaria minhas coisas no hotel e esse problema estaria resolvido. No entanto, eu não conseguia contatar Márcia pelo telefone celular, apesar de ter ligado muitas vezes. Não me lembro bem se tentei pedir dinheiro a Cláudio, acho que devo ter tentado falar com ele, mas sem sucesso. Marcinha deveria voltar para casa ou eu conseguiria o dinheiro de outro modo. Minha diária no hotel estava paga até o meio-dia do dia seguinte e até lá o negócio era esperar. A noite saí de casa com alguns filmes originais em DVD que tinha. Tentaria vendê-los para conseguir dinheiro para o táxi. Pensei que talvez conseguisse vendê-los em barzinhos, lugares onde haviam aglomerações de pessoas. No caminho encontrei algumas pessoas – uma família, acho – que empurravam um carrinho de supermercado. Daria para transportar todos meus pertences do hotel até minha casa dentro daquele carrinho. Eu disse à líder do grupo que pagaria muito bem pelo carrinho quando tivesse dinheiro, e que poderia dar meus discos originais de DVD (com grandes sucessos do cinema, tais como Uma Mente Brilhante, Gênio Indomável, V de Vingança etc) como parte do pagamento. Mas ela respondeu que precisava realmente do carrinho e que não queria se desfazer dele. Não consegui convencê-la a me ajudar. Cheguei a um point em Icaraí que eu conhecera na década de 90 com o nome de Barrouquinho. Coloquei os discos de DVD expostos na entrada – já fechada – de um pequeno comércio; acho que uma peixaria. Algumas pessoas passaram sem demonstrar interesse e então ocorreu algo: uma garota pediu minha atenção e me perguntou onde era a rua Roberto Silveira – ora! Todo mundo em Niterói conhece a Rua Roberto Silveira! – mas não vi nenhum problema em lhe dar a informação. Fiz um movimento com o braço e a mão indicando como ela poderia chegar a Roberto Silveira; nisso, reparei que, discretamente, ela pareceu tirar uma foto (minha? pra que?) com seu celular. Fiquei pensando se ela teria ligação com o tráfico ou com algum órgão governamental. Não era mais seguro ficar ali. Voltei para casa e fui dormir. 03/01/2010 Acordei um tanto tarde e me pus a trabalhar neste mesmo livro (O Povo Cego e as Eric Campos Bastos Guedes 159 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Farsas do Poder). Achei melhor não esquentar a cabeça e esperar Marcinha voltar para resolver tudo. Eu achava que com ela por perto, estaria mais seguro. Pelo menos eu me sentia mais seguro com ela por perto. Isso se devia, talvez, a eu achar que a incredulidade de Márcia quanto a perseguição que eu estava sofrendo tinha um q de inviolabilidade, de sacralidade. A impressão que eu tinha era a de que não aconteceria nada que pusesse por terra a incredulidade de Marcinha quanto a minha perseguição. Era mais ou menos 12:20hs quando ouvi um foguetório a estourar-se demoradamente ao longe. O barulho dos fogos chegava manso, abrandado pela distância. Talvez viessem dos morros, pensei. E comecei a ficar ainda mais preocupado do que já estava. Porque o foguetório? Achei que podia ser porque os traficantes haviam posto as mãos no material que eu guardava no Hotel Ibéria. Devido à falta de pagamento da diária, o gerente do hotel poderia ter dado pleno acesso ao crime organizado ao material que eu guardava no Ibéria. Então, talvez, eles já soubessem o que estava irritando tanto o governo. Resolvi por o armário da sala na frente da porta de entrada, encostado nela. Isso deveria dificultar uma invasão a meu domicílio, raciocinava eu. Meses antes um morador de favela com quem tinha algum contato (chamava-se Bruno e era um tanto obeso, mas não era o Bruno Guimarães da Fonseca) me dissera que se os traficantes quisessem, podiam descer o morro e incendiar minha casa. Desejei jamais ter escutado ele falar tal coisa. Tudo piorou quando um sujeito passou em frente de minha casa e gritou: “Campeão!”. Não se parecia nada nada com a comemoração da vitória de algum time de futebol. Eu tinha certeza que o campeão era eu mesmo. Mas não sabia se se tratava de uma palavra de incentivo ou de ironia perversa. Tentei acreditar que era um incentivo e me pus a trabalhar neste meu livro com mais afinco, mas eu estava já bastante perturbado. Também tirei o armário da frente da porta de casa, porque deixá-lo ali poderia ser interpretado como uma confissão de que eu sabia a cagada que estava a fazer ao denunciar o governo. Voltei com energia ao computador, mas logo escutei uma voz feminina no portão da frente que dava acesso ao pátio anteposto à porta de entrada para a sala. “Deve ser Marcinha voltando”, pensei. Para minha decepção, não era Márcia, mas uma mulher jovem e negra que dizia algo como: “acho que é bem aqui”. Eu não a estava reconhecendo, mas lembrei do episódio ocorrido 18 anos antes, em 1992, quando eu e meu irmão leváramos as novinhas em nossa casa para transarmos. O desespero se apossou de mim. No meu entender, eles poderiam invadir minha casa e me matar alegando que eu teria molestado aquela mulher 18 anos atrás; isso era falso, conforme já esclareci antes neste mesmo livro. Contudo, era essa a estória que eles iriam publicar, pensava eu; jamais colocariam o governo ou a ABIN como réus. Na verdade, a mídia sabia do que estava a ocorrer, mas preferiu ficar do lado do Leviatã, o demônio que domina os mais fortes governos humanos – pelo menos por enquanto. Eu acreditei que morreria sob tortura, de modo extremamente doloroso. Preferia eu mesmo dar cabo de minha vida. Escrevi um ou dois bilhetes suicidas dizendo algo assim “Um dia a VERDADE vai aparecer”. Então, peguei uma faca e decidi cortar minha jugular. Eu perderia sangue rapidamente e morreria com pouca dor. Ensaiei por várias vezes dar uma facada no pescoço, mas a tarefa se mostrava muito mais difícil do que tomar friamente uma decisão. Simplesmente não completava o movimento. Quando a ponta da faca ficava perigosamente próxima de meu pescoço uma força impedia meu braço de prosseguir, de modo que não consegui sequer me ferir. Não estava muito a fim de me matar não. Liguei para o Samu (192) e pedi para que eles me levassem para uma avaliação psiquiátrica no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba. Disse a eles que eu estava com uma faca, pronto para cortar a jugular e que se eles não viessem, eu corria sérios riscos de me matar. Eles se negaram a vir e desligaram o telefone. Disseram que só poderiam vir me buscar se eu Eric Campos Bastos Guedes 160 O Povo Cego e as Farsas do Poder

estivesse ferido. Disseram também que os bombeiros poderiam me levar ao hospital. Então eu liguei para os bombeiros e disse o que já havia dito ao pessoal do Samu, que eu estava pensando em me matar, que estava com uma faca e que intentava cortar a jugular. Eles também me negaram socorro e disseram que só poderiam vir se houvessem pessoas feridas. Desliguei o telefone e peguei uma garrafa de álcool. Os bombeiros seriam obrigados a aparecer se a casa tivesse pegando fogo. Derramei álcool no armário, no piso da sala e de meu quarto e por muitos lugares de minha casa. Mas eu realmente não queria por fogo na casa e liguei ainda mais uma vez para o Samu (102). Enquanto conversava com a atendente derramei álcool em minha perna, risquei um fósforo e pus fogo em mim mesmo. Intencionava ferir-me de tal modo que eles não pudessem me negar auxílio. Isso evitaria que precisasse por fogo em minha residência para que os bombeiros viessem me buscar. Para minha surpresa, o fogo extinguiu-se tão rapidamente que não queimou minha perna. Somente os pelinhos foram queimados. Minha perna ardeu em chamas por uma fração de segundo somente e não sofreu queimadura alguma. Voltei ao telefone, mas a atendente do Samu havia desligado. Liguei novamente para os bombeiros e insisti para que viessem, eles disseram que não viriam. Tinham consciência de que algo grave estava prestes a ocorrer, pois a última frase do bombeiro na linha telefônica foi: “Eric, não põe fogo na casa, não.” Eu pus. *** Minha casa em chamas Pus fogo na casa, e não precisava mais me ferir para que os bombeiros aparecessem. Meu erro foi ter posto fogo na casa pra valer. Ora, se meu objetivo era que os bombeiros viessem a minha casa e me levassem para o hospital psiquiátrico, bastaria ter feito um incêndio meramente cosmético. Bastaria ter posto fogo num monte de papeis e coisas sem valor colocadas antecipadamente na porta de entrada de minha casa. Não tive essa presença de espírito, entretanto. No desespero, a gente acaba perdendo a cabeça, isto é, deixando de usar a cabeça de cima para ser controlado por impulsos e emoções primitivas. Não vale a pena desesperar-se. Com o fogo a alastra-se, a fumaça passou a me incomodar. Fui para o quintal, peguei uma escadinha e subi na lage que cobria a área de serviço. Sentei -me no alto do muro que dava para o hospital Centrocardio. Os bombeiros logo chegaram e puseram fim às chamas. Entrementes, uma pessoa da clínica disse que colocassem uma escada para que eu descesse de lá para fora, em direção ao estacionamento do Centrocardio. Posta a escada, me deram um shortinho para vestir – eu estava só de cuecas – e eu desci. Um cara veio falar comigo dizendo que a chave de casa estava bem onde devia, e que eu não deveria ter saído pelos fundos. Seu tom de voz sugeria que eu mesmo havia posto fogo na casa. É claro que eu havia posto fogo na casa! Mas não tinha como explicar a situação para aquele pessoal todo que me observava. Então respondi agressivo: “Vende tudo pro Centrocardio logo!”. Os bombeiros vieram falar comigo. Um deles me disse que eles estavam ali para ajudar e me pareceu que ele acreditava realmente no que dizia. Então me perguntaram: “Seu nome é Eric Campos Bastos Silva?” Hesitei por um momento e o bombeiro disse: “Nós queremos te ajudar”. Meu último nome não era Silva, mas Guedes. Achei que mentir sobre meu nome seria muito mais arriscado do que dizer a verdade, apesar de os bombeiros parecerem querer me ajudar de verdade ao sugerirem que alterasse um pouquinho o nome que eu deveria declarar a eles. Eu disse: “Meu nome é Eric Campos Bastos Guedes”. Ao retificar meu nome parece que quebrei uma espécie de código de confiança. Fui levado ao Hospital Psiquiátrico de Jurujuba. Eric Campos Bastos Guedes 161 O Povo Cego e as Farsas do Poder

*** Segunda internação no HPJ No Hospital Psiquiátrico de Jurujuba (HPJ) fiquei no setor de observação. Lá encontrei um garoto que havia apanhado da polícia e que estava acompanhado de sua mãe. O garoto estava no hospital para ter alguma segurança, ao que me pareceu. A mãe estava revoltada com os policiais que surraram seu filho e tentava consolar a si mesma dizendo que o pessoal do tráfico havia marcado a cara dos meganha que bateram em seu filho e iria justiça-los. Segundo ela, seu filho era honesto e boa gente; não se metia em coisa errada, nem tráfico nem roubo. O garoto era criança, não era adolescente ainda. Havia outra mãe lá com seu filho. Este era adolescente e pelo seu comportamento logo se deduzia que era usuário de tóxicos. Ganhei rapidamente a simpatia do garotinho e de sua mãe, mas a outra e seu filho adolescente pareciam tentar sabotar minha amizade incipiente. A mãe do drogado mostrou algo que tinha no celular para a mãe do garotinho. Acabei desconfiando de que se tratava de uma foto que comprometeria minha imagem junto à mãe do garotinho. Achei que fosse a tal foto presumivelmente tirada pela moça que perguntara a localização da Rua Roberto Silveira na ocasião em que eu tentei vender filmes em discos de DVD no Barrouquinho. Então fiz uma afirmação de caráter geral que servia como defesa para quase qualquer coisa que pudesse ter sido mostrada no celular pela mãe do drogado. Tive um sucesso relativo, acho. Fui ao banheiro urinar e sentei-me no vaso, como costumo fazer. O garotinho abriu a porta do banheiro, olhou para mim, desculpou-se e saiu. O adolescente fez o mesmo. A descarga não estava funcionando e depois que saí do banheiro os dois foram lá, cada qual em sua vez. Disseram: “Ele faz xixi sentado!”. Acho que quando eles abriram a porta do banheiro queriam saber se eu ainda tinha bingulin ou se haviam me castrado. Pareciam saber de meu passado de mão-boba. Estava deitado de lado em minha cama quando recebo um tapa na bunda. Imediatamente olho para trás e não vejo ninguém próximo que pudesse ter feito isso. Imediatamente olho embaixo de minha cama e lá está o garotinho que diz rindo: “Ele não é bobo não!”. Com certeza sabiam de meu passado de mão-boba. O adolescente drogado vindo em nossa direção diz: “Tem visita aí.” e apontando para mim, completa: “Acho que é para ele”. Eu fiquei bem contente e pensei: “Ótimo! Vou sair logo daqui!” Fui até a porta que dava para a área onde estariam as visitas, mas não vi nenhum rosto conhecido lá. Em vez disso, um garotinho enfezado que está na área de visitas aponta para mim e diz em tom ameaçador: “Não vai fugir não, heim!”, mas eu lhe respondo com uma pergunta: “Fugir de que?” e ele responde: “De que!?!” Então eu volto para o setor de observação concluindo que o adolescente drogado me armara um armadilha. A situação parecia bastante ruim. Esse pequeno episódio reforçava muito a ideia de que eu estava visado pelo crime organizado. Mais tarde vejo a jovem negra que fora o estopim de minha crise de desespero conversando com um negro magro que trabalhava no HPJ. Ela se vestia com roupas bastante coloridas, que chamavam a atenção exatamente por isso. Só escutei um pequeno trecho do que o negro dizia a ela: “...é muito mais complicado que isso. Tem muita gente envolvida e se for puxar o fio do novelo para ver onde vai dar, vai ter coisa do arco da velha...” *** Eric Campos Bastos Guedes 162 O Povo Cego e as Farsas do Poder

“Vós sois deuses” Me chamaram no consultório para uma avaliação de meu caso. Tinha umas três ou quatro pessoas lá. Assim como os bombeiros, eles disseram que queriam me ajudar e eu acreditei neles. Eles também disseram que queriam saber o que estava acontecendo, exatamente para que pudessem me ajudar. Não era tão simples assim. Antes de serem médicos, antes de serem honestos e simpáticos à minha pessoa, eles eram seres vivos, e fariam de tudo para continuarem vivos. Se eu disse a eles o que eu pensava que estava acontecendo, minha história seria ignorada. Não porque ela não fizesse sentido, não porque ela fosse falsa e não porque eles quisessem me ferrar. Minha história seria ignorada porque qualquer um que admitisse acreditar nela poderia se tornar um alvo do crime organizado, do tráfico ou dos grupos de extermínio. O desejo de se manterem vivos e o zelo pela segurança da própria família estavam, com certeza, acima de qualquer simpatia que pudessem sentir por mim e de qualquer injustiça que quisessem reparar. Eles me pareciam boa gente, mas não eram deuses. *** Transferência antecipada Estava ainda no setor de observação a esperar que Marcinha e Vanda viessem me levar embora dali quando, numa certa manhã, fui acordado por um enfermeiro que logo pegou em meu braço para coletar sangue. Era o mesmo enfermeiro alto e corpulento que esteve presente na ocasião em que o psiquiatra Luís Sérgio me recomendou uma avaliação no HPJ, em 2008. Ele parecia um tanto preocupado ou mesmo assustado. Esse enfermeiro disse que a equipe resolvera me transferir para o SIM (Serviço de Internação Masculino) de modo antecipado. Pelo que eu sabia, um paciente deveria ficar uma semana em observação antes de ser transferido para o SIM. Não me lembro bem, mas parece que alegaram que eu teria mais segurança no SIM. Então já deviam ter entendido a gravidade de meu problema. *** O morro em segurança Fui conduzido por um longo corredor que dava na porta do SIM. Já passara várias vezes por aquele corredor, em minha outra internação em Jurujuba. Foi desagradável me aproximar da porta que dava acesso ao SIM: “Cá estou novamente!...”, lamentei-me em pensamento. Adentrando o recinto, deparo com S1 que me pergunta: “O morro está em segurança?” Isso só reforçou minha opinião de que estavam achacando o tráfico no morro para levá-los a me executar. Naquela ocasião eu pensava que eles haviam acabado de descobrir minha existência e o motivo para tantos policiais subirem o morro tantas vezes. Hoje, não tenho mais essa certeza, porque se S1 tivesse mesmo ligações com o tráfico, o crime organizado saberia quem eu era e o que estava fazendo. Acho que a situação é mais intrincada do que aparenta. ***

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Mudanças no HPJ/SIM Algumas coisas haviam mudado no SIM. Raquel devia ter subido um degrau na carreira porque parecia estar exercendo um cargo de liderança agora; não vi Raldo Bonifácio por lá, o que me levou a pensar que ele não trabalhava mais no HPJ; Débora e Carol não estavam lá; Joseilton também não; haviam acabado com o quartinho onde o enfermeiro disse para mim: “Fica quieto... vai ser uma pena perder uma veia boa dessas” ao colher meu sangue para exames puxando levemente a agulha para cima (transformaram o quartinho em uma outra intercorrência); os psiquiatras de lá eram outros agora, nada de Drº Dimas; e o mais notável de tudo: estavam tratando o interno Wilson Madeira à pão-de-ló. *** Sobre Wilson Madeira O interno Wilson Madeira tinha um certo grau de retardo mental. Em minha internação anterior eu o vi sair do banheiro logo após um dos faxineiros do HPJ. Desconfiei. Eu já sabia que os banheiros provavelmente eram usados para relações sexuais, pois, certa vez, ouvi gemidos vindos de dentro de um deles. Os gemidos eram do interno Chianelo, ao que parecia, e do modo como aconteceu acho que alguém o estava mamando. Na edição anterior deste livro eu chamei a atenção para a situação de Wilson Madeira, que aparentava estar sendo vítima de abuso sexual no HPJ. Lancei o alerta também na Carta Aberta aos Direitos Humanos, publicada em meu blog – www.fomedejustica.blogspot.com – com os nomes verdadeiros das pessoas. A denúncia parece ter surtido efeito, pois Wilson passou a receber muito mais atenção. Bons profissionais agora o assistiam, ensinavam-lhe as letras e davam-lhe banhos. É claro que só passaram a fazer isso para fazer parecer que minhas denúncias eram infundadas. E agora que estou revelando isso, não ficaria surpreso se Wilson fosse transferido do HPJ para outro hospício ainda muito pior; ou se morresse devido a um ataque cardíaco fulminante (causado por drogas, claro!); ou se, de repente, viesse a sofrer de alguma doença que o obrigasse a ser tratado em algum outro hospital (seria muito fácil torná-lo doente por comida contaminada, por exemplo). O certo é que a vida de Wilson Madeira e sua permanência em Jurujuba serão, a partir da divulgação desse texto, um incômodo para os donos do poder. *** Difamação no HPJ A psiquiatra que me fora designada leu a edição anterior deste livro, ou parte dela. De início, ela me adorava, exultava com minha inteligência e coragem, eu era um herói para ela. Depois de uns dez dias sua opinião sobre mim mudou radicalmente. Acho que ou textos difamatórios chegaram às suas mãos, ou os boatos espalhados por Vanda, Vera Lúcia e Winter chegaram aos seus ouvidos. A princípio a enfermagem me apreciava muito, mas após um mês a difamação chegara ao conhecimento deles e me puseram de lado. Ainda que tivesse tido o nome difamado, os boatos se espalhavam com muita dificuldade entre os funcionários do HPJ. Um belo dia descobri o porque. ***

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Eric, o anti-herói Um dia, após uma noite passando frio, pedi um lençol a um funcionário. Ele tinha lençóis, mas não eram para mim. Acho que não eram para nenhum dos pacientes daquela ala. Mas ele sorriu e disse: “Vou dar o lençol para você porque você é parceiro!” Parceiro? Eu? Não entendi bem o que ele quis dizer, mas fiquei com o lençol. Em outra ocasião, estava no pátio de Jurujuba recebendo a visita de Marcinha e de meu filho Sólon na mesma hora que Wilson Madeira conversava com alguns terapeutas na mesa ao lado. Dois terapeutas sorriram para mim aparentando estarem me admirando muito. Um deles mencionou a palavra “amor” e me quis saber o que eu sentia em relação a Wilson Madeira. Acabei entendendo que eu fora um grande benfeitor para Wilson ao denunciar sua situação no HPJ. Por isso várias pessoas lá me idolatravam. O faxineiro que eu vira saindo do banheiro com Wilson na internação anterior agora estava com cara de quem comeu e não gostou. Conversei rapidamente com um enfermeiro que soube dos boatos difamatórios em minha internação anterior e sua expressão era de assombro: ele não sabia o que pensar sobre mim. *** Eric, o vingador arrependido O Drº Rui Cutrim exercia um cargo de chefia no HPJ. É claro que eu fui pedir desculpas a ele. E fiz isso em alto e bom som, na presença do maior número de pessoas que pude. Após pedir desculpas sinceramente e com público, Rui me chamou para conversarmos em particular. A princípio aceitei, mas logo percebi a armadilha. Rui parava demoradamente para fazer muitas coisas enquanto eu o seguia para conversarmos em seu gabinete. Ele queria que eu manifestasse impaciência, claro. Isso o autorizaria a me manter mais tempo internado e a utilizar eletrochoques, além de drogas mais pesadas e mais danosas à saúde. Avaliei a situação e concluí que não seria bom que Rui conversasse comigo em seu gabinete. Afinal, fora em seu gabinete que a ausência de plateia o autorizara a me convidar para um lanche no “Rei do Mate”, o que me deixou muito perturbado. *** Sr. Agnóstico Chama-se agnosticismo a crença de que Deus pode ou não existir, ainda que seja impossível responder clara, racionalmente e com absoluta certeza sobre a existência ou não de Deus. Tanto o crente quanto o ateu estão convencidos de suas posições com respeito à existência de Deus. Enquanto o crente assume indubitavelmente a existência de Deus e o ateu nega indubitavelmente essa mesma existência. Ora, ambos estão baseando suas crenças na ausência de dúvida. Estão tão certos de suas opiniões que um diálogo entre eles será sempre um duplo monólogo, cada qual falando em sua vez sem nunca chegar a um acordo. O agnosticismo não nega e não afirma a existência de Deus, mas a considera uma hipótese a ser investigada. Desse modo o agnóstico está apto a aprender o que ele próprio acreditar ser bom – tenha esse aprendizado origem em qualquer um dos sistemas religiosos ou na negação ateia de todos eles. Assim que tomei lugar em minha enfermaria, conheci um senhor que professava o agnosticismo. Não me lembro seu nome, e que por esse motivo chamarei de Sr. Eric Campos Bastos Guedes 165 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Agnóstico. Ele era muito boa gente. O Agnóstico tinha um problema num dos pés que dificultava seu caminhar. Por vezes eu o ajudava, servindo como uma espécie de muleta humana ao segurar firmemente seu braço e permitindo, assim, que Sr. Agnóstico pudesse se locomover com mais facilidade. *** Agente da ABIN vs. Sr. Agnóstico A ABIN mandou pelo menos dois agentes para o meu caso. Um deles procurou sabotar minha amizade incipiente com o Sr. Agnóstico. Esse agente mexia na cama do Sr. Agnóstico quando ele não estava presente e tentava fazer isso parecer algo divertido. Eu não caí nessa, claro. O tal agente também dizia, por meio de colocações indiretas, que estava autorizado a me oferecer um suborno, uma quantia em dinheiro ou terrenos. O modo como referia os valores eram tão vagos que nunca soube exatamente de quanto dinheiro estávamos a falar. Esse agente acabou com a saúde bastante abalada, pois sua médica lhe prescreveu injeções de drogas psiquiátricas que os enfermeiros não se negaram a ministrar-lhe. A transformação do agente mostrava o quanto as drogas psiquiátricas eram perniciosas. Ele mostrava-se abatido e sua fisionomia confirmava isso. Ele mesmo dizia que aquelas injeções o estavam destruindo e eu dava graças a Deus pela enfermagem ter decidido não me ministrar injeção alguma, contrariando a prescrição de minha psiquiatra. Os enfermeiros que sabiam de meu ato de coragem ao denunciar a situação de Wilson e os que sabiam que eu estava sendo injustiçado achavam que eu não merecia tomar as injeções; os enfermeiros que haviam ouvido falar que eu era violento receavam que eu me vingasse deles porque estavam conscientes do efeito devastador das injeções sobre a saúde mental de quem as tomava. *** O agente número 10 Meu número na internação anterior foi o 15; nessa nova internação meu número era o 5. O segundo agente da ABIN tinha o número 10. Era um sujeito de pele branca, forte e com boa retórica. Aproximou-se de mim no pátio do HPJ. Falava amigavelmente, mas com firmeza. Disse que os remédios (neurolépticos) davam energia e que era por isso que quem fazia uso deles costumava explodir em fúria vez por outra (na verdade eu já tinha concluído que a medicação neuroléptica causava perda momentânea de controle). Em outra ocasião esse agente sugeriu que eu fizesse uma faculdade particular e que por “apenas” R$21 mil eu poderia ter um diploma na área de informática, conferido pelo próprio Luís Inácio Lula da Silva – nosso “excelentíssimo” presidente. Eu disse ao agente 10 que não queria cursar informática, mas sim matemática. Perguntei, então, quanto me custaria um diploma nessa área. Ele disse que devia sair por uns R$11 mil. Esse agente me perguntou se eu frequentava a oficina de música do HPJ; eu disse que sim; então ele perguntou que música eu gostava de cantar lá; respondi: “ Nuvem Passageira”, de Hermes de Aquino; ele disse que esse era um “bom sinal”, quer dizer, uma “nuvem passageira” talvez não causasse tantos problemas para o poder iníquo que domina o mundo. *** Eric Campos Bastos Guedes 166 O Povo Cego e as Farsas do Poder

A execução do secretário de transportes de Niterói Antes de ser internado eu havia percebido que alguns semáforos em Icaraí estavam meio estranhos. Demoravam muito mais para dar passagem aos pedestres do que o habitual. Nos meses de novembro e dezembro de 2009 (e talvez também em agosto, setembro e outubro) ficou claro para mim que alguns sinais de trânsito do bairro de Icaraí, em Niterói, passaram a ter uma propensão muito forte a dificultar a travessia de pedestres. Esperávamos por muito mais tempo que o habitual. Os semáforos demoravam tanto para autorizar a passagem de pedestres que a maioria deles não os respeitavam mais. Atravessavam a rua na frente dos carros mesmo. Isso ocorreu no sinal de trânsito entre a saída do Campo de São Bento e a agência da Caixa Econômica Federal, na rua Gavião Peixoto; ocorreu também pertinho de minha casa, no sinal da Rua João Pessoa com a Rua Domingues de Sá; também ocorreu em outros semáforos que, por coincidência ou não, fizeram parte de meu itinerário na época. Considerei a possibilidade de estarem criando essa confusão nos semáforos com a intuito de me fazer explodir em fúria. Eles queriam reunir todos os sinais possíveis que indicassem ser eu um desequilibrado mental. Isso faria com que um número maior de pessoas descartassem minhas denúncias como a invenção de uma mente perturbada. Poucos dias após minha nova internação no HPJ, a mídia noticiou a execução do secretário de transportes de Niterói. Na época os jornais e a TV sugeriram que seu assassinato teria relação com a máfia das vans ou com o crime organizado, mas ao que me consta, nada ficou definitivamente esclarecido. O Sr. Agnóstico se surpreendeu com a notícia da execução. Ele me disse que conhecia o secretário de transportes e eu falei sobre a possível relação entre o assassinato do secretário e as denúncias que eu estava fazendo. O Sr. Agnóstico considerou minha opinião sem mostrar grande surpresa, mas um respeito prudente. A notícia da execução do infeliz me deixou apreensivo. Hoje eu não tenho mais tanta certeza de que o secretário de transportes de Niterói fora morto numa queima de arquivo para evitar que pudesse chamar a atenção da sociedade para minhas denúncias. Mas a notícia de sua execução me fez acreditar que o mesmo pudesse acontecer comigo. E eu não queria morrer antes de educar meu filho Sólon. *** A gangue do filho da desembargadora Um moleque fora internado na mesma época que eu. Acho que ele era filho de uma desembargadora, ou alguma coisa do tipo. S1 aparentava temê-lo, mas o moleque não me assustava. Havia um outro rapaz, colega de S1, com quem eu muito simpatizava. Ele estava quase sempre com um sorriso amigável no rosto, falava sem levantar a voz, não usava de ironias ou sarcasmos, nem de ameaças ou constrangimentos. Também mostrava importar-se com outras pessoas e manifestava interesse por jogos, o que denotava alguma propensão pelo gosto de raciocinar e aprender. Por não me lembrar de seu nome vou chamá-lo de S2, pois era colega de S1. S1 e S2 aparentavam formar uma pequena quadrilha sob a chefia do moleque filho da desembargadora. O linguajar e a forma de se cumprimentarem aparentavam ser próprios de criminosos. Havia um cumprimento no qual o moleque dizia “Sempre vivo! Nunca morto!” e ao mesmo tempo apertava a mão do outro de um modo característico.

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*** Positivo e operante: trazendo uma chefe para o meu lado Havia em Jurujuba uma mulher exercendo posição de chefia que eu julgava poder me ajudar. Mas ao examinar sua expressão facial concluí que alguma calúnia a meu respeito chegara até ela. Pedi para falar com ela. – Posso falar com você?, perguntei – O que você quer falar? Estou um pouco ocupada. – Eu quero dizer que está correndo um boato falso sobre eu ter abusado de uma criança de três anos de idade. – Não sei de nada sobre isso..., acho que é um sintoma de sua esquizofrenia!, respondeu ela que, de tão convicta de suas próprias verdades, me negou o direito de defesa pelo diálogo. E ainda usou de sarcasmo fingindo acreditar que existisse algum tipo de doença mental naquele hospital que não fosse causada exatamente pelas drogas psiquiátricas ali ministradas. Entretanto, Lúcifer perderia essa batalha para mim, pois eu estava bem informado o suficiente para lidar com aquela situação. Redargui: – Na verdade, não reconhecer o significado de expressões faciais é que é um dos sintomas da esquizofrenia. O que tenho para dizer é que minha própria mãe usou de perversa malícia para inventar mentiras a meu respeito. Ela escreveu um bilhete datado de 15/11/2006 que dizia mais ou menos o seguinte: “Hoje Márcia me fez uma terrível revelação. Nem sei se devo acreditar. Tenho pena de Luiz Antônio, criança inocente e indefesa. Que Deus conserve sua pureza. Senhor, olha os ardis.” - a chefe estava prestando atenção agora, e completei: O bilhete com essa calúnia dissimulada chegou às minhas mãos depois que revistei o quarto de minha esposa. Não sei porque minha mãe escreveu isto, mas nunca abusei de Luiz Antônio e se houver alguma dúvida a esse respeito, vocês podem falar com a mãe dele, Greiciane. Ela vai confirmar o que digo, disse eu. Então a chefe perguntou: – Qual era mesmo a data que você disse que o bilhete tinha? – O bilhete datava do dia 15 de novembro de 2006. O interesse dela pela data do bilhete me pareceu desproporcional. Parecia um detalhe insignificante para mim, que, por algum motivo, ela considerou pertinente. Depois dessa conversa, a mulher deixou de olhar com estranheza para mim. Passou a externar alguma simpatia, na verdade. Posteriormente, comentou com outras pessoas da clínica e na minha presença sobre uma atitude minha: “É...positivo e operante!” *** A cozinha do capeta Algumas vezes vinha mais do que comida da cozinha do Hospital Psiquiátrico de Jurujuba. Em minha outra internação haviam colocado em meu prato um tecido animal que certamente não fazia parte do cardápio aprovado pela nutricionista. Depois que me deram alta, conversei com Drº Eugênio Lamy e ele me disse que esse tipo de coisa ocorria de modo mais ou menos rotineiro no HPJ. Drº Eugênio trabalhara por muitos anos no HPJ e essas histórias de comida contaminada ou adulterada lhe eram familiares. Fico a pensar quantas pessoas já haviam tido a saúde destruída naquele refeitório e quantas Eric Campos Bastos Guedes 168 O Povo Cego e as Farsas do Poder

mais ainda haviam de perder a saúde lá. A coisa era mais séria do que eu pensava. Numa das vezes em que almoçávamos no refeitório, ouvi um trecho da conversa entre duas serventes: – Mataram dois empregados da Novo Rio24 lá em São Gonçalo.25 – Foi por causa de drogas? – Não, foi execução. Estava morrendo muita gente executada. Eu fiquei com a impressão de que eram queimas de arquivo. Arquivo este em que meu nome devia aparecer muitas vezes. Não podia saber ao certo se essa minha impressão correspondia a verdade ou não, mas em vista de tudo que eu passara no decorrer daqueles últimos anos, fazia sentido. Certa vez, ao pegar meu prato de comida no refeitório, percebi que o habitual copo de suco servido junto com as refeições havia sido separado especialmente para mim. Minha desconfiança me levou a acreditar que não era seguro beber aquele suco. Então peguei meu prato de comida e deixei o suco sobre a bancada. No entanto, uma das serventes saiu de trás da bancada, pegou o copo de suco e o pôs sobre minha mesa, onde só eu estava sentado. Eu pensei que devia dar aquele copo de suco para outra pessoa, mas logo abandonei essa ideia por achar que não me sentiria bem sabendo que alguém adoecera por minha causa; pensei que devia jogar o suco fora, então. Mas em muitos hospitais psiquiátricos, incluindo aí o HPJ, um dos principais prazeres dos internos é justamente a comida e a bebida. Comecei a me convencer de que eu estava sendo paranoico; de que a servente não poderia ser tão absurdamente perversa; de que em Jurujuba podiam até botar coisas estranhas na comida, mas não veneno; de que o uso de venenos era coisa da ABIN e não de Jurujuba; de que não havia como o suco estar batizado, porque eu nunca ouvira falar que tal coisa ocorresse em Jurujuba... bebi todo o suco. Cerca de um mês depois eu tive sinais Infeliz é o escravo de seus caprichos! Se alguém quer ser forte deve dominar suas paixões e agir com sensatez. E segue a fundamentação bíblica: “Pois quem põe os seus próprios interesses em primeiro lugar nunca terá a vida verdadeira; mas quem esquece a si mesmo por minha causa terá a vida verdadeira.” 26 Mateus 16.25 Ora, a expressão “os seus próprios interesses” na citação supra pode muito bem ser interpretada como sendo “os seus caprichos”, “os seus pequenos desejos nocivos”, “os seus vícios” ou “as suas ações desarrazoadas”. Eu agi de modo estúpido ao não ouvir a voz da razão. Preferi obedecer ao meu capricho, ao meu pequeno desejo nocivo e fui vítima de meu próprio sentimento. É interessante lembrar que a cruz, símbolo cristão mais comumente encontrado, representa exatamente a atitude racional sobrepujando a que se baseia na emoção. *** Armadilha Muitas pessoas do HPJ já conheciam um pouco de minha história de perseguição da versão anterior deste mesmo livro. Quando minha esposa ia me visitar com Sólon, mesmo fora dos dias designados para visita, os funcionários logo davam um jeito de fazer com
24 A Novo Rio era uma empresa que prestava serviços para o Hospital Psiquiátrico de Jurujuba, de modo terceirizado. 25 Não me lembro se foi em São Gonçalo ou em algum outro lugar, como Caxias, Fonseca, Centro ou algo assim. 26 O Novo Testamento – Nova Tradução na Linguagem de Hoje. Barueri – SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2002.

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que a visita acontecesse, ainda que de forma não autorizada. Era uma espécie de reconhecimento pelo que eu fizera e um incentivo para que eu fizesse ainda mais. No entanto, algumas pessoas se aproximaram com más intenções. Num encontro do que se chamava Oficina de Leitura, o terapeuta ocupacional Marcos Motta Murtha e uma outra profissional trataram logo de me puxar o saco com falsos elogios. Pediram para que cada um escrevesse um texto. Eu escrevi sobre a paciência trabalhando sobre a tese: “a paciência é amarga, mas seu fruto é doce”. O outro participante estava sendo drogado com flufenazina (intramuscular) e haldol decanoato e escreveu um texto com erros grosseiros, como escrever “eziste”, com “z”, no lugar de “existe”. Quando Marcos leu os textos, elogiou o meu e criticou o do outro paciente – e a outra profissional que o acompanhava concordou com ele. É claro que se eu ou o próprio Marcos estivéssemos sendo drogados com flufenazina e haldol decanoato, teríamos cometido erros grosseiros também, ou escreveríamos textos de qualidade muito inferior. *** Falsa investigação Uma profissional de Jurujuba se prontificou a investigar minha história. Ela disse que viajaria à Campos onde, presumivelmente, tentaria comprovar minha história. Ao saber disso, o moleque filho da desembargadora insistiu comigo para que eu dissesse a ela que a história era falsa. Ele usou um bom argumento para me convencer. Acho que ele disse que se denúncia fosse investigada eu demoraria muito tempo para sair de Jurujuba. Concordei com ele e disse a mulher que queria investigar que meu texto era falso. Mas acabei pondo a mão na consciência ao me lembrar de Hipátia de Alexandria, a primeira mulher matemática, que teve uma vida santa e morreu esquartejada por amor à verdade e por defender essa mesma verdade. Lembrei também do sofrimento de Jesus Cristo, que é o caminho, a verdade e a vida, e que morreu sob intenso sofrimento por amor à humanidade. Ora, se eu quisesse seguir os exemplos de Cristo e de Hipátia – e eu queria – o momento de fazer isso era aquele mesmo! Mudei de ideia em 5 minutos e preferi falar a verdade: confirmei a veracidade do texto. Estranhei um pouco o fato do texto que ela fora investigar ter muitos nomes falsos, trocados propositalmente para evitar que eu sofresse processos por calúnia e difamação. Isso devia dificultar um pouco a comprovação de minhas denúncias, mas eu ainda tinha esperanças. Uma boa parte da história poderia vir à tona, ainda que meu texto anterior – divulgado na Internet desde o dia 10 de maio de 2009 – tivesse vários nomes trocados. A mulher que se propusera a investigar as denúncias passara dias fora, semanas. Quando uma funcionaria do HPJ começou a cantar um trecho da música do Cazuza: “...a sua piscina está cheia de ratos, suas ideias não correspondem aos fatos, o tempo não para...”, entendi que minhas denúncias não puderam ser comprovadas. E agora? Como é que eu ia fazer para sair de Jurujuba? Não tinha mais o trunfo da possibilidade de comprovação de minhas denúncias, então eles poderiam me manter preso naquele hospício por muito tempo, até que eu fosse definitivamente sequelado pelas drogas psiquiátricas por eles ministradas. Eu já tinha pedido insistentemente à minha esposa para que ela solicitasse minha transferência para a Casa de Saúde Saint Roman, e não entendia o motivo de não ter sido transferido imediatamente para Saint Roman, como acontecera anteriormente. Até hoje não compreendo o porque de minha esposa ter me deixado tanto tempo detido em Jurujuba. Quando a questiono a esse respeito ela diz coisas que sei que são mentirosas; por exemplo, ela disse que eu mesmo pedira para ficar em Jurujuba e não ser transferido para Saint Roman – eu jamais teria dito isto! Minha Eric Campos Bastos Guedes 170 O Povo Cego e as Farsas do Poder

intenção, desde o momento em que pus fogo em minha casa sempre foi a de ficar o mínimo necessário no HPJ e em seguida ir para um lugar onde o tráfico tivesse mais dificuldade de me encontrar. O estranho é que, ao que parece, outras pessoas em Jurujuba achavam também que eu preferia ficar no HPJ que em Saint Roman! Acho que alguém inventou uma mentira sobre isso... Lembrei do que o moleque filho da desembargadora falara sobre eu mofar em Jurujuba caso insistisse com as denúncias. Com medo, resolvi aceitar a propina do agente da ABIN – afinal, raciocinei eu, não valia a pena arriscar ainda mais minha saúde; eu já era pai e não poderia correr mais riscos. Fui conversar com ele e o agente me informou que tinha três terrenos bem grandes com que poderíamos negociar. Contudo, ele não falava nada de modo direto – usava sempre frases ambíguas – e por esse motivo era difícil saber quanto valiam os terrenos e até mesmo como se daria a transação. Desisti da propina e adotei o lema: “Se não podes com ele, junte-se a ele”. Eu já adotara este lema quando quis aceitar o suborno, mas sem conseguir manter um diálogo minimamente compreensível com o corruptor, preferi tentar ingressar na gangue do filho da desembargadora. Eu acreditava que fazer parte do grupo dele me faria ser temido pelos psiquiatras de Jurujuba e que, assim, logo teria alta. Verifiquei que nenhum dos integrantes da gangue do filho da desembargadora era pesadamente drogados, nenhum deles, ao que parecia, tomava injeções de drogas pesadas, tais como a flufenazina ou o haldol decanoato. Então, conclui que se eu fizesse parte da gangue, isso me daria alguma proteção contra ser pesadamente drogado pela minha psiquiatra e pelos enfermeiros. Falei à S2 sobre minha intenção e ele comunicou isso ao moleque e à S1. Estava armando o maior toró naquela tarde. Nuvens carregadas cobriam o céu. O moleque disse: “Vamos fazer uma reunião para oficializar isso aí”, então pegamos cadeiras e nos sentamos no pátio de Jurujuba. Antes que a reunião começasse, entretanto, eu perguntei a S2: “E para deixar a gangue como é que eu faço?”, e ele respondeu: “Só se sai da gangue morto”. No exato instante em que ele disso isto, me levantei absolutamente indignado e um pouco irritado. Abandonei a reunião que sequer havia começado: nada, nada poderia valer mais que minha própria liberdade. E, afinal de contas, eu só ia “participar” da gangue para me livrar do HPJ, depois que eu saísse, não precisaria mais dela. Fui para minha cama na enfermaria e a chuva desabou, ruidosa. Um acordo tácito foi estabelecido: o de que eu negaria a denúncia e, em troca, eles me dariam alta. É claro que um tal acordo jamais poderia ser clara e diretamente expresso. Se um tal acordo fosse inequivocamente expresso, corria-se sério risco de que alguém não autorizado tomasse ciência da veracidade da denúncia ao ouvir furtivamente a proposta imoral. S2 me aconselhou a sumir do mapa depois que tivesse alta. Recomendou-me ir para Bragança Paulista, ou algum outro lugar distante. Achei que era por eu ter desistido de integrar a gangue do filho da desembargadora. S2 mostrava, por vezes, um semblante de sincera preocupação para comigo – apesar dele próprio integrar a gangue – e também me aconselhou a negar a denúncia enquanto estivesse preso em Jurujuba, e a afirmá-la e divulgá-la assim que saísse. O argumento dele para justificar esse procedimento era o de que se eu insistisse com as acusações enquanto estivesse no hospital, eles poderiam me matar para me silenciar. Por outro lado, assim que eu tivesse alta, deveria retomar a denúncia, exatamente para evitar ser morto – porque se me liquidassem enquanto eu denunciava, fortes suspeitas cairiam sobre o governo. Achei o argumento de S2 muito bom e me propus a agir conforme. A mulher que se propusera a investigar as denúncias voltara, afinal. Ela ficou de conversar comigo, mas antes minha psiquiatra veio pessoalmente me dar algumas notícias que julguei muito boas: ela havia suspenso a prescrição de haldol decanoato para Eric Campos Bastos Guedes 171 O Povo Cego e as Farsas do Poder

mim e substituíra os comprimidos de haldol pelos de Zyprexa (Olanzapina), que eram menos agressivos. Pensei comigo: “É... eles perceberam que não vou insistir em denunciar o governo (pelo menos aqui dentro he, he, he!) e estão me tratando melhor!”. Eu achei que meu plano estava funcionando muito bem, mas a máquina governamental é como um demônio, e é muito difícil enganar o próprio Leviatã. Afinal, o diabo é o pai da mentira. Quando a falsa investigadora me chamou numa sala para conversarmos a sós, perguntou: “E então, Eric? O que você pretende dizer quando tiver alta?”, e eu respondi: “Eu vou dizer que minhas denúncias são um absurdo, que muitas coisas ali podem ter outra interpretação!”, Ela disse: “Tá bom, Eric” e encerrou a reunião. Eu saí da sala e fui acometido por uma sede repentina e muito intensa. Para piorar, aceitei um biscoito que um dos internos do HPJ me ofereceu. Minha boca estava tão seca que tive dificuldade em mastigar e engolir o biscoito. Me preocupei um pouco com o aparelho celular que ela jogara sobre a mesa de modo furtivo antes de iniciar a reunião. Ele aparentava estar desligado, mas essa aparência poderia não corresponder a verdade. Ademais, ela poderia ter gravado minhas palavras usando outro aparelho que não o celular. Procurei me despreocupar, racionalizando, mas minhas suspeitas confirmavam-se. Um tempo depois minha psiquiatra me prescreveu um estabilizante de humor, o que contrariava o trato implícito de que eu não denunciaria e em troca eles não me drogariam tanto. O próprio enfermeiro que me deu o estabilizador de humor comentou: “É, rapaz! Alta agora só ano que vem!”. Estávamos em fevereiro ainda! Um terror silencioso tomou conta de mim. E qualquer acusação que eu fizesse contra o governo naquela ocasião seria absolutamente neutralizada pela tal gravação. Se eu viesse a morrer ou se perdesse minha saúde definitivamente, o governo sairia incólume. Fui conversar com o agente 10, que se mostrara solícito quanto a minhas colocações, mas ao pedir a ele que interviesse junto à minha psiquiatra para que ela tirasse o estabilizador de humor, ele disse algo como: “Cara, todo mundo sabe que música é o melhor que tem para melhorar o humor. Eu gosto do NX-Zero”. A referência ao NX-Zero foi um modo de dizer que não teria mais que fazer nada por mim 27. *** Transferência para Saint Roman Minha esposa relutou bastante em me transferir para Saint Roman. Quando o fez, parecia estar executando uma operação de guerra, como se tomasse uma série de precauções que julgava necessárias para que alguém de Jurujuba consentisse com minha transferência. Isso era estranho, porque, ao que me consta, a transferência para outro hospício não tem que passar pela aprovação de ninguém: essa é uma decisão da família do paciente. Decidiu-se que eu seria transferido para Saint Roman. Não havia nenhuma ambulância em Jurujuba que pudesse me levar naquele momento, mas era importante que eu saísse o quanto antes. Considerou-se a possibilidade de pagar uma ambulância para me levar para Saint Roman, mas isso sairia caro. Então ficou resolvido que a transferência seria feita de táxi mesmo. Eu achei que, por estarmos saindo de táxi, poderíamos ir para onde quiséssemos. Não entendi porque não me levaram para um outro lugar, onde eu pudesse realmente ficar em segurança. Meses mais tarde eu perguntaria isso à Marcinha ou a Vanda e me responderia que não puderam fazer isso por
27 O nome NX-Zero trás três elementos de negação: o N, de não; o X, que pode ser entendido como uma censura; e o Zero, que pode ser interpretado como uma ausência, isto é, algo muito próximo de uma negação.

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estarmos sendo vigiados. Posso estar enganado, mas acho que dificilmente elas confirmariam ter dito tal coisa. *** Estadia em Saint Roman Na Casa de Saúde Saint Roman encontrei pelo menos dois espiões. Um deles era uma mulher de pele negra que disse ter 19 anos e chamar-se Angélica. Ao que parece, ela estava representando um papel. O papel de filha de Hilda Shanna. De fato, se ela tinha 19 anos, poderia ser filha de Hilda, se ela tivesse nascido em 1991, o que era plausível, apesar de Hilda poder não ter nenhuma filha dessa idade. Ela não disse que era filha de Hilda, mas agiu como se fosse. Também havia um homem negro e alto que se fez passar por marido de Hilda Shanna, apesar de ele nunca ter dito isso. Conversei com ele a sós por duas ocasiões: na primeira eu disse a ele que sabia que ele era espião e que eu não estava disposto a levar a denúncia adiante. Nessa ocasião ele também disse: “Eu só quero de volta o que você tirou de mim”. Fiquei imaginando o que eu poderia ter tirado dele, mas pensei, erroneamente (ao que parece) que ele tinha ligações com o tráfico que estava sendo escrachado pela polícia a mando do governo – e punha a culpa em mim por isso. Pouco tempo depois estávamos conversando no pátio coberto quando ele jogou, de supetão, o café quente do copo que segurava sobre um lagarto no chão e disse “Mata, mata! É um camaleão, ele muda a cor para se esconder.”, o que pode ser interpretado como uma recusa em aceitar minha “garantia” de que minhas denúncias não seriam levadas adiante. Depois de meses, já longe de Saint Roman, concluí que ele não era traficante, mas sim um agente que fazia o papel de marido de Hilda Shanna. O motivo para eles representarem esses papeis ligados a Hilda foi, presumivelmente, a tentativa de me fazer acreditar que eles poderiam assassinar Hilda como retaliação pelas denúncias que tenho feito. Também tocaram uma música de mais de 20 anos atrás no radio, uma que dizia: “...hoje eu vi um lindo negro anjo, anjo negro, lindo anjo, negra Ângela!... ” Ora, a negra Ângela da música do radio fazia referência clara a Hilda Shanna, que era negra e que poderia ser comparada a um anjo por mim, conforme se depreende de meus relatos. Havia ali um esquizofrênico internado com quem fiz alguma amizade. Ele era adepto do estudo de parapsicologia e fez algumas previsões usando um baralho comum para Ângela. Ele previu que Ângela ganharia um carro de seu namorado. Esse ex-paciente de Saint Roman tinha pele branca e cabelos escuros (ou pretos ou castanho escuro) e era fumante. Não me lembro de seu nome. Ele teve saiu de Saint Roman, mas retornou cerca de um ou dois meses depois. Um fato bastante curioso é que havia um telefone público na ala onde eu ficava (no térreo) e esse telefone foi grampeado pela ABIN ou por traficantes, de modo que eu liguei para o telefone que eu achava que era o de minha esposa (um telefone fixo de final 4070 ou 4074 que tínhamos em nossa residência na Rua Domingues de Sá, nº422) e quem atendeu foi um homem que disse que eu havia discado o número errado. Então eu redisquei o número e a mesma pessoa atendeu a chamada. Haviam várias pessoas me observando ali, pois a TV ficava bem perto do telefone. Uma dessas pessoas eu ainda não tinha visto e pela sua postura tive uma suspeita muito grande de que se tratava de alguém ligado ao tráfico ou a ABIN, ou a outro grupo com interesse em manter a ignorância da população quanto às minhas denúncias. Talvez eu tivesse me confundido quanto ao número telefônico (achando que o final do telefone era 4070 quando na verdade era 4074, ou vice-versa), mas eu não considerei isso na ocasião. Então, achei que haviam invadido minha residência, porque quando falei com o cara (do número errado(?)), ouvi vozes ao fundo gritando desesperadamente, ainda que o som dessas vozes estivesse bastante abafado (de início achei que fosse problema no Eric Campos Bastos Guedes 173 O Povo Cego e as Farsas do Poder

aparelho ou na linha ou na ligação). Nunca fiquei tão apavorado quanto naquela ocasião. Minhas pernas começaram a tremer espasmodicamente, minhas batatas da perna oscilavam para cima e para baixo, rápida e descontroladamente. Todos assistiam, incluindo aí um interno de Saint Roman chamado Marcos Urubu (Urubu era apelido). Marcos tinha um problema nos braços que fazia com que eles ficassem em posições não usuais, particularmente, suas mão ficavam em posições impróprias. Marcos era canhoto e torcedor “fanático” do Flamengo, além de ter pele branca. Liguei para a polícia militar (número 190), e disse que minha casa poderia ter sido invadida. Eles perguntaram meu nome completo, o nome do texto com minhas denúncias (“O Povo Cego e as Farsas do Poder”), o endereço de minha residência, o nome completo de minha esposa etc. O que eu não sabia era que eu não estava falando com a polícia militar, como seria de se esperar ao ligar 190. Observei que o sujeito que eu presumira ser agente da ABIN (ou estar de algum modo trabalhando para ela, direta ou indiretamente), vertia lágrimas pelos olhos. Eram lágrimas que ele aparentava estar segurando muito para não se deixar tomar pela emoção. Ele estava sentado bem perto do telefone em que eu falava e todos os demais estavam atrás dele, de sorte que talvez só eu tenha visto suas lágrimas. A polícia desligou o telefone quando me perguntaram onde eu estava naquele momento e eu disse que estava numa clínica psiquiátrica. Liguei de novo para a polícia e perguntei se houvera alguma ocorrência naquela noite perto de meu endereço (R. D. De Sá, 422) e eles disseram que não. Liguei uma vez mais para a polícia para me certificar de que estava tudo bem e para dizer que se algo fosse feito contra minha esposa ou meu filho, o culpado seria o governo Lula. Então a atendente falou: “Nós não desculpamos ninguém” e desligou o telefone na minha cara. Pensei que eu não estava tratando ali diretamente com o pessoal da ABIN, mas sim com o crime organizado. E criminosos podem ser fisicamente muito violentos, o que me deixou desesperado. O sujeito que havia vertido lágrimas discretamente se levantou e retirou-se do recinto. Eu fui atrás dele e lhe disse: “Eu sei que você trabalha para o tráfico. Por favor, diga a seu chefe que não mate minha família. Vocês não precisarão matá- los, porque hei de tirar minha própria vida em, no máximo, 10 dias!” Ele disse que comunicaria isto ao seu chefe. Ele sumiu por algum tempo. Minha esposa entrou em contato comigo poucos dias depois e fiquei muito aliviado ao saber que nem ela, nem meu filho haviam sido reféns ou sofreram qualquer ameaça ou sequestro de quem quer que fosse (segundo ela me disse). Parece que fora vítima de uma armação psicológica. Um outro paciente, conhecido como seu Pedrinho, veio falar comigo dois dias depois: “Você pensa que as pessoas são que nem máquinas de ligar e desligar? Quer saber o que aconteceu? Deu no jornal de ontem! Acharam um anjinho de ferro no matagal...!” Presumi que talvez tivessem matado uma criancinha para me sensibilizar e me fazer parar as denúncias. Essa tese acabou sendo reforçada por uma enfermeira de pele negra que eu conhecera na minha internação anterior em Saint Roman. Durante o almoço, quando eu estava de costas para ela, ela falou bem alto em minha direção: “ Foi culpa sua!”. Ela parecia bem zangada. Apesar de uma armação psicológica já estar se delineando, eu acreditava que teria de cumprir o trato de me suicidar, caso contrário, pensava eu, Marcinha e Sólon corriam o risco de serem mortos. Tentei cortar meu pulso com uma faquinha de plástico (somente tínhamos acesso a facas de plástico em Saint Roman), mas sem êxito (tenho as marcas em meu pulso esquerdo para comprovar). Tentei também morrer de sede ou inanição, privando-me de água e alimentos. Passei algum tempo relutando muito em me alimentar, coisa que as pessoas de Saint Roman logo me dissuadiram de fazer (a fome estava me incomodando muito e eu era obrigado a tomar alguma água junto com os comprimidos). Quando estava terminando o prazo de 10 dias para me matar, uma espiã (esqueci de Eric Campos Bastos Guedes 174 O Povo Cego e as Farsas do Poder

mencioná-la antes, eram três secretas pelo menos, então) jovem, bonita, de pele branca e bem articulada passou a comentar consigo mesma, mas perto de mim, sem dirigir explicitamente esses comentários a ninguém: “quem joga, jogou... quem joga, jogou...” – é claro que seus comentários se dirigiam a mim! Era uma crítica a meu comportamento, informando que ela achava que eu estava jogando, isto é, fingindo que estava disposto a me matar para tentar livrar minha esposa e meu filho. Quando o prazo já estava bem perto do fim, decidi que tentaria tomar chumbinho (eu já havia pedido um pouco de chumbinho ao agente negro numa conversa que tive a sós com ele no pátio descoberto da Saint Roman – ele chamara minha atenção para todas as pessoas que estavam no pátio e que poderiam estar filmando nossa conversa; ele disse “olha só quanto federal filmando nossa conversa; eu jamais poderia te dar chumbinho. Dar chumbinho para o Eric? Jamais.”). Não consegui morrer nem de sede, nem de fome, tampouco consegui cortar meu pulso, então decidi conseguir algum chumbinho (por duas ocasiões eu bebi o detergente que a faxineira trazia em seu carrinho, mas fui detido a tempo e não senti nada demais – não me lembro se o motivo para isso estava diretamente relacionado a proteção de minha esposa e meu filho ou se o motivo era fugir de uma suposta morte sob tortura nas mãos do tráfico) e para conseguir esse chumbinho teria que sair de Saint Roman. Eu sabia da existência de uma certa alta administrativa que me possibilitaria a saída antecipada de Saint Roman. Para ter a alta administrativa eu teria que mostrar, por meio de ações, que eu não estava disposto a me tratar lá. Eu achava que ter uma atitude absolutamente violenta e louca poderia me fazer parar no Pinel, ou sofrer eletroconvulsoterapia (ECT) ou, ainda muito pior, ser lobotomizado (a lobotomia é uma cirurgia que, apregoando a cura de doenças mentais – da esquizofrenia em especial – secciona nervos cerebrais do paciente e prejudica sobremodo o funcionamento do lobo frontal – sede do pensamento abstrato e da capacidade de planejamento, entre outras coisas – fazendo com que o paciente lobotomizado seja um retardado mental incapaz de trabalhos intelectuais de vulto; eu acredito que a garota alemã Anneliese Michel, de quem se diz ter sido possuída por demônios (o caso de Anneliese Michel inspirou o filme “O Exorcismo de Emily Rose”, onde a protagonista Emily correspondia a Anneliese Michel na vida real) fora, na verdade, submetida a uma lobotomia, fato(?) este que ainda não confirmei cabalmente e, em minha opinião, fora essa lobotomia a responsável pela manifestação demoníaca; mas se se divulgasse a lobotomia de Anneliese Michel, ficaria claro que tal prática pode desencadear possessões demoníacas, o que colocaria a Igreja Católica (e outras!) e o Sistema Psiquiátrico num ringue em que o grande perdedor seria a cúpula de poder que domina o mundo... é claro que a lobotomia de Anneliese Michel nunca poderia ser amplamente divulgada! (supondo que ela aconteceu de fato). Mas tudo isso (lobotomia, internação no Pinel e eletrochoques) eu considerava pior que a morte e não queria nada disso para mim. Então tentei uma atitude não tanto violenta e não tanto louca: num golpe quebrei minha cama e me dirigi até a saída da clínica onde tentei por a porta transparente abaixo na base da força bruta. Foram ver o que estava acontecendo e eu disse agressivamente que queria queria falar com a psiquiatra de plantão. Ela veio e eu disse rudemente a ela que queria a alta administrativa, e ela respondeu que sim, que iria buscar os papeis e que nesse meio tempo eu deveria ir até meu quarto com os enfermeiros. Eu fui amarrado na cama e não tive alta nenhuma. Tomei uma injeção de haloperidol e umas duas horas depois me desamarraram. Eu disse a mim mesmo que fizera tudo que estava a meu alcance. Desisti de me matar e com o passar dos dias, vi que não aconteceu nada com Marcinha nem com Sólon. Fui vítima de uma armação psicológica, novamente. Havia em Saint Roman uma razoável biblioteca e eu passava boa parte de meu tempo lendo. O título de um livro me chamou a atenção: “O Mais Importante é o Amor”. Ao Eric Campos Bastos Guedes 175 O Povo Cego e as Farsas do Poder

tomar este livro em minhas mãos e abri-lo, tenho uma agradável surpresa: trata-se de uma edição do Novo Testamento. Passei várias semanas lendo os quatro evangelhos canônicos – Mateus, Marcos, Lucas e João – que me enlevavam com a graça e a verdade da vida do Cristo. Uma coisa me preocupava, entretanto. A leitura mostrava-se cada vez mais difícil. Apesar de as letras da obra terem um tamanho perfeitamente razoável, uma dificuldade paulatinamente maior se impunha à leitura. No início, pus a culpa na nova medicação que estavam me dando (Leponex/Clozapina). Mas também notei que meu pensamento estava um tanto atrapalhado, o que me dificultava a elaboração de argumentos e textos pequenos. A cisticercose mostrava sua face sombria. Apesar do dano incipiente que a cisticercose causava em meu cérebro, cheguei a escrever textos que poderiam ser considerados muito bons. Ao compreender que um dos internos de Saint Roman mudara o modo de me tratar para muito pior (esse interno sofria de distúrbio bipolar, exercia a advocacia com algum sucesso, era casado, mais baixo que eu, pele branca e sua esposa o visitou algumas vezes – certa vez ele se levantou de seu lugar no grupo terapêutico e desafiou outro interno para uma briga; contudo, via-se por sua fisionomia e entonação de voz que não era aquele um ato beligerante, mas uma grande piada; não houve briga alguma, até porque não era isso que ele queria), escrevi um texto intitulado “Nunca fui pedófilo”, que me foi subtraído, presumivelmente por minha mãe Vanda, durante uma minha internação subsequente. Vou tentar esboçar abaixo o texto que escrevi na época: Nunca fui pedófilo Minha esposa fez amizade com uma mulher chamada Greiciane. Ela passou a frequentar nossa casa e acabamos trazendo Greice para morar conosco. Nossa amiga tinha um filho chamado Luiz Antônio, com 3 anos de idade na época. Naquela época eu e minha esposa não tínhamos filhos, acabei por acolher Luiz Antônio como o filho que eu tanto queria. Eu o tratava com muito respeito e com muito amor. Comprei para Luiz Antônio um brinquedo de madeira que servia para ensinar os números. A tardinha, costumávamos brincar com as peças de numeradas de madeira. Também fiz download de jogos educativos para Luiz Antônio e o deixava se divertindo no computador com esses jogos, que exercitavam a memória, o raciocínio e conceitos como o de maior e menor, mais e menos etc. Luiz Antônio foi o filho que eu ainda não havia tido. Mas Greiciane não era tão amiga assim e parecia estar mais interessada nas vantagens que tinha ao frequentar nossa casa. Greice morava em São Gonçalo e, aparentemente, poderia ter permitido que se espalhasse o boato falso e infame de que eu teria abusado sexualmente de Luiz Antônio. Nunca faria tal coisa com Luiz Antônio, eu o amava e respeitava profundamente. Em linhas gerais, o texto que escrevi na época era próximo deste. Note o leitor que não mencionei que o boato talvez (ou até provavelmente) tivesse partido de minha mãe. Na verdade eu achava muito mais crível que a infâmia caluniosa tivesse partido de minha mãe, a partir de um texto dela que chegou às minhas mãos por acaso e que incluirei no final da presente obra. Mas dizer que tal calúnia infame partira de minha própria mãe seria, talvez, algo bastante difícil para o advogado admitir como verdadeiro. Por outro lado, mesmo com evidência em contrário, Greice poderia ter culpa no cartório. Quando o advogado bipolar leu o texto, comentou: “Isso me fez lembrar de um sobrinho meu que criei até os 11 anos e que depois preferiu ir morar com o pai ”. A partir do dia seguinte o advogado passou a ter a postura oposta com respeito a mim. De grande antipatia, passou a manifestar muita simpatia. Era como se a simpatia que passou a sentir tentasse desculpar o mal juízo que ele fizera a meu respeito. Eric Campos Bastos Guedes 176 O Povo Cego e as Farsas do Poder

GOSTARIA

DE

FRISAR

QUE,

PROVAVELMENTE,

GREICE

NÃO

FOI

A

RESPONSÁVEL PELO BOATO FALSO E DESONROSO QUE SE ESPALHOU, MAS

VANDA. NA MENOS CLARO PARA TODOS.
SIM MINHA MÃE

PARTE FINAL DESSA OBRA ISSO FICARÁ MAIS OU

Doutora Tatiana foi minha psiquiatra em Saint Roman. Ela era bela, branca, magra e tinha tênues vestígios de uma cicatriz no rosto que, longe de a enfeiar, a tornava mais interessante. Nas duas ou três primeiras consultas que tivemos em Saint Roman ela me tratou com sincera afeição e interesse em meu bem estar. Nas consultas seguintes, percebi que ela tomara conhecimento da infâmia calunia sobre minha pessoa, porque essa psiquiatra mudou para muito pior seu tratamento para comigo. Passou a usar de sutil ironia ao me consultar e a falar coisas que eu sabia não serem verdadeiras, como, por exemplo, ser a perseguição que eu estava sofrendo um delírio decorrente de minha esquizofrenia. Quando disse a ela que estava sofrendo de cisticercose e que precisava fazer o quanto antes um tratamento com o vermífugo Cestox/Praziquantel, ela respondeu ironicamente: “Meu querido... você precisa entender que sua doença é a esquizofrenia. É ela que está fazendo você sofrer. Mas essa doença tem tratamento e esse tratamento é a medicação.” Nessa ocasião eu havia pedido para que Marcinha que ela providenciasse o Cestox/Praziquantel para que eu fizesse o tratamento. Achei que ou Márcia traria o remédio, ou Tatiana o providenciaria. Mas parece que, ao dizer a Tatiana que eu precisava do Cestox, somente passei uma informação ao exército inimigo – e Marcinha ficou sabendo disso. Na próxima vez que eu falei com Marcinha ela disse: “Eu comprei o remédio, mas não vou levar para você não”. Tatiana foi frontalmente contra meu necessário tratamento com o Cestox. Eu havia dito a ela que o tratamento com Cestox/Praziquantel deveria ser feito (para uma pessoa com cerca de 80kg, que era o meu caso) com 4 comprimidos 3 vezes ao dia durante 3 dias seguidos – e após uma semana ou dez dias deveria-se repetir isso: uma segunda e última seção de 4 comprimidos 3 vezes ao dia durante 3 dias seguidos (na verdade isso não estava totalmente correto, o certo seriam 4 comprimidos de 12 em 12 horas por três dias seguidos, depois uma pausa de 7 ou 10 dias, seguida por mais uma seção de 4 comprimidos de 12 em 12 horas por 3 dias seguidos – eu não me lembrava bem como havia feito o tratamento contra cisticercose antes). Tatiana nunca havia prescrito o praziquantel e não fazia ideia de qual seria a posologia do Cestox/Praziquantel para o tratamento da cisticercose. Haviam outras patologias cuja dose e modo de usar estavam claramente explicitadas na bula do Cestox, mas não havia na bula nenhuma indicação de como e em que dose usar o praziquantel para tratar a cisticercose. Por sorte eu já havia me informado sobre isso antes. Eu insisti muito com Drª Tatiana para que ela usasse o Cestox para eliminar qualquer suspeita de cisticercose, mas ela não consentia. Cheguei a procurar a médica clínica para pedir a ela que solicitasse meu tratamento com o praziquantel. Falei com ela por duas ou três vezes e por fim, ficara a médica clínica da Saint Roman de conversar com Tatiana para perguntar a ela se se poderia ministrar o praziquantel em mim. Fiquei com esperanças, mas a médica clínica de Saint Roman me disse, dias depois que Tatiana havia contra indicado o uso do praziquantel em mim por, disse ela, achar que havia risco do praziquantel interagir com os outros remédios que eu estava tomando e prejudicar, assim, meu tratamento psiquiátrico. Matar é, principalmente, Eric Campos Bastos Guedes 177 O Povo Cego e as Farsas do Poder

a arte de deixar morrer. Mesmo assim, consegui que minha família assinasse um termo no qual pediam que se fizesse o tratamento com o Cestox em mim e esse mesmo texto eximia Drª Tatiana de qualquer culpa por um eventual dano que eu pudesse ter tido com o Cestox. Então Tatiana “concordou” em me tratar com o Cestox/Praziquantel, mas não com a dose e posologia que eu pedia, mas sim durante somente 1 dia e numa dose muito menor do que a que eu necessitava. Durante esse “tratamento”, minha cabeça parou de doer o tempo todo (dor de cabeça é um dos sintomas da cisticercose e, por acaso, em toda minha vida eu tinha tido muito pouca dor de cabeça), mas após uns dois ou três dias, voltou a doer como antes. Ora, a supressão momentânea de minha dor de cabeça sugeria que era aquele mesmo o remédio que eu tinha que usar, enquanto o retorno da dor de cabeça indicava que o tempo de tratamento e/ou dose havia sido insuficiente. Os problemas devidos a cisticercose pioravam dia após dia. Eu precisava mesmo do praziquantel – e na dose e posologia corretas. Convenci Marcinha a me trazer os comprimidos escondidos na roupa, em sua próxima visita. Quando ela veio, não havia trazido meu remédio porque havia tido um sonho que interpretou como sendo um aviso de que seu pequeno contrabando de fármacos para meu tratamento seria descoberto. E de fato, naquele dia houve uma revista minuciosa dos visitantes. Se Márcia tivesse trazido os comprimidos de praziquantel naquele dia, seria descoberta e suas visitas a mim correriam o risco de serem suspensas. Ela levou o Cestox/Praziquantel para mim em sua visita seguinte, dentro de um frasco de polivitamínicos. Fiz o tratamento com o receio de que a qualquer momento um enfermeiro pudesse abrir a porta de meu quarto de surpresa e me pegar no pulo, com o frasco na mão. Por sorte isso não aconteceu, e pude fazer os três primeiros dias de tratamento com o Cestox do modo que eu sabia que iria funcionar. E funcionou. Por coincidência ou não, uns dois ou três dias depois que terminei meu tratamento com o praziquantel, houve uma revista minuciosa de todos os pacientes internados. Todos os nossos pertences foram verificados e tivemos de tirar toda a roupa para impedir que escondêssemos coisas. Foi um pouco constrangedor, mas eu já havia terminado meu tratamento com o Cestox/Praziquantel e não tinha mais nada a esconder. Minha cabeça parou de doer e a dor não voltou mais. No entanto a visão parecia não ter melhorado. Pensei que precisaria de tempo para meu olhos voltarem ao normal, e estava certo. Alguns meses depois minha visão estava praticamente boa novamente (minha visão, ao ser examinada uns cinco anos antes por um oculista do Hospital de Olhos, em Niterói, foi dita ser ser excelente – nas palavras do oculista eu estava vendo “até o que não devia”, o que o presente livro mostra ser verdade num segundo sentido: eu podia ver até a conspiração que não se mostrava aos olhos despreparados). Meu cérebro também parece não ter sido seriamente afetado, pois não desenvolvi a demência que caracteriza a neurocisticercose. A Drª Tatiana acabou marcando minha alta e seis meses após ter posto fogo em minha casa, acabei livre novamente. Meu maior medo era o de ser raptado ou fuzilado pelo crime organizado enquanto estivesse ainda no táxi, a caminho de um lugar mais seguro. *** Um lugar mais seguro Fomos eu, minha mãe e minha esposa de táxi para Araruama. Vanda alugou dois imóveis. Um apartamento para Márcia e Sólon e uma quitinete para mim. Tratei de reduzir e em Eric Campos Bastos Guedes 178 O Povo Cego e as Farsas do Poder

seguida suprimir o uso dos “remédios” que me foram prescritos. Passei a ter uma insônia violenta e fiquei uns cinco dias praticamente sem dormir. Eu já havia voltado a praticar caminhada e passara a alternar caminhada e corrida. Mesmo assim, a insônia persistia. Eu sabia, entretanto, que ela cederia em algum momento e que eu voltaria a dormir bem sem o Leponex/Clozapina e demais drogas psiquiátricas. Mas sentia grande impaciência ao sair de minha quitinete. E tinha de sair todos os dias para almoçar e jantar no apartamento de minha esposa. Me davam muito pouco dinheiro. Tentei acreditar que após pagar o aluguel, o condomínio e a conta de água de e luz dos imóveis que eu e Márcia ocupávamos, sobrava muito pouco para mim. A falta de grana estava me dando nos nervos, porque eu não tinha um computador em meu lar onde eu pudesse trabalhar em meus projetos (inclusive neste texto); não tinha como escolher o que comer, já que não tinha como fazer compras no supermercado; precisava pedir o meu dinheiro, de minha pensão para comprar até coisas muito baratas, como cadernos, canetas, papel higiênico e sabonete. Acabei descontando em Vanda. Ligava para ela e perguntava insistentemente porque ela havia destruído minha vida; porque ela havia mentido para mim ao dizer que meu irmão Winter obtivera o 224º lugar no concurso que fizera e não o 225º lugar, que foi sua classificação verdadeira; porque ela me deixara mofar em Jurujuba em minha primeira internação lá (em 2008); porque ela me deixara quase dois meses em Jurujuba, sofrendo nas mãos de meus inimigos, antes de pedir minha transferência para o conforto de Saint Roman; porque ela não fizera minha matrícula na UFF no início de 2009, fazendo com que eu perdesse uma vaga que já havia conquistado na prova do vestibular; porque Vanda afirmou por várias vezes ter feito minha matrícula na UFF (em 2009), quando na verdade não fez matrícula alguma; porque ela escrevera um texto sugerindo mentirosamente que eu tivesse abusado do pobre Luiz Antônio, que na época tinha 3 anos de idade, e depois disse que nunca escreveu tal texto; porque ela pedira em texto, em semelhança de um diário, que Deus tirasse a “fumaça” de minha cabeça, sugerindo claramente que eu tivesse usado, em algum momento de minha vida, algum tipo de droga ilícita (maconha), quando ela sabe muito bem que jamais usei tóxicos (eu nunca fumei sequer cigarros comuns, tampouco fiz uso de bebida alcoólica em toda minha vida); porque ela consentiu com o assassinato de sua própria mãe, ao permitir que Vera drogasse Dermontina até a morte. Minha mãe Vanda foi de uma desfaçatez digna do mais cínico político brasileiro. Negou tudo, inventou, distorceu a verdade. Se ela tivesse me dito a verdade, eu a teria perdoado. Tudo que eu queria era perdoá-la, mas para isso era necessário que eu compreendesse sua atitude, era necessário que eu entendesse com que propósito Vanda procedeu dessa forma. Eu expliquei isso a ela, disse que não conseguiria perdoá-la se não entendesse a motivação para seus atos. Ela preferiu não me dizer a verdade e isso impediu que eu a perdoasse. Vanda queria que eu a odiasse, pois assim se sentiria superior a mim de algum modo. Isso também me tornaria imperfeito, na medida em que a incapacidade de perdoar é uma restrição forte a qualquer tentativa de aproximar-se de Deus. Parece haver aí uma verdade importante. Muitas vezes, ao exercermos nosso direito de negar aos demais a compreensão de nossos atos, passamos a ser odiados por aquelas pessoas. Mas o ódio, a raiva e a falta de perdão são penosos justamente para quem os possui! Aquele que odeia tem sua inteligência limitada por esse ódio; quem sente raiva terá sua perspicácia reduzida em relação a quem está em paz; quem sente rancor é o maior prejudicado pelo rancor que sente... então, provocar o ódio, a raiva e o rancor em pessoas e grupos humanos por quem sentimos antipatia é um meio de nos sentirmos superiores a eles! Essa tática parece ser uma espécie de “arma secreta” de alguns grupos religiosos. A experiência que tive me mostrou que esse recurso é usado por alguns religiosos numa tentativa de afastar da presença de Deus qualquer um que seja capacitado o suficiente para decifrar toda a perversidade oculta em seus Eric Campos Bastos Guedes 179 O Povo Cego e as Farsas do Poder

sistemas de atuação. Incluindo aí qualquer potencial candidato a salvador da humanidade. Algumas pessoas precisam ter a certeza de que Cristo não voltará, porque, se voltar, não precisaremos mais de um papa e todas as autoridades cristãs, todos os bispos e pregadores, líderes religiosos e missionários, deverão obedecer ao Cristo que voltou. E com retorno de Cristo, todas as igrejas cristãs deverão ser unificadas sob a liderança do filho de Deus. O diabo fará de tudo para postergar cada vez mais a vinda de Cristo, como já está fazendo há muitos séculos. E para isso conta com a ajuda de todos os líderes fariseus, conta com a ajuda de todas as religiões farisaicas para destruir a vida ou a reputação de qualquer bom candidato a ser o escolhido de Deus para salvação da humanidade. O propósito de Cristo é a salvação, a ressurreição dos mortos e a completa vitória sobre a morte. É a partir dessa vitória que se estabelecerá a paz, o amor e a felicidade entre todas as pessoas. O diabo ostenta poder e aparenta confiança, mas sabe que se a morte for vencida, nada poderá impedir que a verdade prevaleça. Então sua mentira ficará evidente a todos e ele sucumbirá. Isso o assusta. A estratégia do diabo é manter a mentira, manter a farsa. Mas o Cristo é a própria Verdade!, e por isso o demônio precisa silenciá-lo. Não é difícil concluir que a ausência de Cristo poderá levar a humanidade a atolar-se no próprio lamaçal das mentiras em que tem acreditado. Quando a grande tribulação se abater sobre toda a humanidade, no que se poderia chamar de fim do mundo, a mortandade será tão terrível que a civilização passará a contar o tempo a partir de algum acontecimento notável da nova era em que estamos prestes a ingressar. *** Vanda: a chefe da quadrilha de raptores Vanda aproveitou que eu pedira insistentemente meu cartão bancário a ela para me preparar uma armadilha. Ela disse que eu poderia pegar meu cartão bancário no apartamento dela. Com o cartão, poderia sacar eu mesmo o dinheiro de minha pensão e tomaríamos eu e Marcinha as rédeas de nossas vidas. O motivo para eu querer tomar conta de meu próprio dinheiro é bem claro: Vanda já mostrara que não se importava com minha segurança – sequer se importou com a de sua mãe! – e ao me furtar cerca de R$5.500 durante minha primeira estadia em Jurujuba, confirmara cabalmente que a honestidade que busca é a que tão somente pode ostentar como medalha em sua reputação. Na entrada do bloco de apartamentos do prédio de Vanda, fui imobilizado por um brutamontes de 1,95m, com músculos superdesenvolvidos e tive as mãos e pés amarrados por outro cara. Me levaram amarrado para o carro de um terceiro sujeito, que me esperava no estacionamento do prédio de minha mãe. Os três dirigiram comigo amarrado por muitos e muitos quilômetros, até a Clínica Ego, em Tanguá. Lá, Vanda me aguardava no escritório do Drº João Henrique Pinho Maia. Durante todo o trajeto que fizemos até a Clínica Ego, permaneci calmo. Também no momento em que fui amarrado não esbocei resistência e também no consultório de Drº João estava tranquilo. Ora, eu já não fazia uso de medicações psiquiátricas a várias semanas e foi exatamente por ter aprendido a manter o controle sem drogas psiquiátricas que não me desesperei e não me enraiveci naquela situação. Perceber isso fortalece a tese de que eram precisamente as drogas psiquiátricas que me mantinham refém de meus instintos e propenso a acessos de fúria e descontrole.

Eric Campos Bastos Guedes

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O Povo Cego e as Farsas do Poder

*** Internação na Clínica Ego Na clínica Ego reencontrei meu amigo Ricardo Urquiza Allemand, que me cumprimentou efusivamente. Ele já estava internado há cerca de 3 anos, direto. Ficou muito contente ao me ver, mas eu não estava nada satisfeito com essa minha situação. *** Rogério Jorge Em minha passagem pela Clínica Ego, conheci um senhor de idade chamado Rogério Jorge, um evangélico muito religioso que gostava de cantar vários hinos cristãos em seu violão. A princípio Rogério Jorge tinha verdadeira ojeriza por minha pessoa. Ele dizia que eu pensava que era Cristo. Em parte, ele tinha razão. Por mais que Rogério Jorge expressasse sua grande antipatia por mim, cada vez que o ouvia cantar, eu exultava acreditando que os hinos eram para mim mesmo. E não é maravilhoso quando alguém canta hinos para glorificar tudo em que acreditamos? Eu me sentia muito bem com os hinos de Rogério Jorge. *** Célio Murilo Azeredo Bacelar Ou era agente da ABIN ou era algum tipo de psicopata. Não mostrou estar se aproximando de mim, em vez disso agiu de modo que eu me aproximasse dele. Jogamos muitas partidas de xadrez e eu venci todas elas, mas não sem esforço. Ter vencido com esforço me fez acreditar que ele não estava a me favorecer facilitando minhas vitórias, mas isso poderia não ser verdadeiro. Ele disse admirado sobre meu jogo “O negócio é que você não comete erros”; disse isso quando eu já havia ganho várias partidas dele e o disse de modo aparentemente muito sincero. Ele me disse que havia iniciado a faculdade de psicologia anos atrás, mas que jamais concluíra; disse que o reitor o elogiou muito e que pediu para que ele não trancasse a matrícula, por, presumivelmente, o considerar muito bom. Essa era um pouco de minha história também, só que não em psicologia, mas sim em Matemática. Célio era mais alto que eu, tinha pele branca e era bastante inteligente. Eu estava me identificando muito com ele e até considerei seriamente a possibilidade de morarmos sob o mesmo teto para cada um evitar que o outro voltasse a ser internado. Célio atribuía a responsabilidade por ele estar ainda ali à sua família que, segundo ele me fazia crer, estava sendo injusta com ele. Seu irmão veio visitá-lo e me disse em particular que Célio não estava dizendo toda verdade, pois fora o próprio Célio o responsável por estar internado ali, já que, segundo o irmão, ele havia posto abaixo a casa de sua própria tia. Quando o irmão de Célio já estava indo embora, ocorreu algo que me fez mudar de ideia quanto a Célio Murilo Azeredo Bacelar: ele pediu um maço de cigarros ao irmão e esse mesmo irmão deixou o maço de cigarros cair no chão, como se Célio fosse o responsável pela queda. O verbo “caiu” apareceu forte em minha mente. Mas eu pensei: “Quem caiu?” Não precisei pensar muito para entender que eu é que estava caindo na armadilha dos secretas da ABIN... de novo! Ah!... dessa vez não, violão! Eu já estava bem calejado após passar por tantas armações da ABIN, e daquela eu me livrei, porque percebi o que estava acontecendo. Depois disso, não pus Célio de lado, Eric Campos Bastos Guedes 181 O Povo Cego e as Farsas do Poder

continuei a jogar xadrez com ele e a conversar, mas passei a encará-lo de modo diverso. Mantive minha amizade a uma distância respeitosamente segura, sem cogitar qualquer amizade mais profunda que se estendesse para além da Clínica Ego. *** O assaltante internado Teve um sujeito com quem joguei uma ou algumas partidas de dominó. Ele disse que participara de um assalto a banco famoso. Famoso porque fora noticiado no telejornal. Não duvidei, porque ele parecia não estar brincando e também aparentava conhecer bem o mundo do crime e das cadeias. Tive receio de que a ABIN o pudesse utilizar para me assassinar. Já que ele devia ter mortes nas costas, não seria tão suspeito se ele me assassinasse. Apesar de tudo, o cara era gente boa. A diferença entre um cidadão de bem e um criminoso acaba se diluindo na clausura da clínica psiquiátrica. *** O outro agente da ABIN No início de minha internação, eu tomei conhecimento de um outro agente da ABIN. Quando comentei com meu amigo Ricardo Urquiza Allemand sobre aquele rapaz um agente da ABIN, ele respondeu “Ele não é agente não, Eric. Já esteve internado aqui outras vezes; a mãe dele é que trás ele para cá”; então perguntei: “Mas o que é que ele tem, afinal? Qual o problema dele, para vir se internar aqui?”; Ricardo respondeu: “Acho que é depressão”; mas o rapaz não parecia ter depressão alguma. Na verdade, parecia não ter nenhum problema que pudesse ser interpretado como problema mental. Também não apresentava nenhum dos traços característicos de sequelas por drogas psiquiátricas: nenhum sinal de tiques nervosos, nem de alteração no comportamento, nem seu discurso havia sido afetado pelas drogas, tampouco sua fisionomia, olhar e semblante mostravam qualquer vestígio de discrepância em relação ao que é considerado normal. Para mim, ele era da ABIN. E eu saber que ele era da ABIN me fez concluir que um dos trunfos desses agentes é justamente eles simularem muito bem fazer parte de certas comunidades 28. Isso faz parte da estratégia de dissimulação deles. O grupo que integram não pode suspeitar que se tratam de agentes infiltrados, pois isso dificultaria sobremaneira o trabalho desses agentes. Quando alguém diz “Eles estão entre nós” costumamos interpretar isso como uma referência ao mito da presença de alienígenas disfarçados de humanos e infiltrados em nossa civilização que viveriam, aparentemente, do mesmo modo que qualquer outro ser humano. Ora! A frase “Eles estão entre nós” deveria ser interpretada do modo correto: uma referência clara aos agentes secretos infiltrados nos mais diversos grupos humanos. É pelo menos um milhão de vezes mais plausível acreditar em agentes secretos
28 Por exemplo, em Jurujuba, tanto S1 quanto S2 já haviam se internado no HPJ um sem número de vezes, o que fazia com que cada nova internação deles fosse considerada absolutamente normal; segundo exemplo: quando me internei em Jurujuba pela segunda vez, encontrei lá um sujeito que havia jogado xadrez comigo numa internação anterior nesse mesmo hospício – e eu já sabia que ele era da ABIN; 3º exemplo: em minha segunda estadia em Saint Roman encontrei outro sujeito com quem eu havia jogado várias partidas de xadrez em minha internação anterior lá – na época eu não sabia que ele era agente, mas ficou claro para mim que ele era agente sim, por ter tido a mesma atitude do agente do segundo exemplo. Um 4º exemplo de agente infiltrado talvez possa ser dado por Leomir, que aos olhos da população de Santa Maria de Campos era só mais um habitante da pacata localidade, apesar de eu desconfiar bastante de que se trata de um agente infiltrado, fazendo-se passar por habitante comum.

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infiltrados do que em seres extra-terrestres nos visitando e vivendo incógnitos em nossa sociedade. Esse mito sobre extra-terrestres talvez tenha levado pessoas muito inteligentes a pensarem estar sendo vítimas de uma tal raça alienígena, quando na verdade um complô totalmente humano e levado a cabo pelo serviço secreto é que os estava fustigando. Serem induzidas a atribuir a causa de seus problemas à seres extra-terrestres fazia com que se afastassem da verdade e fossem completamente desacreditadas e até internadas em clínicas psiquiátricas – um exemplo disso pode ser dado pelo do matemático americano John Nash, agraciado com o prêmio Nobel de Economia e que fora internado e torturado em hospitais psiquiátricos. Um dos motivos para sua internação ser amplamente aceita por todos talvez tenha sido o Sr. Nash ter considerado muito seriamente a existência de seres extra-terrestres infiltrados na sociedade. Como bem o expliquei, tratava-se, provavelmente, de agentes secretos. Mas voltemos ao outro agente na clínica EGO. Me propuseram que eu mudasse para outra enfermaria, muito mais confortável do que a que eu ocupava, que era realmente muito barulhenta. A nova enfermaria ficava na ala dos toxicômanos e antes de aceitar qualquer mudança, pedi para conhecer o novo local para onde eu deveria ir. Eu me surpreendi ao ser informado que ficaria no mesmo quarto que o tal sujeito que eu sabia ser agente. Pedi para falar, longe do agente, com o funcionário responsável por minha transferência. Eu disse: “Olha, eu até quero mudar de quarto, mas não quero ficar com aquele cara não”; o funcionário da EGO me perguntou: “Porque? Você está desconfiado de seu novo companheiro de quarto?”; pensei comigo mesmo que admitir que eu estivesse “desconfiado” poderia ser interpretado como um sintoma de esquizofrenia, o que poderia justificar um aumento da dose de meus “remédios” e eu não queria isso. Respondi então: “Não estou desconfiado dele não... mas veja bem: eu não sei quem ele é, e não parece ter problema nenhum, nem problema mental nem problema com drogas. Todo mundo que está internado tem um motivo para isso. Uns tem comportamento alterado, outros não dizem coisa com coisa, tem gente com problema com drogas e outros foram mais ou menos abandonados na clínica por seus responsáveis... mas qual o problema desse rapaz? Eu não vejo nenhum! Ele não aparenta ser usuário de drogas e também parece contar com a compreensão de sua mãe... então, o que é que ele está fazendo aqui? Porque ele foi internado aqui na EGO? Eu não sei!” ao ouvir esse meu discurso, o funcionário da clínica comentou: “É!... Positivo e operante!”, palavras que devem ter algum significado técnico mais ou menos preciso, pois já ouvira esses termos antes, em Jurujuba. O funcionário procurou outro quarto para mim naquela mesma ala e encontrou um que estava vazio. Fiquei nele e foi ótimo, pois era silencioso e me proporcionava muita privacidade. *** A carta de “perdão” No desespero surdo da internação na EGO, escrevi uma carta para Vanda onde disse que a perdoava e que não queria mais acusá-la ou fazer qualquer denúncia. Vanda havia posto dois pacotinhos de lenços de papel Softy's, com 15 lenços cada, junto com as roupas, toalhas e sabonetes que me levaram. Era um modo sutil e irônico de dizer que agora eu podia chorar... Como eu poderia perdoar tal malícia? Inclusive, a tal carta que escrevi foi, presumivelmente, furtada por Vanda que talvez a queira utilizar para tentar se proteger de qualquer acusação que eu venha a levantar contra ela. Recorrer a uma carta de “perdão” escrita sob o domínio coercitivo de uma internação psiquiátrica é como Eric Campos Bastos Guedes 183 O Povo Cego e as Farsas do Poder

arrancar sob tortura a confissão de um inocente. Afinal, eu talvez precisasse da “compreensão” de Vanda para sair da clínica EGO. Escrevi a carta para tentar fazer com que Vanda me tirasse o quanto antes daquela prisão. *** Saída da Clínica EGO e textos furtados Minha esposa Márcia acabou me tirando da Clínica EGO. Fiquei “só” uns vinte e um ou vinte e dois dias lá. As infames calúnias escritas por meu irmão já estavam chegando ao conhecimento de algumas pessoas da clínica EGO e eu passara a ser destratado por algumas pessoas. Uma servente colocou uma quantidade um pouco menor de comida em meu prato e eu reclamei. Ela respondeu: “É isso aí mesmo, a conta está certa!” – A expressão “a conta está certa” não era usual naquela situação, e a referência a uma certa “conta” nos remete facilmente à Matemática, a ciência que tanto amei em minha infância e juventude. A servente achava que sabia algo a meu respeito. Ao chegar em minha quitinete, procurei por alguns textos meus que eu escrevera na clínica Saint Roman e que trouxera comigo de lá. Entre esses textos, havia o intitulado “Nunca fui pedófilo” de que já falei; havia um em que eu confessava meu erro e arrependimento em ter esfaqueado meu padrasto – li esse texto em voz alta para a Drª Tatiana, de Saint Roman, depois que percebi que a difamação escrita por meu irmão havia chegado ao conhecimento dela; havia um terceiro texto que escrevi e que propunha de modo bastante convincente e perfeitamente factível um meio de reduzir o número de novos casos de contaminação por DST's, ainda que se mantivesse relações com pessoas de grupos de risco e que se mantivesse um grande número de relações e/ou parceiros. Essa ideia poderia ter impedido que um meu cunhado, irmão de Márcia, viesse a contrair HPV. O desaparecimento desse texto deve ter ocasionado a contaminação desnecessária de um grande número de pessoas. É esse o resultado da ação do demônio que ocupa o corpo de minha mãe e de tantas outras pessoas! Morte e doença para muitos, menos para os anticristos que as causaram! Afinal, o príncipe deste mundo precisa proteger cada um de seus escravos – que como qualquer outro escravo é um bem valioso para o senhor que o possui. Quando eu disse anteriormente que os demônios costumam agir a distância, me referia também a isto. A ação nefasta de Vanda – e as contaminações desnecessárias dela decorrentes – não seria jamais considerada como um mal causado por Vanda. Assim, o demônio protege sua fiel escrava e valida o modo de ação de seus servos. *** Falsidade obrigatória Hoje tenho que fingir uma simpatia por Vanda que definitivamente não tenho. Se voltar a criticá-la, corro sério risco de ser internado novamente. Sou obrigado a fingir que está tudo bem e a tratá-la com simpatia, mas se ela vier a viver tempo o suficiente, uns 85 ou 90 anos, acabará precisando de meu auxílio... finalmente entendi porque Vanda sempre detestou a ideia de viver muito tempo: numa idade tão avançada ela teria muito menos condições de manter a farsa e safar-se da ira das pessoas que destruiu. Ela também não gosta da ideia de necessitar da ajuda de seus filhos quando sua idade lhe for penosa, mesmo que isso seja algo natural e desejável. Após tantos anos a máscara correria o risco de cair e sua verdadeira natureza seria revelada. A esperança de Vanda é morrer Eric Campos Bastos Guedes 184 O Povo Cego e as Farsas do Poder

antes de ser descoberta. Um indicativo forte disso é que ela paga planos de saúde para todos de sua família, com exceção dela mesma! Um desavisado poderia pensar admirado: “Como é amorosa e abnegada essa mulher!”, quando é justamente essa admiração equivocada que possibilita a ela ter as atitudes mais indignas e desprezíveis sem que seja responsabilizada ou apontada como vilã. Um dos exemplos mais pungentes do que estou dizendo foi o fato de ela ter arquitetado meu rapto e ter tido influência o suficiente para conseguir o favor de três sujeitos “de bem”, convencendo-os a me transportar até a Clínica EGO contra minha vontade e sem que eu tivesse sido examinado pessoalmente por nenhum psiquiatra29. *** Para concluir essa parte Algumas palavras sobre o que tenho aprendido nos últimos anos em que fui perseguido e sobre as ideias falsas em que a maior parte da humanidade acredita e que serão a causa de uma altíssima mortandade de seres humanos nos próximos 30 anos (no máximo até 2040). I. Endeusamento da mídia: a maioria das pessoas não percebe que a mídia tem sido cada vez mais endeusada. Toda a mídia tende a um grau bastante razoável de concordância. A população vê nessa concordância um indício de que há um consenso a respeito de tudo de importante que está a ocorrer no mundo e esse consenso é interpretado como um sinal de que o que está sendo passado pelo sistema midiático é de fato verdadeiro. A verdade é que a concordância entre as diversas mídias ocorre porque elas são controladas pela mesma mente perversa: o próprio Lúcifer. Senão, vejamos: a mídia mais influente é a televisiva, mas o que é a TV senão uma caixa de luz, isto é, um altar para o anjo de luz que se chama Lúcifer? É por isso que a mídia televisiva é endeusada! Lúcifer quis ser ele próprio o Deus Todo-Poderoso! E quando nos referimos a um homem com muita influência nos meios televisivos, por exemplo, pela expressão “o todo-poderoso da rede globo” é justamente o endeusamento pretendido por Lúcifer que se está traduzindo em nosso linguajar! Engano com o sistema político: muitos acreditam que vivemos numa democracia. Mas se estamos num sistema democrático, como explicar o fato de que a esmagadora maioria dos políticos que elegemos para cargos de grande importância possui uma imensa riqueza? O povo não vota no candidato em si, mas sim numa imagem midiaticamente criada e psicologicamente construída. E é preciso ter o príncipe deste mundo ao seu lado se se quiser ter os favores da mídia. Uma solução para isso seria a implantação da democracia direta, um sistema em que todo cidadão pode opinar diretamente sobre o que ele quer e o que não quer para seu país, seu estado e sua cidade. Na democracia direta todo cidadão é chamado a votar leis, escolher onde se deve investir o dinheiro dos impostos, optar entre que construções e melhorias devem ser feitas primeiro, e propor projetos de lei –

II.

29 Márcia me informou que Vanda conseguira uma recomendação para me internar com um psiquiatra com quem eu havia tido somente duas consultas várias semanas antes – esse psiquiatra nunca viu nenhum motivo para me internar e quando deu seu parecer eu não estava presente. Ele apenas fez a vontade de Vanda, que tem muito mais respaldo social que eu.

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III.

IV.

se assim o desejar. Na democracia direta é o próprio cidadão que, pela força do voto direto, escolherá asfaltar sua rua, melhorar a escola pública de seus filhos, construir ou reformar um hospital etc. A democracia direta será o único sistema de governo que se estabelecerá – ela será o próprio governo de Jesus Cristo. Endeusamento de médicos e do sistema médico: o povo faz uma ideia equivocada dos médicos e do sistema médico. Por terem cursado medicina e por deterem conhecimento suficiente para curar – ou para destruir a saúde, coisa que tenho visto muitas vezes ocorrer, inclusive comigo mesmo – são considerados os médicos verdadeiros semi-deuses, isentos de más intenções e de qualquer malícia malsã. A eles, dificilmente é atribuída clara intenção de matar ou de destruir a saúde ou a vida de um paciente. Isso é um engano descomunal! Minha história bem o demonstra! Há um verdadeiro surto de hipotireoidismo por aí que está sendo provocado, na verdade, pela prescrição indevida – e ao mesmo tempo irrepreensível do ponto de vista médico, legal ou social – de drogas como o hormônio T4 (tiroxina). Ora, é exatamente o T4 que está provocando o surto de hipotireoidismo! Quando alguém são toma T4, seu organismo passa a depender cada vez mais desse hormônio administrado de modo exógeno. O T4, que deveria ser fabricado pela glândula tireoide, ao ser administrado de modo exógeno compromete o próprio sistema de regulagem desse hormônio. Também em psiquiatria está ocorrendo algo assim: a droga conhecida com Rivotril/Clonazepam tem sido receitada a torto e a direito. Ora, sabe-se que essa droga é altamente viciante e que compromete a memória de um modo dramático. Todo ansiolítico e todo tranquilizante tem, na verdade, algum efeito prejudicial sobre a memória e os médicos sabem disso. E os médicos sabem disso. Outrossim, já é conhecida uma cura para a esquizofrenia, mas tal informação é deliberadamente omitida de todos os meios de comunicação e sempre negada por psiquiatras e por laboratórios farmacêuticos. Convenhamos! Não são esses mesmos senhores – psiquiatras e laboratórios farmacêuticos – que faturam rios de dinheiro com a existência da esquizofrenia? Uma parcela muito grande de psiquiatras é constituída por calhordas diplomados. Ignorância dos males das DST's: a população mundial sofrerá centenas de vezes mais com o avanço das DST's do que com a criminalidade. Cada vez que alguém contrai o vírus da AIDS, passa a ser forte candidato a ser sacrificado no verdadeiro genocídio que ocorrerá nos próximos 30 anos (ver item V, abaixo). Também, um portador do HIV se torna oneroso para a nação de que faz parte, devido ao elevado custo financeiro do coquetel anti-hiv e devido à redução do desempenho profissional do infectado. Também, muitas doenças venéreas passam dos pais para os filhos, o que pode originar nos bebês problemas congênitos de saúde, mal-formações fetais etc. A importância em se combater a propagação do vírus da AIDS tem sido subestimada e a mídia passa a ideia errada de que a camisinha provê proteção total contra a AIDS e outras DST's. Que percentual de proteção o uso do preservativo de látex proporciona contra a infecção por HIV? 99%? 99,9%? Talvez, mas é importante dizer que nenhuma camisinha dá 100% de proteção contra a contaminação por AIDS. E quem pensa o contrário acaba por se permitir participar de bacanais e de muitas transas com pessoas diferentes. Como a proteção da camisa de vênus não é de 100%, fatalmente essas pessoas adeptas de hábitos sexuais promíscuos serão contaminadas 186 O Povo Cego e as Farsas do Poder

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V.

VI.

VII.

em algum momento. Um comentário importante foi feito pelo Papa Bento XVI, ao ressaltar a importância da fidelidade conjugal no combate à epidemia mundial de AIDS. É interessante notar que a fidelidade conjugal não tem sido devidamente considerada na maioria das campanhas publicitárias contra o HIV. Essa fidelidade talvez tenha salvo a vida de milhões de pessoas, mas seu valor é negligenciado em favor do mero incentivo ao uso da camisinha. Ignorância sobre o fim do mundo: Uma grande parcela da população mundial será sacrificada pelo argumento de que o planeta não suporta mais tantas pessoas consumindo tão rapidamente seus recursos minerais. Em 30 anos não haverá mais petróleo que esteja tão acessível a ponto de valer a pena ser extraído. O manganês extraído em terras brasileiras foi comprado a preços irrisórios por nações estrangeiras e quando precisarmos dele, teremos que pagar uma fortuna para tê-lo de volta. Muitas reservas minerais serão extintas e a cúpula de poder que domina o mundo sabe disso. Quando nosso planeta mostrar sinais claros e inexoráveis de exaustão, haverá grande carestia, fome, desemprego, saques a supermercados e a lojas e um número muito grande de pessoas morrerá. Como apregoado pela Teoria da Evolução, os mais aptos sobreviverão. Pessoas que conservarem sua saúde, que tiverem boa forma física, que adquirirem conhecimento – especialmente o de natureza prática, em especial o conhecimento médico –, que se sobressaírem por suas boas obras, que contarem com o respeito e simpatia dos demais e que tiverem bens imóveis terão muito mais chance de sobreviverem. O raciocínio em que me baseio para concluir que haverá um tal fim do mundo (como nós o conhecemos) é o de que o número de habitantes de nosso planeta aumenta ao mesmo tempo em que o consumo de riquezas minerais por cada habitante também aumenta; como a quantidade de minérios que se pode extrair do solo é finita, bem como é limitada a profundidade que podemos alcançar perfurando e escavando a terra, não é difícil concluir que esse sistema de coisas chegará a termo algum dia. Acredito que isso se dará até, no máximo, 2040. A Internet como único veículo de comunicação francamente acessível ao povo: o motivo para a Internet estar sendo demonizada por líderes religiosos e atacada pela resto da mídia é que ela é o único meio de comunicação totalmente aberto à manifestação da opinião popular. Não existe no mundo de hoje um veículo de comunicação que seja mais acessível à população do que a Internet. Nela, pessoas de todas as classes sociais podem expressar o que pensam e tem efetivamente o poder de mudar as coisas: seja do ponto de vista político, seja do ponto de vista científico ou educacional – isso tem dado uma grande dor de cabeça para o príncipe deste mundo, que odeia a liberdade e quer escravizar a todos nós. A vida eterna e a ressurreição como hipóteses plausíveis: o avanço tecnológico e científico é cada dia mais veloz em nossa época e se nossa civilização conseguir superar a grande crise que ocorrerá até 2040, conservando seu saber técnico e científico, estaremos aptos a buscar e obter conhecimento suficiente que nos permita viver tanto tempo quanto quisermos, passando a uma condição de imortalidade virtual. Poderemos deter o envelhecimento de nossos corpos, talvez, com apuradas técnicas de engenharia genética ou de biotecnologia. Ora, uma vez que formos imortais e tivermos transformado nosso planeta num verdadeiro paraíso, pensaremos, naturalmente, em trazer de volta nossos entes queridos que já morreram. 187 O Povo Cego e as Farsas do Poder

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Pode ser que consigamos isto pela construção de máquinas do tempo, construção esta que nos é impossível hoje, mas que pode vir a se tornar possível dentro de 400 ou 500 anos. Afinal, no século XIV a construção de máquinas voadoras também era considerada uma impossibilidade absolutamente inatingível pelo ser humano. O irônico é que muitas pessoas hoje se opõem a ideia de uma tal vida eterna e de uma tal ressurreição. O motivo talvez seja o de que elas, tendo enganado a muitos e prejudicado outros tantos, esperam fugir – pela via da morte – do castigo que as aguardaria no futuro. Ainda que nossa civilização precisasse acumular mais um milhão de anos em conhecimentos técnico-científicos para poder realizar viagens no tempo satisfatoriamente, e assim poder resgatar os seres humanos que morreram no passado, esse tempo todo não seria percebido por ninguém que fosse ressuscitado, pois uma pessoa morta não sente absolutamente nada, logo também não perceberá a passagem de qualquer período de tempo, por maior que ele seja. ***

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Parte V
(Escâneres comentados – a vilania familiar)

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A infame difamação do irmão Muitos entregarão os seus próprios irmãos para serem mortos, e os pais entregarão os filhos. Os filhos ficarão contra os pais e os matarão. Todos odiarão vocês por serem meus seguidores. Mas quem ficar firme até o fim será salvo.30 Mateus 10. 21,22 Uma calúnia proferida por um inimigo declarado é inócua na medida em que soa falsa, por acreditarmos que a intenção do acusador é tão somente atingir seu desafeto. Que dizer de uma calúnia proferida por pessoas que deveriam nos proteger? O demônio seria um adversário muito fraco para os seres humanos se não fosse capaz de validar suas mentiras e torná-las tão fortes e convincentes quanto fosse possível. E na tentativa de validar a infâmia que lança contra quem o enfrenta, consegue por vezes fazer com que suas acusações partam de familiares muito próximos. Mostrarei exemplos claros disso nas próximas páginas! Primeira infâmia: a difamação do irmão. Dificilmente eu poderia acreditar que meu irmão pudesse escrever um texto tão baixo como o que chegou às minhas mãos. E se ele mesmo não tivesse admitido ter escrito o texto, eu teria sérias dúvidas quanto a autoria da infâmia. Meu irmão Winter trás à baila assuntos já superados e acontecimentos de nossa infância e adolescência omitindo o fato de que todas as acusações que lança contra mim ao mencionar fatos deturpados, detalhes exagerados e erroneamente interpretados ocorreram há cerca de 20 (vinte) anos atrás! No fim de sua tosca peça acusatória, conclui que eu me tornarei mais violento e louco se ficar sem remédios psiquiátricos, mas esquece de dizer que tudo que mencionara eu ter feito, se o fiz, foi justamente sob o efeito dos tais remédios psiquiátricos! Tenta meu irmão fazer parecer que se preocupa com as pessoas que poderiam ser vítimas de minha insanidade, quando na verdade seu texto acusatório só causou dano e sofrimento à meu filho Sólon, por ter sido privado por vários meses da companhia do pai, e à minha esposa Márcia, que sofre indiretamente as consequências da difamação que foi dirigida a mim. O leitor deve notar que Winter escreve seu nome, mas não assina seu texto. Se assinasse, correria o risco de sofrer um processo violento por ter inventado tantas mentiras. É bem próprio do diabo instruir seus escravos a não assumirem a responsabilidade por suas palavras e ações. Segue-se o escâner do texto de meu irmão.

30 Retirado de O Novo Testamento – Nova Tradução na Linguagem de Hoje, editado pela Sociedade Bíblica do Brasil, site: www.sbb.org.br, tel: 0800-727-8888

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Primeira infâmia: a difamação do irmão

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(continuação)

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Meus Comentários: Há uma quantidade muito grande de falsas acusações nesse texto de meu irmão. Não vou aborrecer meus leitores refutando uma por uma. Em vez disso me defenderei das acusações mais graves e darei três regras gerais, que Winter utilizou para tornar mais danosa possível sua infame acusação. Segundo parágrafo: Não posso apresentar uma defesa eficaz a essa acusação de Winter – meu comportamento foi realmente passível de repreensão. O estranho é que uma tal repreensão tenha vindo somente 30 (trinta) anos após o acontecimento, quando o correto seria que minha mãe – e o próprio Winter – me alertassem quanto ao erro que eu estava comentendo tão logo o soubessem. Eu nunca fora suficientemente advertido ou adequadamente punido por minha mãe, fizesse eu o que fosse. Não se pode exigir que uma criança de 9 (nove) anos tenha um bom comportamento e se afaste de práticas criminosas se essa criança não for educada por seus pais. Uma criança que não recebe educação adequada de seus pais poderá vir ou não a ter um comportamento criminoso. Uma vez que os pais se furtam ao compromisso de educar um de seus filhos, o caráter de uma tal criança será forjado de maneira quase aleatória e o futuro de uma tal criança será uma incógnita. De uma criança que não recebe instrução de seus pais não se pode exigir – e atentemos bem para o significado da palavra “exigir” – que obedeça a leis e que tenha boa compreensão do que é certo e do que é errado. Ela poderá vir a ser tanto uma pessoa abençoada e carismática como também poderá se tornar um criminoso vil ou simplesmente um cidadão pacato. O comportamento bom ou mal de uma criança que não é instruída em seu lar será meramente a consequência da interação entre suas características congênitas, seu ambiente e as pequenas e randômicas – mas decisivas – experiências que marcarem sua vida. O fato de Winter não ter cometido tantos erros, ou erros tão graves quanto os meus, simplesmente mostra que o acaso o favoreceu mais. Ou mostra que ele não está disposto a arriscar, preferindo manter sua própria segurança e conforto a correr qualquer risco. Ademais, Winter faz parecer que eu ofereci a tal bebida a várias pessoas (ele expressou isso ao utilizar a palavra "outros", no plural, na primeira linha do segundo parágrafo), quando na verdade só me lembro de ter oferecido a bebida a minha tia Vera Lúcia de Campos, fofoqueira contumaz que eu já estava começando a notar ser uma perversa de Satã. E de fato, Vera acabou por matar sua própria mãe (minha avó Dermontina) com drogas psiquiátricas "regularmente" receitadas por médicos. Nunca matei ninguém com a tal bebida que fizera, mas o Neozine/Levomepromazina e o Haldol/Haloperidol que Vera Lúcia convenceu Dermontina tomar levaram minha avó para a sepultura. Fico aqui a me indagar porque nunca chegara ao meu conhecimento qualquer texto de Winter denunciando o assassínio de sua avó... Quinto parágrafo: "No Centro Educacional de Niterói, furou a barriga de um aluno com o compasso". Isso não ocorreu no Centro Educacional de Niterói, mas sim no Instituto Gay-Lussac. Só estou retificando, porque já esclareci este episódio na primeira parte desse livro. Ainda no quinto parágrafo: "Eram comuns da parte dele: (...) socos na cara do irmão, empurrões violentos na mãe, bofetadas no rosto da tia". Comentário: Não me lembro de ter dado em meu irmão um soco sequer. Pode ser que isso tenha acontecido em algum momento (devido ao uso de drogas psiquiátricas regularmente receitadas), mas jamais se poderia dizer que prática fosse "comum". Inclusive, após 1981 – quando eu tinha somente 10 anos de idade e minha mãe foi morar com meu irmão Winter e com meu padrasto Eric Campos Bastos Guedes 193 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Lourenço, me deixando para trás - não passamos mais do que 4 anos sob o mesmo teto (de 1989, quando Winter deixou a casa de sua mãe para cursar o segundo grau em Niterói, até 1994, ano em que Winter foi morar com sua primeira companheira na casa de dos pais dela) e, esses 4 anos não foram, em absoluto, uma época tão tumultuada por brigas violentas, socos e coisas do tipo. Ao contrário, foi um tempo em que ele mesmo decidiu estudar comigo, deixando o colégio regular que cursava, para se transferir para o CECAP - o curso supletivo oferecido na época no prédio do "Centrão", no centro de Niterói. Winter e eu cursamos o CECAP na mesma época (isso não é difícil de comprovar documentalmente) e chegamos mesmo a estudar juntos as mesmas apostilas (lendo-as juntos num estudo de grupo formado por só nós dois), e a prestar as provas relativas a essas apostilas no mesmo dia e horário. Não acredito que a consciência de meu irmão esteja tão comprometida que lhe permita negar o fato de que por algumas semanas estudamos juntos e fizemos provas no CECAP no mesmo dia e horário. Winter e eu obtivemos nossos certificados de conclusão do segundo grau (equivalente ao ensino médio de hoje) pelo CECAP, fato esse que pode ser verificado documentalmente e que reforça a veracidade de minhas palavras. É muito difícil de acreditar que Winter me considerasse realmente violento, perigoso e desagradável (como seu texto faz acreditar) e, ao mesmo tempo, passasse horas estudando comigo; deixasse a casa de sua mãe e sua escola para estudar no mesmo estabelecimento que eu; decidisse morar na mesma casa que eu; apresentasse sua namorada para mim; tivesse participado comigo de uma criação de preás em Araruama (ele fez isso!); tivesse consentido em ir a um prostíbulo comigo e outros amigos e se relacionado sexualmente com a mulher que eu o indiquei (ele também fez isso! E se ele negar tá lascado, por que houve testemunhas – nossos amigos). Definitivamente, esse seu comportamento de Winter não se coaduna de modo algum com a opinião francamente negativa que ele ostenta sobre mim em seu texto supracitado. Além disso, se Vanda – nossa mãe – achasse que eu pudesse feri-lo, jamais teria consentido com a ida de Winter para minha casa, pois isso poderia nos destruir a ambos (eu poderia ir para cadeia e ele para o necrotério); e se o próprio Winter achasse que eu representava realmente algum risco, ele muito dificilmente teria ido para minha residência; ademais, não faria sentido Winter ir estudar comigo num curso supletivo (abandonando os colegas e a escola regular e particular que lhe proporcionaria muito mais base para enfrentar o vestibular) se ele realmente me considerasse tão perigoso e desagradável. Outrossim, acrescento que eu mesmo pedi a Vanda que providenciasse um lugar onde eu pudesse morar longe de minha tia Vera, pois a considerava uma mulher "do mal", que tinha o hábito de intrometer-se em minha vida de muitos modos diferentes (Vera mexia amiúde em minhas coisas que eu guardava no armário, ficava escutando minhas conversas telefônicas pela extensão, fazia comentários que não tinham outro propósito que não o de me irritar (agressões emocionais) e eu estava suspeitando que ela embolsava uma parte do dinheiro que minha mãe deixava com ela para pagar minhas contas). Ora, se Vanda pensasse que eu poderia de fato machucar seriamente Vera, teria providenciado imediatamente a saída de Vera de minha residência na Domingues de Sá (isso só aconteceu anos mais tarde), pois minha tia Vera Lúcia não era dona da casa em que coabitávamos – sequer possuía uma fração pequena que fosse da casa em que residia sem pagar aluguel (se algum conhecido de Vera ler esse texto talvez fique surpreso ao saber que a casa onde ela morou na Domingues de Sá por anos nunca pertenceu a ela – Vera fez muitos de seus amigos pensarem que a casa era dela). A iniciativa de morar longe de minha tia partiu de mim e não dela. Isso mostra que Vera estava muito menos incomodada comigo do que eu com ela. Quanto aos "empurrões violentos" em minha mãe, que Winter afirmou serem Eric Campos Bastos Guedes 194 O Povo Cego e as Farsas do Poder

"comuns", não passaram de dois, e talvez (a depender do critério a se utilizar) não se possa dizer que eu tenha dado sequer um empurrão em minha mãe que pudesse ser realmente qualificado como "violento". Um detalhe pertinente: esses três seres humanos - irmão, mãe e tia - mostraram com a malícia de seus atos e palavras mentirosas que, na hipótese duvidosa de eu ser o responsável por ter lhes ter causado algum mal - mereceram eles ainda muito mais! Senão, vejamos: Vera inventou para seus conhecidos que era dona de minha casa na Domingues de Sá (isso pode ser confirmado por alguns dos conhecidos dela e serve de indício de que se trata de uma pessoa mentirosa); convenceu sua própria mãe (minha avó Dermontina) e os médicos de sua mãe de que minha avó precisava usar drogas psiquiátricas, o que levou Dermontina a morrer menos de dois anos depois (a data da morte de minha avó e o início de sua drogadição psiquiátrica podem ser verificados, bem como o fato de Dermontina somente ter ficado definitivamente acamada e sem ação algum tempo após ter iniciado o "tratamento" com drogas psiquiátricas). As atitudes dissimuladas e perversas de Vera e as mentiras que contava nunca sofreram a devida repreensão por parte de minha mãe ou de meu irmão, o que é um indício perturbadoramente claro de que os três agem juntos, tal como uma quadrilha de criminosos. Se coubesse a mim alguma justa punição por ter causado qualquer mal a Winter, Vera ou Vanda, ter-se-ia que admitir também que Vera deveria ser presa pelo assassinato de Dermontina; Vanda deveria ser presa por arquitetar meu rapto e mentir a meu respeito para conseguir de um psiquiatra uma recomendação para internar-me; Vanda também deveria ser presa por negar socorro a sua mãe (Dermontina pediu socorro à Vanda, segundo minha esposa me contou); e Winter deveria sofrer um processo violento por ter contado tantas coisas mentirosas. Eu ficaria feliz em me submeter a lei se Vanda e Vera fossem presas e Winter processado. Mas a justiça dos homens tem a propensão a punir quem não pode se defender e a proteger quem usa de dissimulação para ocultar os próprios crimes e infrações. Ainda mais no quinto parágrafo: "queimou a face da avó com um fósforo aceso". Mentira deslavada! Se ele tivesse dito "simulou queimar a face da avó com um fósforo já apagado", teria falado a verdade, mas não é a verdade que o interessa. Se eu tivesse queimado o rosto de minha avó com um fósforo aceso, como afirma Winter, certamente haveria uma cicatriz comprobatória. Qualquer pessoa isenta que tenha tido suficiente contato com minha avó Dermontina, poderá esclarecer se havia ou não qualquer cicatriz na face dela que fosse devida a alguma queimadura. E não havia! Examinando os retratos de minha avó, pode-se logo concluir a falsidade da acusação de Winter! Mentira deslavada, confusão do diabo!... Sexto parágrafo: "Quando o irmão se casou, Eric queria convencê-lo a 'dividir a mulher com ele'". A pretensa acusação de Winter transforma-se aqui numa comédia ridícula. Eu já havia 'dividido a minha' mulher com ele (a garota de programa Hilda Shanna, não Marcinha) quando ele aceitou ir ao prostíbulo (seria melhor usar o verbo 'compartilhar' em lugar do 'dividir') comigo e alguns amigos. Então, de meu próprio ponto de vista, não estava lhe propondo nada que eu mesmo julgasse ser absurdo. Além disso, Winter era naquela época – e o foi por muitos anos – adepto da chamada corrente política anarquista. Ele foi durante mais de dez anos adepto do anarquismo, o que poderá ser confirmado por muitos de seus amigos da época. E naquela ocasião Winter me mostrou um texto sobre uma comunidade anarquista do passado, em que se destacava uma curiosa relação tripla onde dois homens "anarquistas" compartilhavam uma mesma mulher maritalmente. Winter ressaltava aquele casamento triplo, pra lá de anarquista, com Eric Campos Bastos Guedes 195 O Povo Cego e as Farsas do Poder

encanto e admiração. Eu acreditei! Acreditei que suas ações fossem acompanhar suas palavras e que suas palavras refletissem seu pensamento e que seu pensamento fosse condizente com seus sentimentos. Afinal, integridade é isso! Sentimentos, pensamentos, ações e palavras concordando entre si, em harmonia. Pouco tempo depois, Winter me apresentou sua namorada e minha proposta de vivermos nós três maritalmente seguiu-se de modo natural. Veja bem! Eu não queria uma menage a trois, estava disposto, sim, a assumir responsabilidades numa eventual relação a três. Sétimo parágrafo: "...e ligava para todos os nomes de homens que encontrava, convidando-os a formar uma gangue para atacar mulheres sexualmente." Meu amado irmão Winter omite aqui um fato absolutamente crucial: ele mesmo participou da tal "gangue", ele e alguns de nossos amigos na época!... acho que já falei sobre tal episódio neste livro. Pelo fato da primeira "ação" de nossa "gangue" (chamada de OMB Organizações Mão Boba) ter se realizado em plena luz do dia na rua mais chique e movimentada do bairro nobre de Icaraí, deveríamos ter sido todos caçados como loucos por policiais, e até por simples transeuntes... tal coisa não ocorreu justamente porque nossa "ação" não era tão repulsivamente violenta ou tão abominavelmente criminosa como o texto de Winter sugere. Como bom bacharel em direito, meu irmão mostra ser mestre em distorcer a verdade conforme suas intenções... Oitavo parágrafo: "Sem nenhum motivo, surrou um amigo do irmão, inclusive jogando-o de cabeça contra um poste" Comentário: mentira e distorção dos fatos. O tal amigo de Winter me ofendeu gratuitamente, me chamando de "viado" numa conversa que tive com ele pelo telefone. Então houve um motivo! Mas também não se pode dizer que eu "surrei" o rapaz, porque não foi isso que aconteceu! Eu simplesmente dei um empurrão no cara que o levou a chocar-se contra um poste, mas a dita "surra" mencionada por Winter consistiu tão somente nesse empurrão, ainda que tivesse sido um empurrão bem forte. Segundo minha esposa Márcia, esse amigo de Winter guarda ressentimentos até hoje e parece ter feito queixa contra mim, contribuindo com isso para que eu fosse internado. Ainda no oitavo parágrafo: "Tentou dar facadas num cachorro na rua, mas o cão conseguiu fugir". Imagine a cena: um rapaz empunhando uma faca e correndo atrás de um cão em pleno calçadão da praia de Icaraí, sob a luz do dia... a falsidade da afirmação de Winter é obvia!... Realmente eu saí de casa com esse intuito, mas é fácil entender que tal tarefa seria impossível de se realizar em lugares abertos devido ao cão ser mais rápido e mais agil que um ser humano. E essa impossibilidade atestava que, de forma inconsciente e subconsciente eu não queria fazer isso de fato. Manifestar intenção em realizar uma tal loucura apenas refletia a incapacidade de lidar com frustrações que me era imposta pelo uso de drogas psiquiátricas regularmente receitadas para mim por meu então médico Dr. Eugênio Lamy, a quem eu obedecia criteriosamente quanto ás orientações sobre a dose e horário de tomar cada comprimido. Se alguém duvida que o uso regular de haloperidol, tegretol e prometazina possa causar um tal estado de raiva e frustração, recomendo que procure ler muitos dos posts de usuários de drogas psiquiátricas no Orkut. Assinar uma comunidade direcionada a esquizofrênicos pode ajudar a entender meu comportamento, bem como conversar francamente com enfermeiros e enfermeiras que tenham trabalhado o suficiente em estabelecimentos psiquiátricos para ver o grande estrago feito por certas injeções de flufenazina ou haldol decanoato. O sujeito que toma essas injeções pode vir a tornar-se descontrolado e violento se eixar de tomá-las; mas, por outro lado, continuar tomando-as levará o paciente a desenvolver uma rápida perda de suas capacidades intelectuais. Eric Campos Bastos Guedes 196 O Povo Cego e as Farsas do Poder

O resto do texto difamatório escrito por Winter vai também todo na base da distorção dos fatos, da omissão de detalhes cruciais, do exagero do que é ruim, da interpretação propositalmente desvirtuada, da omissão de circunstâncias atenuantes, da supressão da informação acerca de quando tudo isso ocorrera (o que leva o leitor a imaginar erroneamente que entre os incidentes mencionados, algum deles seria recente – o que é falso), da desfaçatez de sua mentira, da intenção em enganar seus leitores, e do recurso de trazer à baila assuntos que as partes diretamente envolvidas já superaram e nem se lembram mais. Ademais, creio já ter sido suficientemente punido pelos acontecimento narrados neste livro, o que torna redundante qualquer intenção em me causar ainda mais sofrimento. No penúltimo parágrafo de sua pequena peça acusatória - que pode muito bem ser sua obra máxima, pela qual será lembrado e festejado, ao lado de outros imortais tão ilustres, tais como Judas Iscariotes, Cain e Pinóquio - Winter menciona uma impossibilidade de que alguém possa manter a integridade física e mental numa hipotética convivência familiar comigo. Ora, se isso fosse verdade eu não estaria casado a 10 anos, não teria um filho maravilhoso, inteligente e cheio de saúde e minha esposa não teria concordado em ter outro filho comigo (ela quer). No último parágrafo, Winter afirma que "obviamente" abster-me de drogas psiquiátricas me tornaria ainda mais violento e louco do que o monstro demoníaco e surreal que pintara em seu belo texto. Se isso fosse verdade, nos cerca de 30 (trinta) meses que passei sem nenhum "remédio" (nos últimos 4 anos), já teria feito tantas loucuras e cometido tantos crimes absurdos a ponto de ir parar como notícia no Fantástico, no Domingo Espetacular e na revista Veja. E como todos sabem isso jamais ocorreu... Segunda infâmia: a maldição da mãe esquizofrenogênica. Ainda mais mentirosa, falsa, dissimulada, contundente e ardilosa, foi minha a traição diabólica e absolutamente incompreensível de minha própria mãe (Vanda Campos Guedes). Imagine, caro leitor, que haja um seu conhecido casado, sem filhos, que tem dado abrigo, na casa do casal, a uma amiga de sua esposa e ao filho de 3 (três) anos dessa mesma amiga. Imagine saber que esse seu conhecido é carinhoso com o menino (filho da amiga de sua esposa) e que a amiga da esposa tem uma condição financeira significativamente inferior além de aparentar ser lésbica e “gostar muito” da esposa. Imagine também que esse seu amigo goste de ser chamado de pai pela criança de 3 anos... Imaginou? O que você pensaria, então, se lesse o texto seguinte, escrito pela mãe do tal amigo:

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O Povo Cego e as Farsas do Poder

Segunda infâmia: a maldição da mãe esquizofrenogênica.

Eric Campos Bastos Guedes

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O Povo Cego e as Farsas do Poder

?
(perplexidade: pausa para reflexão) Eric Campos Bastos Guedes 199 O Povo Cego e as Farsas do Poder

Comentários: Em toda minha vida jamais tomei conhecimento de um texto tão dissimuladamente falso, maldosamente perverso e insidioso quanto este. E é minha mãe! Quem conhece a caligrafia dela reconhecerá imediatamente que foi Vanda Campos Guedes a autora do texto. Nas circunstâncias da época em que esse texto foi divulgado, fez parecer que minha esposa Marcinha houvera “revelado” a Vanda que eu, Eric Campos Bastos Guedes, tivesse abusado de Luiz Antônio, um menino adorável de apenas 3 anos de idade! Note o leitor que Vanda mostra de modo muitíssimo sugestivo que o que foi “revelado” era algo especialmente vil e desonroso, pois minha mãe adjetivou: “terrível revelação” e “revelação sórdida”. Também fez crer que a revelação deveria atingi-la de modo particular (ou seja, era pessoalmente significativa) quando disse que o que foi revelado por Márcia não a abalou como seria “normal”, isto é, como seria de se esperar. Sugeriu desse modo malicioso e dissimulado que, além de ser uma revelação infame (que era do conhecimento de Márcia, minha esposa, não por acaso a pessoa mais próxima e íntima de mim entre todas) era algo que envolvia alguém muito próximo afetivamente de Márcia e da própria Vanda. Seguiu-se um sacrilégio desavergonhado, onde Vanda ainda põem o nome de Deus no meio ao usar as palavras e expressões tais como “Senhor”, “Espírito Santo”, “Santíssima Vontade” e “Divina Providência”. A desfaçatez da víbora ainda arroga ser considerada muito piedosa por seus leitores quando demonstra misericórdia e compaixão de menininho Luiz Antônio de 3 anos, ao dizer: “Tenho muita pena do Luiz Antônio”. E ao mesmo tempo em que mostra misericórdia, sugere de modo muito claro que Luiz Antônio fora, de algum modo, uma “vítima” na estória da tal revelação de Márcia. E quando Vanda disse que era como se ela já soubesse de tudo, procurava mostrar, na verdade, que admitia que eu fosse capaz de cometer um tal crime absolutamente infame e abjeto (abusar de um garoto de 3 (três) anos de idade). E se a própria mãe admite isso, autoriza automaticamente todas as demais pessoas a admitir isso também. Muito importante observar que em nenhum momento Vanda cita meu nome. É um artifício que lhe dá o direito – depois de descoberta a falsidade do texto – de negar ser isso mesmo, lhe permite dizer (será que ainda permite?) que tudo isso não passou de um grande mal entendido. Não haver mencionado meu nome também dá ares de credibilidade ao texto infame, pois uma acusação direta pode ser interpretada como uma forma de tentar manipular o leitor. De fato, o leitor desavisado dessa verdadeira pérola da calúnia e difamação é conduzido muito sutilmente a conclusão de que eu (filho de Vanda e marido de Márcia) teria abusado de Luiz Antônio. E o leitor acaba por acreditar que chegou nessa conclusão por ele mesmo(!), tal foi a aparente ausência total de intencionalidade de Vanda em me acusar de qualquer coisa, destruir minha reputação e jogar meu nome na mais imunda lama que se poderia conceber. A propósito: jamais abusei de Luiz Antônio. *** Algumas palavras sobre a iminente eleição presidencial (outubro de 2010) Passei a noite inteira e toda a madrugada escrevendo e adiantando o trabalho nesse texto. São 06:45hs da manhã do dia 21 de outubro de 2010. Não vejo mais como vantagem publicar esse relato com nomes fictícios. Estou disposto a enfrentar minha própria crucificação, meu próprio calvário. Pelo menos estou disposto a isso agora. Certamente sofrerei incontáveis processos que talvez me custem os 25% das casas que possuo; talvez eu seja jogado num manicômio e perca, definitivamente, minha alta Eric Campos Bastos Guedes 200 O Povo Cego e as Farsas do Poder

capacidade intelectual, seja pela perda da memória, por sequelas causadas por drogas psiquiátricas ou mesmo por uma cisticercose provocada por comida ou bebida preparada com essa finalidade. Podem também me matar ao provocar um ataque cardíaco pela mistura de medicações; e da mesma forma podem me causar um derrame ou morte por Síndrome Neuroléptica Maligna. Os poderosos também podem induzir pessoas a tentar me matar, fazendo com que essas pessoas acreditem que o culpado pelas mortes de seus entes queridos sou eu, por estar a denunciar o governo e todo sistema da Nova Ordem Mundial31. Diante da prolongada e franca possibilidade de morte, ela mesma deixa de ter tanta importância. Quanto mais os processos judiciais. O que quero dizer é que, ainda que o governo Lula tenha sido realmente muito generoso com o bolso dos trabalhadores – e isso sou obrigado a reconhecer – eleger a candidata governista Dilma Rousseff seria dar aval para esse horrendo cenário político em que estamos sujeitos a verdadeiros assassinos de estado. Como poderia o presidente Lula não saber o que estava acontecendo no pais, se a ABIN está sujeita à presidência da república e uma das funções dela (da ABIN) é justamente prover informações ao poder executivo cujo representante mais significativo é o próprio presidente da República? Se Lula não sabia do que acontecia no país, como esperar que um tal presidente possa dar atenção e se importar com coisas menos relevantes que a vida dos cidadãos do país que governa? Mas se Lula sabia do que estava acontecendo, há que se fazer algo a respeito urgentemente – ainda que esse urgentemente possa demorar dois ou mais anos, o que , em termos históricos ou de projeto político pode não ser tanto tempo. Em minha opinião, Lula está construindo uma imagem forte para, ao ganhar a confiança da população, fazer com que a consciência crítica do povo seja suficientemente anestesiada de modo a permitir que mudanças na lei (ou novas leis) sejam implementadas sem a devida atenção, por parte da população, para as consequências nefastas de tais leis novas. O fenômeno “Lula” faria a população aceitar que certas leis iníquas fossem implementadas sem que a população esboçasse resistência, sem que se refletisse sobre as possíveis consequências nocivas delas advindas, tais como a perda da liberdade da população, o estabelecimento de um regime totalitário no Brasil, uma imensa mortandade de seres humanos, o aumento desmesurado da incidência de câncer, de mortes por doenças cardíacas etc. Lula parece ser só uma peça – ainda que de certa importância – no jogo político da cúpula de poder que governa o mundo 32. E por ser uma peça, não tem vontade política própria, obedecendo como um fantoche as orientações de pessoas mais poderosas que ele. A eventual eleição de Dilma Rousseff seria um sinal de aprovação do povo brasileiro para a atual política dos assassinos de estado que procurei demonstrar neste livro estar sendo levada a cabo pelo governo Lula. Dilma continuaria com essa política infame. Por outro lado, o candidato José Serra, adversário de Dilma neste segundo turno, não faria diferente, como seria de se esperar se houvesse aí uma disputa honesta.
31 Aparentemente esse foi o caso de Luizivane, do HPJ, que parece ter tido pessoas próximas assassinadas por gente do governo – após os assassinatos, Luizivane teria atribuído a morte de seus entes queridos a mim, pois fora eu a pessoa que “irritou” o governo e todo o sistema de poder ao denunciar esse mesmo governo por tentar me matar. 32 Essa cúpula é chamada por alguns de “Iluminatti”, por outros de “grandes banqueiros internacionais”, por outros de “Nova Ordem Mundial”, mas a ideia subjacente é a mesma: um grupo de pessoas que detém juntas um grande controle sobre a política/economia/religião de todo o mundo e que usa de farsas, mentiras, e técnicas conspiracionistas para manter o segredo sobre os grandes crimes que esse grupo comete – levando muitos milhões de pessoas literalmente a morte – em nome da manutenção de seu poder e do fortalecimento desse mesmo poder. A cúpula deve ter chegado num impasse ao perceber que os recursos não renováveis do planeta estão se esgotando rapidamente e, presumivelmente, pretende resolver esse problema eliminando (matando) grande parte da população mundial.

Eric Campos Bastos Guedes

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Eu acho que uma eleição onde alguns dos candidatos gastam muito mais que os outros em campanha publicitária não deveria ser chamada de honesta. Onde está o princípio de igualdade de direitos? Permitir que haja candidatos gastando muito mais em publicidade que outros é como considerar justa uma luta entre um boxeador peso pena e um peso pesado. Todo mundo já sabe quem vai vencer! Dar, pela via da lei, um tempo esmagadoramente maior no horário eleitoral gratuito aos candidatos dos partidos maiores é um modo de fazer com que só os grandes partidos tenham chances reais de eleger um presidente da República. E isso é injusto! Como se pode pensar que uma eleição presidencial no Brasil de hoje seja justa quando toda a mídia dá a uns poucos candidatos o privilégio de terem seus nomes muito frequentemente estampados em revistas e jornais enquanto os demais candidatos são quase completamente ignorados? Ora, desde o início da campanha pela presidência da República quase todo o povo brasileiro já conhecia os três candidatos que viriam a ser os mais votados no pleito. Mas quantos de nós sabíamos da existência dos outros candidatos? Como poderia haver uma disputa honesta assim? A verdade é que sabíamos desde muito cedo que Dilma Rousseff seria candidata e esse conhecimento, midiaticamente proporcionado, a levou rapidamente ao topo das estatísticas quanto a intenção de voto. Do mesmo modo que um líder militar pode controlar seus exércitos à distância e orientá-los sobre o que fazer, a mídia também é controlada a distância. Quando há uma batalha, as tropas não podem ver ou atingir diretamente o líder militar que as coordena, mas todos sabem que esse líder existe de fato. O povo também não está vendo ou percebendo que existe um líder, um guia coordenando toda ação das mídias significativamente influentes, que pudessem mudar o resultado do pleito presidencial. Mas eu afirmo, com toda certeza, que tal guia existe, pois está claro para mim que os principais veículos de comunicação agem de modo coordenado. Se não existisse uma tal coordenação, um tal guia, as diversas mídias dariam atenção diferenciada a diferentes candidatos, isto é, cada qual favoreceria candidatos diferentes. E não é isso que se observa. Para finalizar, quero dizer que essa nova edição de “O Povo Cego e as Farsas do Poder” foi concluída às pressas, para que fosse posta no ar antes do segundo turno da eleição presidencial. Concorrem ao cargo a senhora Dilma Rousseff e o senhor José Serra. Se só dependesse de mim, anularia a eleição; mas só essa massa fecunda e variada que chamamos de povo tem esse poder e esse direito – se um percentual suficientemente expressivo dos eleitores brasileiros anularem o voto, deveria ser realizado um novo pleito, com outros candidatos que não esses que aí estão. Eric Campos Bastos Guedes 21 de outubro de 2010, 08:20hs da manhã; revisado às 21:02hs. ***

Eric Campos Bastos Guedes

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